Título: LIZARDS & SNAKES
Bandas: BUCK-TICK; X JAPAN; Dir en grey; Merry; Kagerou; MUCC; Nightmare; Luna Sea; Penicillin; Miyavi; La'cryma Christi; deadman; Creature Creature; Tomoyasu Hotei; PIERROT; Lareine; L'Arc~en~Ciel + outros.
Casais: AtsushixYoshiki/YoshikixAtsushi; KyoxGara; TatsurouxDaisuke; AtsushixHakuei; HoteixMorrie + outros.
Gênero: Ação, Humor, Romance, Drama, Yaoi/Lemon.
Classificação: NC-17
Sinopse: Notórias e poderosas, duas máfias rivais lutam pelo poder no submundo de Tóquio... (e do resto do mundo, ou até onde suas ambições permitirem) São eles: os LIZARDS, liderados por Hayashi Yoshiki; e os SNAKES, sob o comando de Sakurai Atsushi.
Autoras: Mô-chan e Scarlet Mana.
Capítulos Anteriores:
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24.
Side-stories:
O Natal dos Lagartos &
Confessions on a Lizard Floor Lista de Personagens:
Aqui. Capítulo 25 - Parte I/II XXX
25 (Parte II/II). BÔNUS - dos vários tipos de Ressaca.
XXX
RESSACA: s. f., recuo das ondas; fluxo e refluxo; regresso ao estado inicial;
ant., retaguarda;
pop., enfado, cansaço motivado por uma noite passada em claro;
indisposição sentida após a ingestão excessiva de álcool.
Acredite se quiser, caro leitor, na afirmação que esta autora vos faz quando diz que, de fato, existem vários tipos de Ressaca. Não me refiro a isso como simples resultado das diferentes quantidades de álcool ingeridas na noite anterior, pois isso seria minimizar este fenômeno interessante que ocorre com determinadas espécies de répteis (e marés) que aqui será estudado - refiro-me, pois, à definição completa do vocábulo. Àquilo que sobra quando ocorre o refluxo das ondas, e o mencionado regresso ao estado inicial.
Este estado inicial, aqui neste capítulo, poderia muito bem ser alvo de controvérsias: como assim, regresso? O único regresso que pode ocorrer seria o do organismo humano em relação ao nível de álcool boiando no sangue desses homens. De resto, este estado inicial nunca é o mesmo. Não pode existir retorno. É um caminho sem volta, pois ao final da ressaca, o estado inicial seria tão igual ao ‘estado de agora’ quanto é igual à organização dos grãos de areia antes e após a ressaca do mar. Ele deixa de existir, torna-se uma lembrança no tempo. Torna-se um arrependimento que carregamos nos ombros para o resto dos nossos dias.
Não existe regresso, a menos que esta seja uma metáfora poética e utópica para a visita ao passado em forma de lembranças.
Importa-se de gastar alguns dos seus minutos em um estudo interessante a respeito das várias interpretações do vocábulo “Ressaca”? Vamos observar, como ambiente de estudo, a Máfia dos Lagartos, após uma grandiosa Festa de comemoração por uma Ação bem sucedida.
CASO 1: Ressaca do tipo Leve
Esta é a nossa palavra chave em sua atuação mais inofensiva. Para um melhor entendimento, este capítulo avançará do grau mais inocente para os mais danosos de Ressaca, assim como suas consequências diversas.
Neste primeiro caso, podemos classificar as Iguanas, um camaleão e alguns outros poucos lagartos. Passando um pouco do nível de tolerância do seu próprio álcool, foram os primeiros a acordarem no dia seguinte, por volta das 3 da tarde, alguns com dores de cabeça de níveis variados, porém nunca muito forte. Nada que um comprimido, um pouco de descanso e ingestão de líquidos (não alcoólicos, por favor) não solucionem.
Geralmente são com estes lagartos que Yoshiki irá contar para atividades no dia após a Festa, que nunca são de fato muito ocupados, por motivos óbvios. Uma Máfia, no entanto, sempre precisa estar funcionando, não importa a situação. Isto é, em caso de um ataque das cobras, precisarão de um lagarto que de preferência não esteja enxergando dois alvos ao invés de um só.
É importante ressaltar que o próprio Líder dos Lagartos se encaixa nesta categoria, nunca passando para níveis mais fortes. Foi o Lagarto que mais aproveitou a Festa, de maneira controlada e prudente (pois ele esperava que aquela fosse a primeira de muitas! Não era bom comemorar exageradamente logo de cara), sem deixar de esbanjar a sua vitória, especialmente diante dos rostos dos líderes das máfias aracnídeas. Não que Yoshiki seja um bom candidato a passar nos testes de bafômetro. E sim que ele seja do tipo que bebe e você mal suspeita disso.
