Título: LIZARDS & SNAKES
Pairing: Sakurai Atsushi x Hayashi Yoshiki ou.... Hayashi Yoshiki x Sakurai Atsushi ? Who knows ;D .... + outros.
Gênero: Ação? Ação.... XD Ação ;3 (?)
Classificação: PG-Seiteki (indefinido por enquanto XD)
Sinopse: Notórias e poderosas, duas máfias rivais lutam pelo poder no submundo de Tóquio... (e do resto do mundo, ou até onde suas ambições permitirem) São eles: os LIZARDS, liderados por Hayashi Yoshiki, e os SNAKES, sob o comando de Sakurai Atsushi.
Autoras: Mô-chan (Sakurai Atsushi) e Scarlet Mana (Hayashi Yoshiki).
Capítulo: S6 - .The Trustful (or not?). - Por Mô-chan e Scarlet Mana.
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15.
XXX
O pessoal que participaria do grupo ativo da próxima Ação andava ocupado. As Cobras se revezavam entre aperfeiçoamento de tiro, tutoriados por Imai; como entrar e sair do local inimigo sem ser notado e muito menos pego, pessoalmente com o Hebi; como lidar com os equipamentos de comunicação e se prevenir no caso de falhas do sistema, em breves conversas com Hide; além de outras atividades. Eles já tinham passado por coisas semelhantes, e uma vez a cada dois meses ocorria uma semana de checagem; mas parecia que eles nunca sofreriam um treinamento tão intenso quanto o daqueles dias.
Já o grupo que ficaria na mansão vinha tendo o dobro de trabalho, pois, segundo o Hebi, quem precisaria de mais energias no "grande dia" seriam os outros. Além disso, ele vinha levando ao pé da letra o que dissera em seu último sermão, sendo que as Cobras eram vigiadas mais de perto e, a não ser que tivessem recém finalizado uma tarefa, logo eram encarregadas de outra.
Nos dois dias que haviam se passado desde a divisão dos grupos, poucas pessoas tinham tido a chance de sair da mansão - e tudo sob os olhos do Líder. Este fora um dos que saíra, deixando Imai encarregado de tudo durante suas ausências, que foram parcas e breves. Além de Sakurai, Hide havia saído para adquirir material de trabalho, e uma ou outra Cobra o fizera para comprar algo quando o Hebi, o subchefe e os mais próximos do líder não pudessem fazê-lo.
O trio de Corais estava andando pelo imenso terreno da mansão, seguindo a trilha perto do local onde ficavam as Cobras venenosas, e volta e meia eles podiam ver uma delas através do espesso vidro que separava aquela área do resto de tudo. Os três tinham recém terminado uma sessão de treinamento com Toll - em que Gara se saíra melhor, pois quando o assunto era judô, ele já tinha experiência. Havia praticado aquele tipo de luta quando mais novo.
- Isso não é justo! - Tatsurou havia dito, depois de ter sido derrubado no tatami pela terceira vez consecutiva.
- Gara é magrelo e parece frágil, e essa impressão causada por seu físico lhe é vantajosa - Toll dissera, tendo ele mesmo se surpreendido com as habilidades do Coral, que até então eram desconhecidas da maioria - os únicos que sabiam disso eram o Hebi e o subchefe, devido a época em que haviam selecionado Gara como integrante do ninho.
Em momentos como aquele, Tatsurou e Daisuke se irritavam um pouco, querendo que o amigo lhes contasse mais fatos sobre sua vida...
...não que Gara se lembrasse de muita coisa.
- Ahh, cansei - Daisuke disse, parando de caminhar para estirar-se na grama e descansar. Depois de terem sido dispensados pelo "treinador", o trio resolvera aproveitar aquele dia agradável de sol e brisa fresca.
Tatsurou cutucou o Coral, mexendo no quadril dele com o pé, e o mais baixo esquivou-se, resmungando. Porém, como Tatsurou não parecia disposto a parar, Daisuke aproveitou para puxá-lo pela perna que o maltratava e, mais uma vez, o que estava de pé foi derrubado, exclamando reclamações de abuso.
- Você pediu por isso - Daisuke respondeu, meio malicioso e meio sádico. Ainda segurando o outro pela perna, puxou-o antes que houvesse chance de ser impedido, até que as pernas de Tatsurou passassem por cima de si, e os corpos dos dois formassem uma espécie de cruz, sobrepostos.
