LIZARDS & SNAKES - Capítulo 19

Feb 27, 2007 17:05

Título: LIZARDS & SNAKES
Bandas: BUCK-TICK; X JAPAN (/solo works); Dir en grey; Merry; Kagerou; MUCC; Asagi; Hotei Tomoyasu; Creature Creature; Nightmare; Gazette; Sugizo; Penicillin; L'Arc~en~Ciel; Miyavi; Kisaki Project; La'cryma Christi; deadman; Kirito; Psycho le Cemu; Lareine; Fatima + outros.
Casais: AtsushixYoshiki/YoshikixAtsushi; KyoxGara; TatsurouxDaisuke; AtsushixHakuei; HoteixMorrie + outros. (One-sided: HitsugixYomi; MakoxYomi; HakueixChisato; DiexKaoru; YoshikixSugizo)
Gênero: Ação, Drama, Romance, Humor, Yaoi/Lemon.
Classificação: NC-17
Sinopse: Notórias e poderosas, duas máfias rivais lutam pelo poder no submundo de Tóquio... (e do resto do mundo, ou até onde suas ambições permitirem) São eles: os LIZARDS, liderados por Hayashi Yoshiki, e os SNAKES, sob o comando de Sakurai Atsushi.
Autoras: Mô-chan e Scarlet Mana.
Capítulo: 19. At the park

Capítulos Anteriores: 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18.

XXX

Havia algo de estranho com o amigo. Foi a primeira convicção de Yuki, após ver o Lagarto loiro adentrando o quarto e desabando sobre a própria cama, sem sequer tirar os sapatos antes. Sabia que o outro tinha os seus dias ruins, e então Yuki procurava não incomodá-lo; sabia que Kyo era uma pessoa reservada quando se tratava de falar de si próprio, então nunca forçava ou fazia perguntas. Era assim que a amizade entre ambos se mantinha agradável, mesmo que nunca tivesse sido profunda entre eles, mas calma o bastante para que um conseguisse se sentir tranqüilo na presença do outro, mesmo quando as coisas não estivessem bem.

Mas sentia que desde o funeral de Shinya ambos já não conversavam como antes, como se Kyo estivesse muito ocupado pensando o tempo todo. Aquilo só vinha se agravando, e agora já causava desconforto - e preocupação - a Yuki.

- ...Kyo? - chamou em voz baixa, temendo que ele tivesse adormecido, tão parado que estava.

Ele se moveu, desenterrando o rosto que estava posicionado abaixo do travesseiro, e deitando com a barriga para cima.

- Você não vai se preparar? A Ação pode ser só de noite, mas tem muita coisa para fazermos.

A resposta foi um suspiro desanimado do outro, que olhava fixamente para o teto.

- Yuki... você não sente falta de nada aqui?

Diante da inesperada pergunta, o loiro mais alto sentou-se numa cadeira, e estudou a expressão pensativa do amigo. Refletiu por alguns instantes aquela pergunta que ele tantas vezes fizera a si próprio.

- Hai. Não interessa o ângulo que você olhe, somos Lagartos em uma jaula, não é? Acho que sempre falta alguma coisa.

Kyo virou o olhar para a sua direção, interessado no que ele tinha a dizer.

- Sinto falta da família que eu não tenho mais... e sinto falta de ter alguém próximo. Você sabe...

Apenas pelo tom tímido daquelas palavras, Kyo pôde entender os seus significados. Não era algo com o que se surpreender. Haviam se submetido a um lugar que encarava o trabalho como modo de vida. E o restante era preenchido por diversões momentâneas e passageiras, que nem sempre bastavam. Talvez a muitos bastassem, mas não a ele próprio. O curioso era que Kyo nunca havia reparado nessas coisas...

...até agora.

- Eu... tinha alguém assim. Mas essa pessoa morreu, antes de eu vir pra cá. E então eu meio que desisti. - continuou Yuki, e seu rosto foi tomado por um visível abatimento.

- Por quê? - perguntou o loiro, que agora não estava mais deitado; tinha se sentado na cama.

- É cruel. Se for alguém de fora daqui, o que você vai fazer? Você não pode sair. Ninguém pode entrar. Ou você tem o Oásis, ou... - interrompeu-se, lembrando de algo. - Há uma mulher, que tem uns 40 anos; mas é difícil de acreditar, ela é tão bonita e parece tão jovem... rica, claro, assim como todas as outras que freqüentam o Oásis. Ela vem quase toda semana, e escolhe sempre o Miyavi. Algumas vezes ela escolhe outro, mas isto quando o Miyavi não está livre. E o Taka, bem... ele é louco por essa mulher. Eles mal sabem o nome um do outro, mas se você presenciar a cena, vai saber que ela sente interesse por ele também. Mas você sabe, a função do Taka no Oásis não passa de Segurança. Então, quando Miyavi está com ela, eles ocupam o quarto de Taka, a cama dele... - Yuki deu um riso triste, sentindo pena pelo Lagarto. - ...é o máximo de proximidade que eles vão ter.