Em outras palavras, Hayashi Yoshiki é o único caso típico neste capítulo de:
“I can so handle my licquor, thank you very much.”
CASO 2: Ressaca do tipo Comum
Neste caso, temos aqueles que beberam consideravelmente e que já podem experimentar a sensação de “é melhor eu não me arrepender daquilo de ontem à noite, por que não vai dar pra mudar mesmo.”. As iguanas Yomi e Hitsugi geralmente transitam entre o Caso 1 e o Caso 2. Em especial Yomi, quando se depara com as suas fotos em trajes mínimos no dia seguinte.
Essa Ressaca também diz respeito ao fluxo das ondas (não necessariamente causados pela ação de bebidas) que nos levam a cometer ações que nem sempre são prudentes, que poderiam ser evitadas... mas que não trazem consequências graves. Pelo menos, não de imediato.
...
(16:32)
Miya abriu os olhos, espreguiçando-se devagar. Levantando a cabeça do travesseiro, localizou Ryou de pé do outro lado do quarto, vestindo sua camisa. O outro pareceu notar que o lagarto havia acordado, mesmo estando de costas para ele:
- Não era pra eu ter pego no sono.. merda.
- Que horas são? - perguntou o basilisco, ainda com a voz embargada pelo sono. Havia se sentado na borda da cama, e parecia juntar forças para levantar-se dali sem perder o equilíbrio no processo. Localizou a calça que tinha usado na noite anterior jogada ao pé da cama e puxou-a para se vestir.
- Quatro e meia da tarde. Estou atrasado. Preciso estar na Teia em menos de uma hora.
- Precisa que eu te leve? Pego a minha moto.
Ryou riu, bagunçando ainda mais o cabelo do lagarto sonolento que tinha se aproximado dele.
- Miya, eu tou de carro, esqueceu? Acorda. - a aranha riu diante do rosto sem graça do mais velho. Suprimiu a vontade de elogiar o basilisco seminu a seu lado, que parecia bem mais indefeso do que ele era de fato, porém não menos atraente por conta disso. Mas não era algo prudente a se fazer. Sabia que Miya só queria ouvir elogios de uma pessoa, e aquela pessoa não era Ryou. - Além do mais, não acho que você esteja em condições de dirigir. - argumentou, causando um meio sorriso de admissão por Miya. - Você tem a chave da saída do Restaurante? É melhor eu sair por lá.
O basilisco assentiu, e depois que Miya vestiu-se, ambos saíram do quarto, caminhando na direção da porta que conectava o Restaurante e a Toca. Como Segurança, Miya tinha acesso a estas chaves, portanto fazer com que o outro saísse dali sem ser notado não seria uma grande dificuldade.
Claro que aquela era uma situação de ‘fluxo e refluxo’ das marés. Em outras palavras, o nosso estudo do dia: a Ressaca. Não era tão simples.
Quando a chave foi girada na fechadura daquela porta, os dois ouviram uma terceira voz ríspida atrás deles.
- O que diabos vocês estão fazendo aqui?
Shizumi.
Naquele instante Miya teve conhecimento de que teria alguns problemas mais graves com o seu companheiro de espécie dali em diante. Ele os receberia de bom grado, no entanto, já que sua relação com Ryou precisava ser preservada a todo o custo. Apenas aquela aranha, com seu tamanho pequeno e posição privilegiada, era capaz de inflitrar-se e fazer a ponte que ele precisava com as Cobras. E ele não podia pagar o preço de perder um aliado tão importante.
CASO 3: Ressaca do tipo Emocional
No caso de estudo número 3, temos aqueles para quem o avanço das ondas não foi tão simplesmente causado por alterações do nível de álcool na corrente sanguínea. Aqui estão aqueles que passaram a noite em claro, ou tiveram as noites das mais mal dormidas (vide definição do vocábulo). Não por questões biológicas - e sim por perturbações de cunho emocional, causadas por algum acontecimento infeliz.
Este é o tipo de Ressaca que não pode ser curado com nenhum tipo de remédio. Talvez este não devesse ser o caso três, e sim um dos mais graves, concordo. Como, no entanto, a ordem de estudo desses casos está levando em consideração a característica principal de efeitos IMEDIATOS e deveras surpreendentes a todos, o leitor perceberá nos casos seguintes o porquê desta seleção apresentar-se nesta ordem.