O mais alto ergueu o tronco, sentando-se sobre o corpo do outro, que inicialmente não pareceu incomodado com isso. Tatsurou apoiou uma mão no estômago e outra na coxa de Daisuke, que daí sim, soltou um barulho de desconforto, mas riu junto com o amigo.
De repente, o Coral que estava sentado inclinou-se pra frente, interessado em algo que viu mais adiante.
- Aiii, Tatsu! Agora seu peso ficou todo sobre mim, caramba!
- Olha aquilo, Dai! - ele disse, ignorando o protesto do outro enquanto apontava para algo a metros de onde estavam.
Com um pouco de dificuldade, Daisuke conseguiu sentar-se também, de modo que agora Tatsurou estava sentado em seu colo, a mão ainda em seu abdômen, e ela quase escorregou até uma área mais perigosa - não que o outro fosse reclamar caso isso acontecesse.
Daisuke balançou a cabeça, e decidiu ver o que o outro queria lhe mostrar. Seus olhos seguiram a direção apontada, e ele riu alto ao ver do que se tratava.
- TEM UMA COBRA COMENDO OUTRA COBRA ALI, MEU DEUS! - Tatsurou gritou, em meio a gargalhadas, finalmente convencido de que o que ele via era realmente o que ele pensava ver.
- Cara, eu sabia que cobras maiores podiam se alimentar das menores, dependendo da espécie, mas... putz!
- Que cena inusitada - o outro complementou, adivinhando o que Daisuke quisera dizer, mas não colocara em palavras.
- Ô Gara, cê tá--
- Ele sumiu de novo.
- Ahh, pô! Virou mania agora! Ele tá perdendo uma cena e tanto!
Tatsurou riu outra vez, levantando-se pra ver mais de perto, curioso.
- ...bem que eu queria comer uma certa Cobra, também... - Daisuke sussurrou, olhando o outro pelas costas. Mas Tatsurou não o ouviu, ocupado em encostar o rosto no vidro, inflar as bochechas e fazer uma careta, as mãos apoiadas ao lado da cabeça. O mais novo suspirou, levemente exasperado, e levantou-se, andando até ficar ao lado do amigo. É, ele pensou, tentando se conformar, quem sabe quando ele deixar de ser criança.
XXX
Gara sentou-se em cima de uma rocha, no meio de tantas que ficavam à beira do riacho que corria nos arredores da mansão. Poucos se prestavam a vir ao lugar, que já era atrativo por si só, mas ficava ainda mais interessante num dia daqueles - o sol parecia deixar as plantas ainda mais coloridas, e o vento fazia as árvores balançarem levemente. Era uma área de natureza pura, e o Coral gostava de ficar ali, sozinho, refletindo consigo mesmo. Por um bom tempo, ele deixou-se escutar o barulho da água correndo, e ficou parado, os olhos fechados, o rosto nos joelhos trazidos junto ao corpo pelas mãos que abraçavam suas pernas.
Não demorou para que a imagem daquele estranho invadisse seus pensamentos, e a paz que ele costumava encontrar ali tornou-se quase nula. Desde a segunda - e última - vez que o vira, Gara vinha tentando evitar pensar nele, mas era difícil. Ele nem sabia por que Kyo parecia estar dominando sua mente, e às vezes ele se assustava com o quanto sentia falta de estar com o baixinho, com o quanto ansiava em poder vê-lo novamente. E eles tinham se visto só duas vezes. Duas vezes. Ele não devia sentir-se tão ligado a ele em tão pouco tempo. Era inconcebível...!
O problema maior era que agora ele nem tinha como sair da mansão. Quer dizer, ele sabia como escapar sem que ninguém o visse - o lugar em que estava era um dos meios. Mas temia que dessem falta de sua presença. O Hebi tivera aquele ataque de estresse dois dias atrás e continuava irritadiço; não seria bom testá-lo agora.
Talvez, se ele conseguisse uma desculpa para sair... Se estivesse faltando alguma coisa, se ele tivesse que fazer uma tarefa fora...
Gara balançou a cabeça; tinha que parar de pensar naquela criatura que ainda lhe era praticamente um desconhecido! E do que adiantaria ficar pensando nele, se provavelmente não o veria mais? E mesmo que visse... tinha que se controlar!