- Ele pode optar por ser consorte. Não entendo. Yoshiki não negaria se ele pedisse. - foi a frase mais longa do loiro em dias, e parecia mais um pensamento falado em voz alta que outra coisa.

- Sim, não negaria. Mas, me diz, Kyo... - olhou triste para o companheiro, inspirando fundo antes de continuar. - O que ele faria quando estivesse completamente envolvido? Pra que investir em alguma coisa que não vai ter futuro, e no final trazer apenas o sofrimento? Taka... não quis se sujeitar a isso. E eu acho que... que ele está certo.

- ... - Kyo baixou a cabeça, sentindo um aperto estranho no peito que ele não podia explicar bem, mas que era relacionado a uma determinada pessoa que ele recentemente conhecera.

- Mas ainda assim... - Yuki sorriu de leve, e Kyo sentiu que o amigo, no fundo, também estava a desabafar algo. - Acho que estar apaixonado é uma boa coisa. Se você é capaz de sentir algo tão doce num ambiente violento como o que vivemos, isso não tem que ser bom? Só pode ser. É o que eu gosto de pensar.

Yuki levantou-se e voltou sua atenção para o guarda-roupa lotado de peças brancas, apanhou uma jaqueta e separou-a. Quando virou-se de novo, notou a cama vazia. Kyo não estava mais lá. Sorriu e continuou a preparar-se para a grande Ação que teriam naquela noite.

XXX

Em meio a tantas preocupações e correrias da vida moderna, era curioso o modo como aquele lugar se mantinha alheio a tudo, como se houvesse sido esquecido pelo próprio tempo. Era um parque pequeno, simples e antigo que tinha permanecido intocado pela nova geração de brinquedos modernos e, contudo, aparentava tranqüila satisfação, mesmo que já não mais experimentasse os dias de glória e lotação que tivera no passado. Não importava. Agora ele era abrigo de pais que levavam os filhos para uma agradável caminhada, um piquenique debaixo das cerejeiras, talvez um passeio no carrossel depois. Abrigo de casais que realmente não se importavam se os brinquedos eram uma novidade tecnológica ou se haviam estacionado anos atrás, porque o que importava de fato era a vista e os vendedores ambulantes de algodão-doce.

E, naquele momento, era abrigo também de um loiro baixinho, que perambulava por ali sem destino certo, porém com um objetivo em mente. Seus dedos deslizavam pelo teclado de um celular cujo visor já mostrava um número pronto para ser discado.

Porém, Kyo não tinha certeza se era certo fazer aquela ligação. Algo lhe dizia que ele estava agindo de uma maneira impulsiva e egoísta, e isso não era lá algo que lhe agradasse. De qualquer maneira, ele -faria- a ligação, independente de todas as dúvidas e medos que estavam passando por sua cabeça. E estes eram muitos.

Na madrugada anterior, Kyo havia acordado devido a um pesadelo. Ele já tivera tantos que parecia estranho dizer agora que um deles finalmente o tinha perturbado a ponto de não querer mais dormir por receio de que continuasse. Não era típico do Kyo aquele tipo de comportamento - nem aquela conversa com Yuki. No entanto, a sua vida tinha se tornado um bolo de coisas atípicas, “coincidentemente”, desde que vira Gara pela primeira vez. E o moreno estava lá, no pesadelo que o loiro tivera na noite anterior, olhando-o com desprezo após descobrir que Kyo era um mafioso, apontando o dedo e acusando-o de mentir para ele. "Eu confiei em você e você estragou tudo, Kyo", eram as suas palavras.

O baixinho suspirou, olhando no visor do celular o número de Gara.

Não havia um modo racional de contar a verdade a Gara, por mais que isso lhe incomodasse. Era simplesmente inconcebível. Em contrapartida, não sabia por quanto tempo conseguiria fingir que levava uma vida normal quando de fato ela se encontrava muito longe disso. E foi pensando em mil maneiras de resolver a situação, no resto da madrugada, que o baixinho percebera que estava deixando passar mais uma vez o motivo que fazia com que aquilo tudo fosse tão importante para ele, e que tinha medo de aceitar mesmo quando as palavras de Yuki deixaram tudo tão claro - que a importância que o outro tinha conquistado na vida de Kyo passara dos limites aceitáveis, e agora o assustava; que os sentimentos dele por Gara tinham passado um pouco da amizade.