Neste caso temos lagartos como Chisato, Ando Daisuke, Sugihara e Kyo. Exatamente nesta ordem, do caso mais leve de ressaca emocional ao mais grave, com Chisato e Kyo ocupando pontas extremas neste estudo. Não pense, porém, que a extremidade mais leve é a que possui menos problemas. Não permita que o seu senso comum faça um julgamento apressado demais.
Na primeira situação exemplo de um caso típico de Ressaca Emocional, temos o gecko Chisato, que ao final da madrugada acordou e foi impedido de dormir por uma insônia indesejada. Como o seu amigo havia lhe garantido que estaria acordado a noite toda caso ele precisasse de algo, Chisato não titubeou antes de procurá-lo. Qual não foi a surpresa do moreno, quando, além de encontrar a porta do quarto do seu amigo trancada, ouviu uma série de barulhos, dentre os quais pôde identificar gemidos em dois tons diferentes de vozes! Frustrado, o jovem gecko retornou ao seu quarto e não conseguiu pregar os olhos pelo resto da manhã. Chisato teria sido o primeiro lagarto a acordar no dia pós-Festa. Isto é, se ele tivesse sequer dormido.
Passemos para o lagarto ruivo chamado Ando Daisuke. Este acordou por volta do meio-dia, mais cansado pela noite mal-dormida do que se simplesmente tivesse desistido de dormir. Seus ferimentos doíam e ele não conseguia arrumar uma posição confortável na cama que não prejudicasse ou o ferimento do seu ombro ou o de sua perna. Somado a isso, o ruivo estava frustrado pela situação não resolvida com o seu melhor amigo, e que pelo visto continuaria assim durante algum tempo. Desistindo e impacientando-se de estar dentro do próprio quarto, Die rumou para o Salão Nobre, lugar onde encontrou Niikura Kaoru.
Obs: o Sublíder dos Lagartos é o único que não se encaixaria em nenhum caso de Ressaca. A sua condição emocionalmente insatisfatória é permanente, durando um ciclo de 24h por dia, 7 dias por semana, e 365 dias por ano (anos bissextos inclusos), desde que começou a dividir o mesmo teto que um homem chamado Hayashi Yoshiki.
Sugihara também foi vítima deste caso, e passou por uma noite longa e estressante em investigações na busca de provas que justificassem a vontade que ele tinha de estrangular um certo espécime de lagarto agame. Teve mais sorte com a tentativa de descanso, mesmo que breve (cerca de três horas) do que Chisato. A qualidade de sono, no entanto, foi tão boa quanto a de Die, com a adição de pesadelos nos quais Yoshiki descobria o problema no depósito, e o forçava a andar sob a ameaça de uma espada na prancha de um navio.
Kyo, dentre os quatro, era o pior dos casos. A sua ressaca emocional ainda se prolongaria por horas que pareceriam não ter fim. O mais cruel deste tipo de ‘refluxo das ondas’, é quando não temos poder algum para fazer qualquer coisa a respeito e melhorar a situação. Como Kyo, naquela noite, acabamos engolidos por ondas sem fim, e nos afogamos lentamente, esperando uma mão que se estenda e nos tire dali. Esta mão nunca vem, e assim, somos obrigados a (re)aprender a nadar sozinhos (e nós que jurávamos que já sabíamos nadar...).
...
O loiro abriu os olhos por volta das 17:00, cerca de uma hora antes da Reunião Geral que estava marcada para acontecer no Salão Nobre. Claro que Kyo nada sabia a respeito daquele acontecimento, assim como não tinha noção de quanto tempo havia dormido ou sequer de que horas eram. Assim que acordou, reconheceu Yuki a seu lado, sentado numa cadeira e lendo algum tipo de revista em quadrinhos. O loiro de cabelos longos sorriu aliviado ao vê-lo desperto, e fechou a edição da revista, colocando a mão sobre a testa do amigo e checando sua temperatura:
- Que bom que você acordou. A febre diminui bem, mas ainda não passou toda. - virou-se, apanhando na cômoda dois comprimidos e um copo de água, os quais entregou a Kyo, que com dificuldade forçava-se a ficar sentado na cama. - Como você se sente?
- Como se tivesse levado uns trinta tiros. E tivesse rolado barranco abaixo depois. - murmurou o pequeno, forçando um sorriso desanimado quando Yuki riu da imagem mental que ele tinha lhe proporcionado. Colocou os dois comprimidos na boca, virando o copo de água e empurrando-os garganta abaixo. - Além disso, o meu nariz ficou inútil. Não consigo respirar direito.
- Pelo visto a gripe te pegou de jeito. Vai precisar ficar de molho por alguns dias.
O lagarto doente tinha se perdido em pensamentos que Yuki desconhecia. Traçava a borda do copo vazio com um dos dedos, distraidamente.