Ainda estava descalço depois de ter praticado judô, e aproveitou para pôr os pés na água. Estava gelada, mas a sensação era boa. Puxou as calças perto das canelas, erguendo-as para que não se molhassem, e afundou os pés na beira do riacho até tocar o chão, entre areia, pedras e outras coisas. Ergueu-se então, andando um pouco na água, mas logo saiu dela, e voltou a sentar-se na pedra.
Pegou o celular que estava no bolso da calça, encarando-o como se ele fosse um ser animado e capaz de lhe dar respostas para as dúvidas que tinha. Não faria mal se ele mandasse uma mensagem ao loiro, não é? Ele ainda lembrava o número de cor. Mas o que diria? “Oi, tudo bem? Aqui é o Gara e...”
O Coral quase riu de si mesmo, e voltou a balançar a cabeça, suspirando. Ele tinha mais facilidade para se expressar quando estava escrevendo, e preferia fazê-lo a ter que usar a voz para se comunicar com os outros. Mas não tivera tanta conversa assim com Kyo. Não sabia o que dizer agora. Será que o outro estava ocupado? Será que gostaria de receber uma mensagem sua? O que ele esperaria da parte de Gara? Se é que... ele esperava alguma coisa...?
Mexeu nos botões do aparelho, até chegar à opção para escrever mensagens. Seus olhos fixaram-se no visor, agora vazio, e ele tentou pensar no que dizer.
Resolveu agir como a silenciosa Cobra que era, e enviou nada mais que um “...oi.”, em que até mesmo as reticências poderiam ter significado. Será que o outro lembraria de seu número?
O Coral suspirou novamente, voltando a guardar o celular no bolso. Olhou em volta, só para se certificar de que ninguém estava por perto mesmo. Teria ouvido a aproximação de alguém, porque era quase impossível não fazer barulho ao andar por aquele chão coberto de folhas e gravetos - mas um descuido auditivo seu sempre poderia acontecer. Descuido este que não aconteceu quando seu celular tocou, avisando que uma mensagem havia chegado.
“Comi peixe hoje.”
Gara ficou olhando pra tela, tentando entender que tipo de resposta era aquela. Por que Kyo diria aquilo, sabendo que a Cobra não gostava de peixe? ...será que era uma tentativa de inticar com ele? Era o que faltava, ele pensou, com um meio sorriso nos lábios; mais um para se juntar ao Dai e ao Tatsu.
“...”
Ele enviou aquilo mesmo, três pontinhos, porque não sabia o que poderia dizer depois daquela resposta. Além disso, queria entender o que se passava na cabeça do loiro, e seu “silêncio” era uma tentativa de fazê-lo se explicar...
“Quer comer arroz?”
...o que não significava que Kyo pudesse ler seus pensamentos.
Gara franziu o cenho, quase rindo com a pergunta que o outro lhe enviara. Kyo não gostava de arroz; por que estaria dizendo aquilo? Mas o Coral logo ficou sério, lembrando que provavelmente não poderia sair hoje. A não ser que ele conseguisse alguma desculpa muito convincente ou lhe encarregassem de uma tarefa que incluísse uma saída, ele não teria como escapar, somente escondido - e, depois do flagra do Hebi e do conseqüente “sermão” que mais parecia uma ameaça, Gara tinha medo de ser descoberto e do que poderia acontecer neste caso.
“Quando?”
Resolveu perguntar, torcendo para que não fosse naquele mesmo dia...
“Noite.”
...e, novamente, Kyo não pensara do mesmo jeito que ele.
Gara ficou olhando pra tela, pensativo. Não acreditava que o loiro fosse realmente comer arroz, mas, quando se vissem, descobriria quais eram as intenções dele. De qualquer forma, nem sabia se conseguiria vê-lo. Como dizer isso a ele?
Os dedos da Cobra hesitaram sobre o botão que faria com que enviasse a mensagem que acabara de escrever. Não queria parecer que estava desdenhando do outro; não era esta a sua intenção. Entretanto, também não podia simplesmente marcar algo com ele. E se não pudesse ir, que motivo daria? E se não conseguisse avisá-lo? - seria pior ainda. Era complicado combinar qualquer coisa, na atual situação. Então, resolveu que deixaria a mensagem daquele jeito, mesmo:
“Hoje? Vou ver se posso.”