Então, Kyo decidiu que aquela era a última vez em que veria Gara.

Era melhor que fosse assim. Que ele aproveitasse aquele dia o máximo que pudesse como o último que teriam, e ao se despedirem, Kyo soubesse que não poderia voltar mais atrás. O loiro não queria que o pesadelo se tornasse real.

Mas não era mais hora de pensar em todas essas questões - assim que fizesse aquela ligação. Apertou o botão de discagem no pequeno aparelho e levou-o próximo à orelha, o coração batendo mais rápido a cada toque que se passava. E se ele não atendesse? Talvez devesse ter mandado uma mensagem antes, ao invés de ir até o parque, mesmo que seu plano fosse trazer Gara até o local.

Lembrava muito bem da última conversa que haviam tido, e de como o moreno deixara claro que não tinha todo o tempo disponível. Repentinamente Kyo sentiu-se ingênuo por não ter pensado em algo tão óbvio antes. Porém, sequer antes de pensar em cancelar o telefonema, o loiro ouviu aquela voz familiar e séria pela qual aguardava tanto:

- Kyo.

Ele agradeceu pelo fato de sorrisos não fazerem barulho, pois o seu naquele instante seria bem audível. - Gara, você está ocupado? Tem um lugar que eu quero te mostrar. Você pode vir?

...Kyo teve a impressão de que aquela era a frase mais longa que havia dito a Gara até então.

- Eu tenho o dia livre hoje... - uma pausa, e uma queda no volume de voz durante a continuação: - ...e estava pensando em gastá-lo com você.

Kyo sorriu, tão encabulado quanto o tom usado por Gara deixava transparecer que o moreno também o estava. Assim como o Lagarto, Gara provavelmente precisara de uma certa dose de coragem para falar aquilo.

- Ah... por um momento pensei que você fosse negar! - o loiro acabou rindo, surpreso com o quão aliviado soava. - Eu... vou enviar o endereço do lugar onde eu estou por mensagem. Se você tiver problemas em achar, pode me ligar. Huh... tudo bem assim?

- Hm-hm.

- Hai... até logo.

Ouviu a despedida semelhante e desligou o celular, digitando rápido uma mensagem com o endereço do parque. Após enviá-la, Kyo recostou-se no monumento onde estivera sentado durante aquele tempo; respirou fundo e preparou-se para uma espera que seria de qualquer jeito muito mais longa do que a sua vontade.

XXX

Gara ficou aliviado ao ver que o endereço lhe era familiar, e, mais uma vez, estava curioso para saber o que Kyo lhe reservara. O Coral sabia que aquele lugar se tratava de um parque já desgastado pelo tempo - lembrara-se disso enquanto começava a andar, passando pelas ruas da cidade e, desta vez, sem prestar muita atenção no que havia em volta.

Ele já havia saído do Ninho quando o loiro efetuara a ligação - e Gara tinha se surpreendido ao reconhecer os números no visor do telefone. Ao mesmo tempo, ficara contente, pois saber que Kyo tinha a pretensão de convidá-lo para alguma coisa eliminava - ao menos temporariamente - parte dos medos que vinham perseguindo a Cobra desde que... bem, desde que ele conhecera o outro.

Primeiramente, Gara havia se sentido meio perdido ao falar com ele pelo telefone. Apesar de estar acostumado a usar comunicadores nas Ações das quais participava, a Cobra ainda não gostava de ser obrigada a falar com as pessoas em situações como essa. Entretanto, no caso de Kyo, não lhe fora exatamente um incômodo falar. Era mais um estranhamento pela situação, medo de dizer as coisas erradas ou de interpretar algo errado. O moreno preferia falar com qualquer um ao vivo - ou, melhor dizendo, poder olhar nos olhos da pessoa e nas feições desta de modo a entender o que se passava com ela, porque palavras e tom de voz nem sempre eram o bastante.

Ele sorriu quando a curta risada do baixinho ecoou em seus pensamentos, e Gara lembrou-se da última vez em que haviam se visto, de quando ele vira e ouvira pessoalmente aquele mesmo som. E procurou apegar-se a isso, às coisas positivas; porque seriam raros os momentos em que ele poderia ver Kyo - os últimos dias havia sido uma total exceção à regra - e ele queria aproveitar cada um deles, sem pensar no monte de perturbações que refletir sobre a situação dos dois lhe causava. Estas ele deixaria para quando estivesse sozinho.