- Kyo... o Die esteve aqui ontem de noite.
Yuki percebeu que o amigo evitou olhá-lo. Pareceu entristecer-se um pouco mais.
- Eu... pensei ter ouvido uma voz. Ontem de noite. Acho que era a dele. Mas eu não sabia se estava sonhando ou não.
- Ele veio pra te pedir desculpas, Kyo.
Só então o mais baixo encarou o outro, o rosto surpreso. Ele e Die já haviam brigado diversas, inúmeras vezes. Mas o clima ruim entre ambos desaparecia depois de um tempo, fosse através de alguma conversa boba sobre outro assunto, ou com a ajuda do temperamento mais animado do ruivo. Nunca tinha sido necessário pedir desculpas. Talvez porque eles nunca conversassem sobre aqueles acontecimentos. Kyo não sabia explicar, mas saber que o amigo veio lhe pedir desculpas fazia com que ele se sentisse apenas pior do que já estava.
Provavelmente mais culpado. Era errado, não era? Não era Die quem devia estar se desculpando. Era ele próprio. E não só ao Die, como a todos os lagartos. E em especial, a uma cobra coral. Acima de tudo, Kyo sentia como se tivesse traído a si próprio.
- Eu... não quero falar disso agora. - Kyo botou um ponto final sutil na conversa, esperando que Yuki não se sentisse ofendido por isso. Ele simplesmente não tinha cabeça... nem saúde para processar tanta coisa. Não naquele momento.
Yuki assentiu com a cabeça, pegando o copo da mão de Kyo e levantando-se. Deu as costas para o outro com a intenção de levar o copo de volta para a cozinha, mas no meio do caminho pareceu lembrar-se de algo e deu meia-volta, parando de pé ao lado do amigo.
- Hum... Kyo...? - Kyo notou a expressão confusa de Yuki, e viu que ele havia tirado do bolso um pedaço rasgado de pano branco. - Hm... você tinha pego isto de volta do lixo esta noite, então eu lavei pra você. Você podia ter me pedido pra não ter jogado fora, Kyo.
Kyo recebeu o pedaço de pano e manuseou-o devagar, perguntando-se o que diabos era aquilo. Yuki disse um até logo que sequer foi ouvido pelo amigo e saiu do quarto. Kyo sentiu então um mal estar súbito. Não havia entendido o que era aquilo, até que a confusão em sua cabeça foi diluindo-se gradativamente, e ele reconheceu o tecido da manga da camisa que ele havia utilizado na última Ação. As batidas do seu coração descompassaram-se.
Quando ele havia pego aquilo do lixo? Ele não se lembrava de nada.
- Tá doendo muito...?
A voz de Gara.
Os dedos do loiro apertaram o tecido branco com força. Sentiu um calafrio dolorido quando a voz do outro ecoou em suas lembranças. Devia ser a febre.
- ......você precisa estancar isso.
Tinha que ser a febre.
- Toma cuidado.
Sentiu uma dor na mão direita, resultado da força que aplicava através do tecido fino. Ele sentia um ódio de si próprio, por não ser capaz de parar aquelas vozes na sua cabeça ao mesmo tempo em que jamais queria deixar de ouvi-las.
Kyo passaria as próximas horas de febre por pelo menos mais dois dias apertando aquele pedaço branco feito de fibras de algodão entre seus dedos, sem separá-lo de si. Algumas vezes seus dedos doeriam pelo esforço, mas ele não desistiria.
Era uma dor que ele queria para si.
CASO 4: Ressaca do tipo Comprometedora
A seguir, partiremos para os dois últimos casos, ainda mais perigosos e prejudiciais do que os anteriores. Talvez muitos de vocês identifiquem-se com esta, digamos, modalidade de Ressaca. Mas não se enganem: aqui, as ações tomadas durante o fluxo e refluxo das marés podem assombrar o indivíduo pelo resto da vida. Ele se arrependerá diariamente, e sofrerá com isso, durante longos períodos de tempo. Em determinadas situações, o indivíduo se sentiria feliz de poder trocar esse tipo de Ressaca por uma longa tortura física, mesmo que ele perdesse alguns membros do corpo no processo.
A frase modelo deste caso de estudo é conhecida por muitos de nós. É algo que assemelha-se a:
“Mas por que eu fui fazer algo tão idiota?”
...
(17:00)
Hakuei abriu os olhos, apenas para fechá-los de novo assim que sua cabeça foi atingida por uma onda lancinante de dor, que ia e vinha, em pulsações ritmadas. Talvez... (veja bem... -talvez-) tivesse bebido Absinto demais. Coisa praticamente impossível, logo para ele que estava acostumado a ingerir altíssimas quantidades de álcool e ainda ser capaz de andar em linha reta depois.