XXX
Da janela do escritório, Atsushi observou a interação entre o trio de Corais, que caminhavam despreocupados pelo imenso terreno ocupado pela mansão. Viu quando um deles se afastou, entrando na mata, enquanto os outros dois se distraíam entre brincadeiras e alguma visão que lhes parecera interessante. O Hebi sorriu de canto ao vê-los aproximando-se do vidro que os separava das cobras peçonhentas; sempre ficava satisfeito quando seus subordinados demonstravam que não tinham mesmo medo delas. Ao menos alguma coisa servia para que o mau humor que o acompanhava nos últimos dias se dissipasse por alguns instantes.
Sua atenção foi desviada quando alguém bateu à porta do aposento, e ele deu permissão para que entrassem. Não se surpreendeu ao constatar que se tratava de Imai, com a postura impessoal e a expressão séria de sempre. Ele o cumprimentou polidamente, e Sakurai quase riu ao lembrar-se do que ocorrera dois dias atrás, quando seu subchefe quase perdera a compostura. Mas, no momento, o Hebi ainda estava meio arisco, perdera um pouco de seu costumeiro bom humor; o único fato que lhe impedia de destilar veneno a cada cinco minutos era a ciência de que, até então, seus planos para a próxima Ação corriam bem. Além disso, por mais irritado que estivesse, Atsushi não se deixava consumir pelo ódio que sentia, ainda mais por saber que tudo o que mais agradaria seu mais novo rival seria vê-lo explodindo de fúria depois da humilhação que passara nas mãos daqueles dois tampinhas - cuja identidade ainda descobriria para poder estraçalhá-los e enviar os remanescentes ao próprio Lagarto-líder, como uma retribuição ao que acontecera com sua Mamba Negra.
- O almoço está pronto, e algumas Cobras já estão se servindo. Uta e Toll estão reunindo o pessoal que estava treinando, e Hide acabou de voltar após uma checagem no estoque de venenos.
- Mas nós já tínhamos colhido mais amostras. Aconteceu algum problema?
- Precisamos comprar mais agulhas para as seringas. A não ser que demos preferências a armas de fogo, não haverá o suficiente para a próxima Ação.
- Hmmm.
- Quer que eu peça para-
- Gara. Eu quero que Gara faça isso.
Imai ergueu levemente a sobrancelha, um tanto quanto surpreso, mas foi a única mudança em sua expressão que demonstrava isso. Atsushi não era de pedir que qualquer Cobra comprasse suprimentos para o ninho. Não que os Corais fossem quaisquer uns, mas também não estavam no topo da lista.
Mas então, o subchefe se deu conta de algo.
- ...você quer testá-lo. - Hisashi disse, percebendo do que se tratava.
- Eu sabia que não precisaria explicar isso - Atsushi rebateu, com um sorriso meio enigmático nos lábios. - Gara nunca me deu motivos para que eu desconfiasse dele. Mas o fato de ser tão quieto, recluso, obediente, e difícil de interpretar - isso faz com que ele se torne confiável demais, porque é difícil perceber quando ele está mentindo ou escondendo algo.
- ...você acha que...? - e Imai deixou a pergunta no ar, sem necessidade de terminá-la.
- ...ainda não tinha pensado nisso. Mas não creio que ele tenha algo a ver com a Mamba. - e Sakurai franziu o cenho, olhando novamente pela janela, onde antes vira o Coral adentrando a mata. - ...bem, prevenção nunca é demais. Mesmo que eu o considere uma Cobra exemplar, não faria mal algum saber se, além de tudo, ele é realmente leal a mim.
Hisashi assentiu, mas permaneceu em silêncio, apenas aguardando o que mais o Hebi teria a lhe dizer.
- Ligue para o Noturno. Eu vou combinar tudo com ele.
XXX
Gara olhou novamente para o papel que tinha em mãos e, então, para a rua que se estendia diante de si. Era um beco, um lugar ao qual pessoas comuns não iam porque o primeiro adjetivo que qualquer um utilizava ao referir-se a ele era...
...perigoso.
Mas Gara não era uma pessoa comum, e ele conhecia aquele beco melhor do que muitos que circulavam pelo local no momento. Era ali que ele comprara seu baralho de tarô, dentre muitas outras coisas.
Se ele poderia ter comprado o baralho em outro lugar? Poderia. Mas não um igual ao que ele tinha.