E agora era o momento para que ele pensasse apenas na companhia do loiro, porque então, já dentro do parque, o Coral podia vê-lo, a algumas dezenas de metros de distância. Aproximando-se com calma, ele foi aos poucos percebendo algumas coisas: Kyo estava, novamente, vestido de branco - o que fazia com que Gara se perguntasse se ele era, por exemplo, um médico, e por isso lhe dissera que também tinha uma vida ocupada; não havia muitas pessoas por perto e o fato de estar relativamente sozinho com o outro fazia com que o moreno já se sentisse mais à vontade; e por último, mas não menos importante, o fato de que Kyo consumia um algodão doce - um grande e azulado algodão doce.

Faltavam apenas alguns passos para que Gara chegasse até o loiro quando viu este lambendo a ponta dos dedos distraidamente, livrando-os dos resquícios de algodão que teimavam em ficar ali. Claro que isto piorava a situação, pois a cada novo pedaço que ele pegasse, o loiro ficaria com mais algodão nos dedos - e a Cobra percebeu que isto na verdade não piorava a situação... não para ele, que observava a cena com evidente interesse. E não saberia dizer se o pequeno sorriso que surgiu em seus lábios era porque Kyo parecia fofo ao fazer aquilo, ou se era porque alguma parte do Coral reagia de forma um tanto inapropriada pelo que seus olhos viam.

Ele eliminou o resto de distância que o separava do lugar onde Kyo estava e parou ao lado dele. Tratava-se de um monumento, sobre cuja base o loiro havia se sentado, e Gara sentou-se ali também, mantendo uns bons centímetros de separação.

- Oi. - ele disse, ainda com aquele pequeno sorriso, porque ele não conseguia tirá-lo dos lábios, muito menos agora que estava ali, tão perto do loirinho.

- Ah--- Que bom que você chegou, eu não agüentava mais... - começou o mais baixo, levantando-se ansioso e virando de frente para o outro, terminando de engolir um pedaço do grande doce azul. Apontou para o doce: - Me ajuda, Gara, isso aqui não termina! Se eu soubesse que ia ser assim, teria pegado o algodão menor...

- ...sorte sua que eu comi pouco no almoço - o mais alto respondeu, pegando um pedaço do algodão. Ele o comeu em silêncio e, quando viu, estava fazendo a mesma coisa que vira o outro fazer antes - e já era tarde demais; sua língua passou num dos dedos e o outro ele pôs na boca pra chupá-lo rapidamente. - Desculpa - disse logo depois, mordendo o lábio inferior. - Mas é impossível não se sujar com isso. - explicou-se, pegando outro pedaço do doce para si.

O loiro riu, olhando para uma mancha azul na sua camisa que teria muita sorte se continuasse branca até o final da tarde:
- Não diga isso pra mim. - comentou divertido, antes de apanhar mais um bocado do doce. Olhava Gara enquanto este também tentava em vão manter os dedos limpos. - Não sei se você gosta desse tipo de lugar. Não que eu goste... mas aqui é diferente, acho. Tranqüilo. - O baixinho voltou a sentar-se recostado ao monumento, mas dessa vez, ao lado do outro.

Gara ficou satisfeito porque o loiro sentou-se bem ao seu lado, como ele não tivera coragem de fazer antes - não quisera invadir o espaço dele ou parecer íntimo demais. - Eu gosto de lugares assim - murmurou, com sinceridade, lançando um olhar em volta deles até que seus olhos voltassem a pousar sobre Kyo. O Coral raramente tinha a chance de vir a lugares como esse, e estava contente porque o outro estava ali agora e havia escolhido aquele parque como ponto de encontro do dia.

E então eles terminaram o algodão doce. O Coral suspirou; não estava acostumado a comer algo tão açucarado, muito menos em grande quantidade. Ele olhou para o loiro, depois para as poucas pessoas que caminhavam por ali. Algumas se dirigiam ao carrossel, outras à roda gigante; havia ainda as que se dirigiam aos brinquedos para trás de onde eles dois estavam e Gara não se deu ao trabalho de olhar para que direção isto fosse.

- Já veio aqui antes? - perguntou, tentando puxar alguma conversa, apesar de o silêncio não ter se estendido por muito tempo e ainda ser algo agradável. Além disso, ele sabia que era perfeitamente normal ficar quieto depois de comer algo assim. Sem contar a preguiça que alguns sentiam a essa hora - e ele não sabia quando Kyo havia almoçado, ou se este havia mesmo o feito; mas o fato era que passava pouco da uma hora da tarde.