Passou uma das mãos pelo próprio peito despido, inalando fundo uma ou duas vezes, voltando a fechar os olhos e relaxando por alguns segundos. Havia algo importante... que ele estava esquecendo. Hakuei sabia que estava esquecendo de algo, e isso antes mesmo de ter acordado. Antes mesmo de ter ido dormir, em primeiro lugar. Maldição. O que poderia ser?
- Bom dia, gecko.
Um par de olhos arregalou-se em choque.
Hakuei levantou-se bruscamente, apenas para berrar de dor e voltar a enterrar o rosto no travesseiro, levando as mãos à cabeça. Quando finalmente recuperou-se da tontura e conseguiu sentar sem que a cabeça explodisse, o loiro enxergou Kamijo, que estava sentado numa cadeira de frente para a cama, usando nada além de uma calça branca. O loiro estava de braços e pernas cruzadas, como se estivesse esperando pelo despertar de Hakuei há muito tempo.
O gecko sentiu um frio na espinha.
AH. Finalmente havia lembrado.
Kamijo abriu um sorriso largo e totalmente desprovido de inocência:
- Dormiu bem? Eu pensei em sair enquanto você estava dormindo, mas de repente eu pensei que não seria tão interessante. - Kamijo iniciou, fazendo rodeios que consumiam lentamente a paciência de Hakuei. O gecko, porém, estava sem condições de fazer qualquer tipo de protesto. - Óbvio que eu só pensei nisso assim que eu abri as cortinas do quarto e deixei a luz entrar...
Hakuei passou uma das mãos pelo rosto, não acreditando naquela situação absurda na qual havia se metido. Talvez fosse o momento de admitir que ele havia sido mais presunçoso do que lhe era permitido, pela primeira vez na vida.
- E pensar que você quase escapou com isso. Digo, eu estava indo embora... eu não ia ter percebido nada. Admito que eu já estaria indo embora com boas lembranças... ah, você não precisava ter me dado um presente tão bom, Hakuei. Estou emocionado.
Enojava o gecko perceber como os lagartos mais próximos de Tokage conseguiam soar tanto como o Líder dos Lagartos, às vezes.
Esqueça, pensou Hakuei consigo próprio. Ele não admitiria ter feito uma burrada nem que o próprio demônio encarnado lhe torturasse e forçasse uma confissão. Virou o rosto para a esquerda, buscando por algo em cima da cômoda.
- Está procurando por isso, Hakuei? - sorriu o outro loiro, empunhando uma pistola que Hakuei reconheceu imediatamente como sendo a sua própria.
Filho da puta.
Kamijo riu, divertindo-se com a frustração estampada no rosto daquele gecko, sempre tão presunçoso e cheio de si.
- Hakuei... - deu início à pergunta derradeira que havia ensaiado tanto para fazer, durante o tempo em que tinha esperado o outro acordar. O tom de voz que usava era de uma ingenuidade artificial, forçada. - ..posso estar errado, mas... você não tinha uma tatuagem, bem aqui? Ou não -deveria- ter?
Kamijo apontou para uma área em seu próprio peito, no qual a tatuagem de um lagarto anolis podia ser vista. A expressão assassina que surgiu no rosto do outro era indescritível.
- Eu não tenho medo do Tokage. Muito menos de -você-. - Hakuei falou, pontuando a última palavra com desprezo. - Não, não tenho a maldita tatuagem. A porta está aberta, se você quiser sair berrando isso pela Toca. Eu não vou impedir você. Mas se quer algo, por que não fala logo?
Surgiu um brilho divertido nos olhos do anolis.
- Será isto o início de uma negociação? Entendi bem?
- Olha, você sabe pensar. Que bom, não? - retorquiu Hakuei, sarcástico.
- Acho que eu não preciso lembrar a sua posição aqui. - Kamijo riu, irônico. -Você acha que pra mim a sua existência faz alguma diferença? Óbvio que é mais interessante se eu puder lucrar com ela. Não insulte a minha inteligência; quem foi burro aqui dentro com certeza não fui eu.
Um silêncio tomou conta do quarto.
- Eu esperava no mínimo ouvir algum tipo de justificativa. Isso me surpreende. - retomou o anolis, levantando-se da cadeira com os braços cruzados junto ao peito, ainda segurando na mão a pistola. - Mas pelo que me parece, você não está nem um pouco preocupado com a Máfia, ou com a sua posição dentro dela. Mas você não deve ter feito isso sozinho. Chisato te ajudou?