Quando o Hebi lhe entregara o papel com o nome do lugar em que o Coral deveria ir, dizendo que ele provavelmente demoraria a chegar lá e que era melhor tomar cuidado, Gara simplesmente assentira, pois perigo era algo que fazia parte de seu dia a dia como integrante do ninho. Que diferença faria se ele tivesse que ir a um lugar calmo ou infestado de bandidos? Ele era um deles, ora essa. E ele sempre estava armado - não necessariamente com um revólver, muito menos com algo visível, dependendo da ocasião. Outra coisa que sempre fazia era tomar cuidado enquanto andasse pelas ruas, não importava onde fosse.
Não entendia bem por que o Hebi lhe dera aquelas recomendações a mais; mas o Coral não era pago para compreender seu chefe, e, sim, para executar suas tarefas.
Além disso, o que Sakurai não sabia era justamente que Gara conhecia o lugar. O líder lhe dera as indicações, o nome do estabelecimento - anotado no papel em suas mãos - e, naquele instante, enquanto estivera conversando com ele, o Coral realmente não se dera conta de que as informações o fariam chegar àquele beco.
Mas o que mais ele poderia querer, senão uma saída do ninho a pedido do Hebi, uma tarefa que seria cumprida com mais rapidez do que este esperava, e uma conseqüente sobra de tempo que deixaria que o Coral se encontrasse com Kyo?
Claro que Gara se sentia um pouco culpado por pensar no loiro e em se aproveitar da situação para fazer algo sem que o Hebi soubesse, mas... ele não estava fazendo mal a ninguém - não era assim que funcionavam as coisas? E não era como se ele estivesse traindo as Cobras. Ele estava simplesmente a fim de se encontrar com alguém de fora do ninho. Só isso.
Entretanto, antes de qualquer coisa - antes mesmo de saber se Kyo ainda queria se encontrar com ele - precisava terminar aquela tarefa.
Ele começou a andar pelo beco, olhos e ouvidos atentos, enquanto pessoas de todos os tipos circulavam perto de si. Observou os edifícios - alguns cujas paredes haviam escurecido com o passar dos anos; outros em que faltavam alguns pedaços de cimento; havia ainda os com janelas quebradas e os que, mesmo tendo sido construídos havia pouco tempo, tinham um aspecto de abandono e obscuridade por si só.
O Coral pôs o papel no bolso ao deparar-se com o estabelecimento que procurava.
Honey Vanity era o que se lia numa placa vertical ao lado da porta, com os escritos em relevo, de um aspecto que lembrava o mel, tanto na textura quanto na cor.
Gara teria estranhado o nome do local se, ao entrar no mesmo, não visse um monte de frascos do próprio mel dispostos em estantes coladas às paredes da esquerda e da direita. Mel de todos os tipos - do amarelo mais desbotado ao marrom mais escuro e brilhante; do mais leve e líquido ao mais pesado e espesso; do menos doce ao que, de tão forte, parecia equivalente a vários torrões de açúcar ao invés de uma simples grama do produto feito por abelhas.
A Cobra não se surpreendeu ao ver, numa grande caixa perto do balcão, um grupo delas trabalhando - uma provável tentativa de demonstrar aos clientes que o mel vinha dos próprios donos da loja.
Gara teve o cuidado de aproximar-se do balcão apenas o suficiente e ficar ao lado oposto do da caixa, só para ter certeza de que, caso algum daqueles bichinhos minúsculos escapasse, ele teria tempo de fugir. A idéia de ser picado por uma abelha não lhe agradava, ainda que a maior parte de seu corpo estivesse coberta pela roupa preta que usava. Para completar, ele estava com um chapéu na cabeça e com luvas nas mãos, estas finas e transparentes.
- Posso ajudá-lo?
A pessoa que tirara o Coral de seus pensamentos definitivamente não parecia com alguém que produzisse mel. Trajava um conjunto social, de calça e terno pretos, este que cobria sua camisa de babados; usava lentes de contato de cor verde-água, além de, no canto do olho direito, ter cílios extremamente compridos de cor laranja. Seu cabelo era castanho com algumas mechas mais claras, lembrando a cor do mel, e estava ajeitado de forma que cobrisse seu olho esquerdo, que ainda era visível entre uns fios e outros. O olhar dele era quase sério, mas parecia capaz de atravessar o corpo de Gara, de tão intenso.
- Eu... gostaria de falar com Közi-san - a Cobra se ouviu dizendo, depois de um longo tempo sendo fitado pelo outro, que o observava com bastante atenção.