- Algumas vezes. - o outro respondeu, distraído com o palito que antes segurava uma enorme bola azul de açúcar. - Geralmente quando... - interrompeu-se, pensando que não seria adequado dizer que precisava "sair de um lugar onde eu mal tenho privacidade" às vezes. - ...quando preciso espairecer um pouco. - Sentiu uma pontada de sono vindo lembrá-lo da noite mal dormida que tivera, e levantou-se rapidamente com a intenção de permanecer desperto. - Vamos comprar algo pra beber? Aposto que você também está com sede.

Gara consentiu; aquela dose exagerada de glicose havia deixado-o com sede, mesmo. Então se levantou, começando a andar com Kyo até uma barraquinha em que estavam vendendo bebidas e coisas assim. Eles compraram uma garrafa de água - que o moreno fez questão de pagar, considerando que o outro havia pago o algodão doce - e dividiram-na, sendo que não demorou para que ela se esvaziasse.

- E a sua blusa? - Gara indagou, referindo-se à pequena coloração azul que o algodão havia deixado próximo ao peito de Kyo. - Não vai ficar manchada?

- Acho que sim... - concluiu o pequeno, pesaroso.

- Mas pelo que eu percebi... você tem mais roupas brancas, ne. - Gara comentou, com um pequeno sorriso nos lábios.

- Eu... gosto bastante de branco. - o loiro virou o rosto, desconcertado. Não sabia como afastar o tipo de assunto que trazia Gara próximo à verdadeira identidade do Lagarto com quem não sabia que estava andando. Para seu alívio, aproximavam-se de umas pequenas barracas de jogos, e então Kyo apontou para uma delas, ansioso. - Olha, tiro ao alvo. Gosta?

Gara mordeu o lábio, hesitante. Não que ele se considerasse um ótimo atirador, mas era quase certo que o fato de ele estar acostumado a usar armas ficaria um tanto evidente caso ele cedesse. Entretanto, se recusasse, também seria estranho, não? - ...podemos tentar. - disse simplesmente, dirigindo-se à tal barraca junto com o outro.

Antes que o mais alto pudesse perceber, o seu companheiro loiro já havia estendido uma nota ao responsável pela barraca e a trocava por duas pistolas de pressão que atiravam algo que ambos imaginavam que fossem bolinhas de borracha. Kyo já voltava a se animar, esquecendo o nervosismo de segundos atrás. Assim que o homem lhe entregou as pistolas, estendeu uma para Gara, dando um sorriso ansioso:

- Apostamos algo?

Gara ficou olhando para ele, pensando no que responder. O que ele poderia apostar...? - Hmm. Quem ganhar... - e ele olhou em volta, percorrendo os demais lugares aos quais eles poderiam ir depois. - ...escolhe o que vamos fazer depois, e quem perder paga. Pode ser?

- Você não gosta de arriscar muito, não é? - o loiro brincou, provocando-o, apontando a pistola de pressão na direção do moreno. - Apostamos isso e... o seu chapéu. - Anunciou, olhando o chapéu preto que parecia ser uma peça de estimação, e o outro pareceu surpreso, levando a mão ao acessório. - Se eu ganhar, fico com ele. O que me diz? - Kyo sorriu, atiçado pela idéia de poder levar consigo uma lembrança daquelas.

Gara baixou a mão e pensou um pouco. Aquele chapéu não era o único que ele tinha - não que ele tivesse muitos -, mas se tratava da primeira coisa que ele comprara como fruto de seu... “trabalho” no Ninho. Não que ele se orgulhasse do que fazia, mas o chapéu em si era quase que de estimação. Ao mesmo tempo, a idéia de ver Kyo usando algo que um dia fora seu lhe parecia interessante - quase o tentava a perder de propósito. - Ok. Mas se eu ganhar, você vai ser obrigado a fazer uma sessão de yoga comigo. - e ele sorriu brevemente, tentando imaginar o baixinho fazendo os exercícios com os quais o Coral estava acostumado.

Kyo não parecia muito feliz com a possibilidade, mas não disse nada - simplesmente atirou. Ele acertou os dois primeiros, e olhou para Gara antes de mirar o último...

...que ele acabou errando, pois o sorriso que ele vira nos olhos do moreno acabara atrapalhando seus pensamentos e tirando sua concentração.

Gara franziu o cenho ao perceber que, ele atirava bem... muito bem. Certo que ele errara o último, mas fora por pouco; e ele demonstrava segurança com a arma, como se estivesse acostumado. No entanto, a Cobra forçou-se a deixar aqueles pensamentos de lado, e concentrou-se no que tinha que fazer agora. Ele não poderia fazer nenhum comentário sobre a boa mira do outro, pois o loiro certamente lhe rebateria com perguntas semelhantes também...

...pois Gara acertou os três tiros.