- Chisato não tem nada a ver com isso. Não fala merda.
- Tente explicar isso ao Tokage. Ninguém duvidaria de que vocês são parceiros. Sabe o que ele faria? Torturaria Chisato até a morte, na sua frente. Se você se preocupa de verdade com o seu amigo, aprenda que essa sua arrogância não vai salvar a vida dele.
- Que típico de você usar alguém inocente pra me chantagear, Kamijo- - -
O loiro que estava em pé sorriu, dando de ombros.
- Você acha que isto é uma ameaça? É um aviso amigo. Azar o seu, se não consegue enxergar.
Hakuei levantou-se, furioso. Kamijo apontou a pistola na sua direção:
- Se eu fosse você, Hakuei, começaria a dançar conforme a música. A minha música. Eu nunca confiei em você. E te garanto que aqui dentro da Máfia, eu não sou o único. Portanto, não se ache tão esperto.
Kamijo baixou a pistola, seguro de que Hakuei não ousaria em tentar qualquer coisa contra ele. Não ali dentro, não naquele momento.
- Eu vou voltar para discutirmos a sua dívida, outras vezes. Não. Ouse. Fugir.
A resposta de Hakuei foi dada em um gesto simples com o dedo médio da mão. Kamijo virou-lhe o rosto, pegando a sua camisa e jogando-a por cima do ombro. Quando abriu a porta, ambos os loiros tiveram reações diferentes ao depararem-se com um gecko moreno e pálido, parado diante da porta.
Kamijo nada disse e passou por ele, esbarrando grosseiramente em seu ombro. Chisato pareceu perder o equilibrio, mas segurou-se com a mão no batente da porta. Hakuei não estava tão próximo do amigo, mas podia notar que ele tremia.
Hakuei ouviu Chisato entrar e fechar a porta, em silêncio. Manteve a cabeça baixa, sem saber como encará-lo, quando sabia que o amigo tinha ouvido toda a conversa. Talvez por isso não esboçou reação além da exclamação de dor esperada quando recebeu um soco forte no rosto, jogando-o de mau jeito contra uma estante do quarto. Sentou-se contra a estante, devagar. Podia sentir o sangue que escorria quente a partir de sua boca, mas não fez menção alguma de limpá-lo. Seus olhos encontraram os de Chisato, mas nenhum deles encontrou alguma palavra para ser usada que não fosse piorar a situação.
O loiro não fez nada para impedir Chisato de dar meia volta e sair, batendo a porta com violência. Apenas encarou cegamente a madeira que o separava do seu único amigo dentro da Toca, que finalmente havia tido coragem o bastante para lhe dar as costas.
CASO 5: Ressaca do tipo Mortal
O último caso de estudos deste capítulo aborda a mais perigosa das Ressacas. Não existem definições que possam esclarecê-la, ou justificá-la em nosso entendimento. Aqui, o recuar das ondas, o fluxo e refluxo, o regresso ao estado inicial é semelhante ao envenenamento de uma pessoa por doses diárias a longo prazo de arsênico. No Caso 5, quanto mais tempo passa, mais o organismo do indivíduo está cheio de um veneno mortífero, para o qual a cura inexiste.
Não é suficiente que a definamos.
Melhor a estudarmos em sua forma prática.
...
Às 18:00 do dia seguinte à Ação no Museu, os Lagartos e seu respectivo Líder reuniram-se em uma sala fechada e raramente aberta conhecida por OÁSIS.
Naquele grande salão, uma mesa comprida era o ponto de encontro no qual lagartos reuniam-se em ocasiões como negociações, comunicados e outras reuniões que fossem caracterizadas como -especiais-.
Deste modo, quando os lagartos eram avisados a comparecer em determinado horário na Sala OÁSIS, era porque TODOS deveriam estar presentes. Camaleões, iguanas, anolis, basiliscos... todos os répteis, sem exceção.
Mesmo Chase, naquelas horas, era trazido por uma coleira pelo Sublíder, e posto numa cadeira especial, à direita de Tokage.
Naquela noite, excepcionalmente todos os lagartos, exceto por Kyo, que estava doente e sendo tratado agora por Loki, um dos médicos lagartos especiais da Máfia, e Yuki que o acessorava, estavam presentes ali, naquela sala. Mesmo os basiliscos, que não participavam das reuniões usuais por estarem envolvidos com outros projetos particulares de Tokage estavam ali, destoando do resto do grupo por serem os únicos vestidos de preto. Talvez a existência do hábito de trabalho dos basiliscos explicasse o fato dos dois permanecerem junto à porta, como se estivessem no seu turno de Seguranças do Restaurante.