- Sou eu. - ele pareceu ter ficado ainda mais sério depois de ouvir o próprio nome. - O que deseja?
- ...O Hebi me deu uma tarefa e disse que o senhor estaria avisado disso.
E então ele sorriu, o que só aumentou a intensidade de seu olhar. - Preciso de seu nome.
- Gara.
- O verdadeiro nome - ele insistiu, pegando o outro de surpresa.
- ...Makoto - acabou por dizer, um tanto quanto contrariado.
Közi assentiu, satisfeito. - Muito bem, meu caro Coral. O que é mesmo que Atsushi quer?
Gara estranhou que ele soubesse de como Sakurai se referia a ele e aos seus dois amigos, além do fato de ter se dirigido ao Hebi pelo primeiro nome; mas não disse nada. - Agulhas para seringas.
- E você acha que é isso que vai encontrar aqui?
Se Gara fosse de se estressar com facilidade, ele certamente teria se incomodado com o tom de voz do outro e com as perguntas que este lhe fazia. Ainda que checar se ele era realmente uma Cobra fosse algo até mesmo rotineiro, Közi parecia estar indo além do necessário. - Foi o que o Hebi me disse.
E era como se, naquela frase, Gara também tivesse dito “a loja fecha com a descrição que ele me deu, assim como você - que, aliás, sabe coisas demais a meu respeito”.
Közi continuou sorrindo, observando-o com o mesmo interesse de antes. Foi para os fundos da loja - o mesmo lugar de onde viera antes - e retornou alguns instantes depois, com duas caixas nas mãos, ambas pequenas - do tamanho de um maço de cigarros - e aparentemente iguais. Entretanto, o conteúdo delas era um pouco... diferente.
- Você já matou alguém com veneno de Cobra?
- Já. - Gara respondeu, sem hesitação, sem remorsos, e sem emoção alguma na voz. Teria apenas assentido, não fosse o olhar do outro, que parecia do tipo que não se convencia apenas com gestos.
- Coral?
Ele franziu o cenho, querendo que o outro parasse de lhe fazer perguntas. - Não. O veneno das Corais nem sempre mata.
- Não é à toa que Atsushi tenha lhe nomeado uma delas. Mas, bem, considerando que já usou veneno de Cobra para matar... você deve saber quais agulhas o Hebi usa, não?
- Hai.
Közi abriu as duas caixas, ambas cheias de agulhas. Deixou que Gara as examinasse de perto, e o Coral indicou a da direita.
O dono da loja assentiu. Fechou a caixa da esquerda, colocou-a num dos bolsos da calça e então pôs uma terceira caixa sobre a mesa, ao lado da que o Coral havia escolhido. Abriu, e desta vez, as agulhas que se viam ali eram iguais às da que estavam dentro da caixa da direita.
Toda a conversa que o dono do estabelecimento tivera até então com o Coral era o mesmo procedimento que ele teria com qualquer integrante do ninho, só para ter certeza de que ele era, mesmo, uma Cobra. Agora, no entanto, vinha a parte da negociação de que Közi mais gostava, e era sobre isso que ele e Sakurai haviam falado mais cedo. Era para isso, também, que Közi abrira mão de dormir durante o dia, quando deixava outra pessoa a cargo da loja. Assim como Gara não era chamado de Coral à toa, ele também não era conhecido por Noturno sem uma razão - mas esta não poderia ser detalhada neste momento.
- Antes que você pergunte, eu sei que Atsushi quer apenas uma caixa - Közi disse, com certa ironia, pois sabia que a Cobra diante de si não era chegada a falar muito. - Quanto é mesmo que custa uma?
Gara disse o preço, que era exatamente a quantia que Sakurai lhe dera.
- ...e se-
- Você não aumentou o valor delas. Se tiver, certamente dará um desconto ao Hebi - Gara disse, com total segurança.
Közi quase riu diante da reação dele, mas permaneceu sério, senão estragaria o jogo. - Ok. Agora, eu vou lhe dizer uma coisa, meu caro Coral, algo que vai ficar só entre nós dois. Pode ser?
Gara ficou quieto, sentindo-se desconfiado. Dali não poderia vir boa coisa.
- Essas agulhas aqui... - ele indicou as da esquerda com uma mão enquanto falava - ...são iguaizinhas às da outra caixa. Se quiser, dê uma conferida.