Kyo fez uma careta, mas a pequena decepção só durou até ele lembrar a condição de Gara, quando ela se transformou num aperto angustiado no peito. Claro, Gara não sabia dos seus planos de parar com aqueles encontros. E não era naquela tarde que Kyo deixaria que o outro soubesse. Respirou fundo, forçando um riso e devolvendo as pistolas ao dono da barraca, que entregou a Gara um enorme urso de pelúcia.

Os dois riram; o moreno tentou dizer ao dono da barraca que não queria ficar com aquilo - teria que carregá-lo pra lá e pra cá, e, ainda por cima, não queria ter que pensar numa explicação pra isso quando voltasse para a Mansão - mas o vendedor não quis aceitar o prêmio de volta.

E então ele viu um casal passeando com a filha pequena, e o quanto ela olhava com interesse para o objeto que Gara segurava.

O moreno olhou para Kyo, e os dois pareceram pensar na mesma coisa. Com um consentimento por parte do loirinho, o Coral aproximou-se da menina.

- Quer? - o Coral indagou, estendendo o bicho de pelúcia para a pequena garota, que o pegou com um sorriso enorme no rosto.

- Obrigado! - ela disse, e saiu correndo pelo parque com o bichinho no colo.

Gara cumprimentou os pais dela com um leve movimento de cabeça, meio desconcertado pela situação, e voltou sua atenção para Kyo. Este parecia querer rir de sua cara, mas então se lembrou novamente da aposta que haviam feito:

- Yoga, huh... deve ser por isso que você tem uma boa concentração, né?

Gara assentiu, deixando que o outro pensasse que o fato de ele ter acertado os três tiros se devesse somente a isso e, quem sabe, a alguma sorte. O moreno começou a andar então, e foi acompanhado por Kyo enquanto pensava no que eles poderiam fazer agora. Ele nunca vinha a lugares assim, e mesmo que realmente não fosse de seu feitio fazer coisas muito agitadas ou mesmo divertidas, no momento ele se sentia disposto a experimentar cada um dos brinquedos do parque, porque ele não se lembrava mais como era essa sensação. Ele também não sabia se costumava fazer isso quando era criança, mas tinha a impressão de que não.

- Que tal essas xícaras? - ele disse, observando as pessoas que giravam sem parar naqueles brinquedos e, também, percebendo o quanto a maioria delas ria ao sair dali - ou mesmo antes de entrar.

- Parece divertido, ne. - sorriu o loiro, contagiando-se pela alegria dos que estavam acabando de sair do brinquedo. - Vamos!

Pagaram a entrada e escolheram uma das xícaras, sentando-se um de frente para o outro. Logo o brinquedo começou a se movimentar, as xícaras girando em um sentido enquanto a armação toda do brinquedo girava em outro. O loiro se surpreendeu observando interessado a família que estava numa das xícaras vizinhas, cuja filha - a mesma para quem Gara dera o bichinho de pelúcia alguns instantes atrás - ria sem conseguir parar, enquanto tentava ficar de pé.

- Acho que eu não conseguiria fazer isso. - o mais baixo riu, chamando a atenção de Gara para a criança.

O moreno observou a garotinha da forma que pôde, pois a movimentação da xícara deixava isso um tanto quanto difícil. Ele nem sequer cogitou a possibilidade de ficar de pé, pois preferia mesmo não arriscar - mas admitia que estivesse se divertindo. E, afinal de contas, ver Kyo rindo daquele jeito, descontraído, já valia por todo o resto.

Alguns instantes depois, as xícaras finalmente diminuíram sua velocidade e estacionaram. Ambos meio zonzos levantaram-se e seguiram os outros para a saída, mais concentrados em não tropeçar do que em comentar se tinham gostado ou não da pequena aventura. Kyo particularmente estava bem ocupado tentando agir de uma maneira normal, mas o fato de que sua mão direita apoiava-se no cercado assim que cruzaram a roleta de saída não passou despercebido por Gara. Caminharam devagar até certo ponto, quando Kyo estacionou subitamente.

- Não... não posso sair daqui agora. - admitiu diante do olhar curioso do moreno, contendo-se para não rir de si próprio, os dedos segurando com firmeza o cercado enquanto ele sentia que todo o chão ainda girava um tanto.

Gara também manteve um ar quase sério para não rir da situação; todavia, um pequeno curvar de lábios acabou aparecendo em seu rosto - e ele não podia falar nada, quisesse ou não, pois também ficara meio zonzo... mas já estava melhor agora. Ele ficou olhando o outro em silêncio; observou o subir e descer do peito de Kyo enquanto este respirava, as feições de seu rosto, o cabelo agora um tanto bagunçado...