Havia algo estranho demais para aquela reunião, tão próxima à última Ação e tão logo depois de uma Festa, quando todos estavam ainda visivelmente cansados.
Isto só poderia significar problemas.
Sugizo estava preocupado. Aquele era praticamente o quinto cigarro seguido que fumava, e havia 98% de probabilidade dele acender um sexto, assim que aquele chegasse ao fim. Ele simplesmente não conseguia ler a expressão de Tokage. Seu olhar passeava de Tokage para Niikura, e a seguir para Mako.
Quando finalmente Tokage sentou-se, sinal de que a Reunião iria começar, todos os lagartos calaram-se em expectativa. O camaleão apagou seu cigarro em um cinzeiro sobre a mesa, e percebeu que Mako estava olhando para ele.
- Imagino que todos vocês estejam se perguntando o motivo deste encontro geral tão súbito. - Tokage iniciou seu discurso, suas mãos folheando alguns papéis semelhantes a relatórios de algum tipo. - Pois bem. Chegou a meu conhecimento, hoje, uma notícia realmente desagradável. A notícia de que nossos depósitos estão sendo saqueados.
Sugihara sentiu seu coração parar de bater durante vários longos segundos. Voltou a olhar para Mako, e a Iguana quebrou o contato, o que lhe pareceu suspeito. O que Mako ganharia contando aquilo para o Tokage? Não, não podia ser aquilo. O Camaleão sentiu dificuldades para respirar. A seu lado, Miyavi e Taka observavam-no com preocupação em seus rostos.
- Yasuhiro Sugihara. - Assim que Tokage citou o seu nome, Sugizo levantou-se, solene. - Você é o encarregado pela organização e manutenção do Depósito. Pode me explicar o que houve aqui? - o tom do líder dos lagartos tornou-se mais impaciente.
Sugizo, por sua vez, olhou confuso para Niikura e Mako, que por sua vez pareciam incomodados com alguma coisa.
- Eu... quero saber quem convocou esta reunião. - falou Sugizo, e alguns lagartos, se antes não estavam entendendo o que ocorria, agora estavam simplesmente perdidos nas meio-informações. Mako levantou-se, sabendo que o camaleão referia-se indiretamente a ele.
- Sugizo, eu pretendia convocar a reunião, sim. Mas quando cheguei até Tokage, alguém tinha feito o pedido antes de mim. - a iguana notou a expressão frustrada do camaleão. - Além do mais, todos os relatórios que eu levantei tinham sumido.
Tokage levantou uma sobrancelha, irritado. Largou os papéis na mesa, levantando-se bruscamente.
- Muito bem. Agora quero um candidato para me explicar o que é esta mancomunação entre vocês que não veio ao meu conhecimento. Niikura.
O Sublíder levantou-se imediatamente.
- Investigamos por conta própria, Tokage. Era importante que isso fosse feito antes que esse fato viesse ao conhecimento de todos.
- E por que isso seria necessário? - inquiriu Tokage, estudando minunciosamente o rosto do Monstro de Gila, como se procurasse o mínimo sinal de que ele estava mentindo.
- Porque o roubo foi feito por alguém que está nessa sala.
Alguns lagartos pareciam bastante surpresos com a notícia, e entreolhavam-se confusos. Mako parecia especialmente inquieto, e duas iguanas olhavam-no com preocupação.
Yoshiki afastou-se da mesa, passando a mão pelos cabelos. Não havia dúvidas de que ele estava processando a informação, e de que em alguns segundos ela o levaria a algum estado parecido com o da fúria. Niikura apanhou os papéis sobre a mesa e leu superficialmente seu conteúdo. Franziu a testa, alarmando Sugizo e Mako.
- Qual é o problema, Kaoru? - Die rompeu o silêncio, e todos pareceram agitar-se mais.
- Este é o relatório dos lagartos que estavam na Toca no dia do roubo, não é? - iniciou um agame de piercing no lábio. - Esses relatórios são feitos a partir das câmeras que ficam na saída dos fundos, a do Casarão. A resposta está aí, não está? Quem quer que tenha cruzado essa área, é o culpado.
Sugizo voltou-se na direção de Aoi com o ódio mais profundo em seu olhar. Alguns lagartos concordavam com a cabeça, já que a informação realmente fazia sentido. Mas como aquele lagarto podia manter-se confiante ainda, quando estava prestes a ser desmascarado?
- E então, qual é o problema? - perguntou Shizumi, que ainda permanecia à porta. - O que está escrito?
Niikura releu o relatório, começando a sentir-se nervoso.