O Coral fez exatamente aquilo, inspecionando o conteúdo dela. E então voltou a fitar Közi, esperando o que mais ele teria a dizer através daquilo.
- A única diferença é que as da direita são novas, e essas aqui são usadas. Foram devidamente limpas em água fervente e com o uso dos produtos devidos, além de ter sido feita uma verificação para que se tivesse certeza de que elas estavam inteiras... enfim, como novas. A vantagem é que elas custam a metade do preço das novas. Você pode levá-las, como se assim fossem, e dividir o resto do dinheiro comigo.
Silêncio.
- O Hebi nunca ficaria sabendo. - Közi acrescentou, com um sorriso cúmplice nos lábios.
- Eu quero as novas. - Gara disse, extremamente sério, começando a duvidar de que seria seguro comprar as tais agulhas ali. Se aquele cara estava tentando lhe vender algo de maneira a passar a perna em Atsushi, que garantias havia de que ele não tentaria fazer o mesmo com o próprio Coral? E se as que ele dizia ser novas também não o fossem?
- Tem certeza? - o outro insistiu, ainda com aquele sorriso nas faces.
- Absoluta - o Coral respondeu, mantendo-se firme.
- Então está feito - Közi disse, com ar de quem fala “já que você escolheu assim... que seja como quiser”.
Gara efetuou a compra, mas continuou com uma sensação ruim a persegui-lo enquanto saía do beco. Talvez fosse porque, se tivesse sido enganado mesmo, daí sim, ele teria razões para temer a fúria que o Hebi já vinha sentindo nos últimos dias.
XXX
Com a caixa de agulhas num dos bolsos e alguns minutos depois de tê-la comprado, o Coral decidiu aproveitar o tempo que lhe sobrara para entrar em contato com Kyo. Torcia para que ele ainda estivesse disposto a isso; mas tinha suas dúvidas, devido à resposta que dera antes.
Hoje? Vou ver se posso.
O que será que o loiro tinha pensado daquilo?
...bem, ele não saberia se não tentasse.
“Já jantou?”
Mandou a mensagem assim, sem nada além daquelas duas palavrinhas e do ponto de interrogação. A economia de caracteres refletia a economia de sua voz...
“Esperando a companhia.”
...assim como a de Kyo, que também demorava a puxar uma conversa mais longa. E ainda assim, era raro.
Mas o que deixou Gara ruborizado foi a resposta em si. Então o loiro estava à sua espera? Afinal, não era simplesmente “uma companhia”, era “a companhia”. Porém, o Coral teria que deixar para divagar em outra ocasião, e ir direto ao ponto...
“Onde você quer ir?”
“Me encontre às 7h no Memorial.”
...até porque ele tinha um lugar aonde ir e alguém para encontrar, e seria melhor agir do que pensar agora.
XXX
Noturno é uma referência tanto a Nocturne quanto a Night Creature, ambas músicas da carreira solo de Közi, respectivamente dos álbuns catharsis (katarushisu) e loki n’ roll. Honey Vanity também é o nome de uma música dele, do single kinema.
As luvas que o Gara está usando são como as destas fotos aqui:
http://i6.photobucket.com/albums/y239/r00m_304/merri_3.jpghttp://i6.photobucket.com/albums/y239/r00m_304/merri_cover.jpgEle usa a preta num dos shows (SCI-FI nu chemical rhetoric -first cut-), mas como eu esqueci como se faz screenshots 8D, e também não encontrei fotos deles com a preta |o|, não deu pra mostrar.
E aqui estão as fotos do Közi-san na época em que o single memento foi lançado, e que foram usadas de base para a descrição dele na fic:
http://i6.photobucket.com/albums/y239/r00m_304/kC3B6zi-sano1.jpghttp://i6.photobucket.com/albums/y239/r00m_304/kC3B6zi-sanmemento.jpg Quanto às Corais e ao comentário do Közi (“Não é à toa que Atsushi tenha lhe nomeado uma delas”): as Corais podem ser peçonhentas ou não-peçonhentas (falsas corais). O veneno delas é neurotóxico: “atua sobre o sistema nervoso, provocando dormência e insensibilidade no local da inoculação, paralisia muscular, perda da visão e prostração geral. Pode ocorrer parada respiratória.” (fonte: JÚNIOR, César da Silva; SASSON, Sezar. Biologia - volume único. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. p. 296)