- Já se sente melhor? - indagou um tempo depois - que ele não saberia dizer se se tratava de segundos ou minutos, e também não se importava com isso. Quando o baixinho assentiu, Gara balançou a cabeça em reconhecimento à resposta, enfiando as mãos nos bolsos da calça que usava - preta como todo o resto de sua vestimenta.

Chegava a ser contrastante a brancura da roupa do outro e o preto que lhe cobria da cabeça aos pés. A Cobra lembrou-se de repente do que Atsushi lhe dissera a respeito de Lagartos, da sensação desagradável que tivera naquela hora-

...mas afastou aqueles pensamentos antes que pudesse refletir sobre a primeira vez que vira Kyo, onde e quando isso acontecera. E pensou em alguma outra coisa para que sua mente voltasse a se ocupar com a sensação boa que era estar na companhia do loiro.

- Hmm. Já que você disse que eu não gosto de arriscar... - o moreno começou, ignorando o fato de que ele realmente não era do tipo que fazia essas coisas. - ...que tal uma corrida até o carrossel? - propôs, mordendo o próprio lábio num tanto de ansiedade. - Se você ainda quiser isso... - continuou, indicando o chapéu sobre sua cabeça. - ...pode ficar com ele caso ganhe.

O loiro piscou, um dos cantos da sua boca curvando-se, satisfeito. Se havia algo que funcionava muito bem com ele, eram desafios daquele tipo. E poder ver Gara soltando-se ao natural, daquela maneira, era um prêmio melhor ainda que o chapéu - mas isso não significava que o baixinho o quisesse menos.

- Tá. Aceito o seu desafio. Que tal... - olhou o carrossel ao longe, sorrindo como um garoto prestes a aprontar algo. - JÁ??!

Gara foi pego de surpresa quando Kyo passou rápido por ele, iniciando uma corrida desenfreada. Meia fração de segundo depois e o moreno já o perseguia, uma das mãos volta e meia preocupando-se para que o prêmio da corrida não saísse voando de sua cabeça, e em pouco tempo tinha recuperado a vantagem que antes era do desafiado. Tinha de admitir que o loirinho estava em boa forma, e era tão rápido quanto ele próprio, mesmo que Gara levasse vantagem pelo quesito altura.

A cerca de 100 metros do carrossel, no entanto, o moreno já levava a dianteira por uma pequena diferença. Kyo percebeu isso e tentou forçar o seu ritmo; um restante da lembrança das xícaras, porém, resolveu visitá-lo, e ele acabou tropeçando em algo invisível no meio do caminho, e ao tentar recobrar o equilíbrio, esticou a mão, agarrando a manga da camisa do outro competidor. Obviamente, não era algo que Gara aguardava, pois acabou desequilibrando-se igualmente com o puxão.

Um casal de namorados virou a cabeça para a direita, curiosos pelo som de dois corpos caindo ao chão.

Kyo soltou um pequeno resmungo pelo braço direito que ele próprio quase esmagara, sentando-se no chão. Viu que o desafiador também não havia atingido o carrossel, e estava caído de bruços, naquele instante voltando o rosto para olhá-lo, e o mais baixo, por sua vez, mudou o foco do seu olhar para o notório chapéu na cabeça de Gara.

- Nem pense nisso. - o moreno advertiu, lendo com facilidade as intenções do loirinho de afanar o objeto.

Descoberto, Kyo não conseguiu segurar um acesso de riso, se jogando deitado de costas no chão.

- Bem, já que chegamos aqui... - a Cobra disse, olhando para o carrossel. Aproveitou que o loiro não poderia vê-lo agora para então deixar aparecer um sorriso genuíno nos lábios, fruto das ações e do jeito de Kyo. Se contasse aos outros dois Corais que formavam o trio, estes provavelmente não acreditariam que Gara estava prestes a ir num brinquedo daqueles - e com alguém que não fosse nenhum dos dois, e sem que se tratasse de uma insistência sem fim que faria com que o moreno se visse obrigado a ceder só para que parassem de encher sua paciência. Mas não era o caso - ele estava ali de boa vontade, e aproveitando cada segundo ao lado de Kyo - porque no caso da Cobra e do Lagarto, cada instante passado lado a lado seria único, raro, e poderia sempre ser o último.

Os dois entraram no carrossel e cada um subiu num cavalo, lado a lado. Gara olhou para Kyo e os dois acabaram por rir juntos, porque era engraçado se verem ali, e mesmo que parecesse um absurdo para alguns ou para eles mesmos, era um tanto divertido. O mais alto balançou a cabeça, tentando conter o riso, meio envergonhado - mas, ao mesmo tempo, ele sentia vontade de deixar tudo fluir, de agir espontânea e naturalmente - porque Kyo estava fazendo assim, e porque ele acabava sendo contagiado pelo loiro.