- O horário em questão, no dia 23, era de noite... - Kaoru olhou para Sugizo, preocupado. - é o turno do Taka.
O referido lagarto levantou-se com tanta pressa que sua cadeira caiu para trás, barulhentamente. Em uma fração de segundo Miyavi também estava de pé, tão chocado e inconformado quanto o amigo.
- Isso é ridículo!!!! Todo mundo sabe que o Taka fica comigo o tempo todo nas noites de turno dele!! - bradou o camaleão mais jovem, em defesa do amigo. Taka parecia chocado ao ponto de não conseguir juntar sílabas em palavras.
Sugizo também estava sem fala. Só que a sua surpresa vinha de saber que Aoi provavelmente tinha planejado aquilo há muito mais tempo do que ele imaginava. Seu olhar estava perdido entre seus amigos camaleões e entre Niikura e Mako. Havia algo muito estranho ali. Mako parecia saber de algo que Sugizo ignorava.
- Miya, busque as algemas, por favor. - ordenou Tokage, para a surpresa de todos os lagartos presentes. O basilisco assentiu e saiu correndo, desaparecendo pelo corredor. Metade dos lagartos àquela altura havia voltado o olhar na direção de Taka, que parecia pálido, e não movia-se nem diante dos pedidos desesperados de Miyavi para que ele se sentasse, pois ele não era o culpado.
- Esses relatórios foram falsificados, Tokage!!! - gritou Miyavi, desesperando-se. - Taka estava comigo o tempo todo! Isso é absurdo!
- Você tem como provar? Que são falsos? - interrompeu um lagarto que estava quieto até então. Um gecko loiro que agora tinha um curativo próximo da boca. Miyavi devolveu-lhe um olhar de puro desprezo, imitado igualmente por Sugizo e vários outros lagartos. - Esses relatórios não são feitos pela central de segurança da Toca? O único que tem acesso à senha da sessão das câmeras de segurança é quem é responsável pelo Depósito. Por que Sugihara ia forjar um relatório pra foder com o amigo dele?
Sugizo voltou-se para Aoi, que tinha um sutil sorriso de vitória no rosto.
Sentiu seu estômago revirar-se.
Então era aquilo. Era aquele o plano do Agame. Criar uma situação para que ninguém jamais cogitasse a hipótese dos relatórios terem sido forjados. Sem maiores investigações, ele estaria a salvo. Se Aoi já tinha invadido o seu quarto para conseguir a senha e sucedido, logicamente não teria dificuldades em afanar os relatórios verdadeiros da posessão de Mako. Com tudo pronto, ele mesmo convocaria a reunião, alegando ter encontrado aqueles relatórios, talvez junto com os pertences de Mako ou mesmo de Sugizo.
A confusão pelo fluxo violento das ondas da Ressaca iniciava-se.
Miyavi partiu para cima de Hakuei, furioso, derrubando o loiro no chão. Taka e Shizumi tentaram intervir, segurando o camaleão que a todo custo tentava livrar seus braços e desferir socos no gecko. Todos os lagartos já tinham levantado de seus lugares, e tentavam interferir confusos na briga ou fazer apelos a Tokage, que parecia a ponto de também partir para a agressão física. A situação complicou-se quando Hakuei resolveu finalmente responder à agressão e acabou recebendo um soco no estômago dado por Sugizo.
Visivelmente posesso, Tokage tirou uma arma do bolso, preparando-se para dar um tiro para o teto; no entanto, foi abordado por Kamijo, que também possuía a opinião de que algo não estava bem esclarecido na história. Enquanto isso o agame havia notado que com a comoção e a saída dos basiliscos da porta, a passagem para o lado de fora da Sala estava desobstruída (assim como o inverso desta frase também era verdadeiro). Era a sua chance. Aproveitando-se do momento, Aoi caminhou tranquilamente rumo à saida da Sala Oásis.
Mas o agame não teve a oportunidade de deixar aquela Sala.
Por uma pequena diferença de segundos, um simples erro de timing.
Aoi parou diante da porta, lugar de onde um rapaz de óculos recém-surgido encostou o cano de uma pistola contra a pele de sua testa, sorrindo com satisfação:
- Aonde você pensa que vai?
Obviamente, Nero não aguardou pela resposta.
No momento em que Tokage preparava-se para puxar o gatilho da sua arma na direção do telhado, uma outra pistola fez-se ouvir primeiro. No silêncio mortal que pairou naquele instante no Oásis, o único som que foi ouvido a seguir foi o de um corpo caindo pesadamente ao chão.
Após a Ressaca mais mortal de todas, as ondas recuaram em silêncio, fúnebres.
Aoi estava morto.
XXX