Após o carrossel, os dois resolveram caminhar um pouco antes de decidir pelo próximo brinquedo. Entre conversas e silêncios agradáveis o tempo foi passando, e foi com pesar que Kyo notou que o fim da tarde se aproximava. Mesmo que fosse ficar mais um pouco, estar cada vez mais perto da hora em que iria embora - e de vez - era uma lembrança que conseguia anular toda a alegria que ele vinha sentindo até então. Havia uma reunião final entre os Lagartos para conferir o equipamento e munição para a Ação daquela noite, e o loiro teria problemas se não estivesse presente, principalmente porque era um dos convocados.

Mas Kyo não queria estar pensando naquilo tudo... não ainda.

O tempo havia mudado bastante desde o começo da tarde, e mesmo sem ser noite, o sol já estava escondido atrás de grossas camadas de nuvens. Kyo gostava daquele tipo de clima, diferente da maioria das pessoas - e ele não sabia, mas Gara era como ele nesse sentido. Observou o moreno enquanto este parecia perdido em algum pensamento distante, e sorriu levemente, feliz por momentos simples e agradáveis como aquele, que só conseguia desfrutar na presença dele.

E foi mais ou menos por aquele instante que os ventos tornaram-se um pouco mais fortes e freqüentes, e uma rajada mais violenta levou longe o chapéu de Gara. Os dois entreolharam-se surpresos, e uma expressão travessa não demorou a surgir no rosto do loiro:

- Agora é meu. - anunciou vencedor, e enquanto Gara ocupava-se com uma interrogação, o loiro partiu correndo atrás do chapéu, que havia pousado num gramado mais à frente. O mais alto exclamou um riso surpreso e curto, e começou a persegui-lo pelo parque, tarefa que era dificultada pelo vento soprando contra si. Ao contrário da outra competição, nesta Kyo teve mais sorte, e logo a Cobra avistou-o correndo com o chapéu nas mãos.

A perseguição continuou, e a cada vez que o Lagarto titubeava por qual caminho seguir, Gara conseguia aproximar-se mais um pouco. O baixinho o fez correr até perto do brinquedo das xícaras, e virou à direita neste, tentando despistar o seu perseguidor, sem sucesso. Apenas quando Kyo atingiu os limites do parque, demarcados por uma alta cerca, foi que ele parou, ofegante, constatando com uma careta que o dono do chapéu tinha chegado ali praticamente junto com ele.

Encararam-se, recuperando a respiração normal, ambos quase que totalmente descabelados pelo vento e pelo exercício. O pequeno Lagarto sentiu como se o outro conseguisse ler tudo o que ele pensava e sentia, e soubesse o verdadeiro motivo por detrás do seu coração acelerado, que nada tinha a ver com o esforço físico que acabara de fazer. Se isso fosse verdade, Kyo também queria saber o que se passava na mente do moreno alto, e porque ele retribuía o seu olhar fixo com a mesma intensidade e brilho. O loiro deu um passo à frente, sem desviar o seu foco de atenção do rosto alheio.

E então o baixinho apenas sorriu desconcertado, colocando o chapéu na sua própria cabeça:

- Ganhei? - perguntou de maneira tímida, rindo um pouco para mostrar que não falava sério. - Acho que não, ne.

Gara piscou algumas vezes, saindo do transe em que havia entrado enquanto encarava os olhos do baixinho diante de si. Só então percebeu que havia segurado a própria respiração - deu-se conta também de que havia pensado em um zilhão de coisas impossíveis durante aquele tempo que se passou enquanto eles trocavam aquele olhar que parecia ser fruto das mesmas coisas por parte de ambos. O Coral engoliu em seco, tentando pensar racionalmente, tentando formular uma frase de resposta ao que Kyo havia dito.

Se o loirinho não tivesse ganhado o chapéu, ele certamente teria ganhado alguma outra coisa - se o próprio loiro não tivesse evitado que isto acontecesse. Claro que Gara não tinha certeza de nada, mas a impressão que ficara era que eles haviam quase... quase...

- Pode ficar com o chapéu - ele se ouviu dizendo, sem saber se sorria para reafirmar suas palavras ou se mantinha o olhar quase triste que acabara adquirindo enquanto pensava no que acontecera e no que não tinha acontecido. O moreno respirou fundo então; passou uma mão pelos próprios cabelos e fechou os olhos por um instante, desejando que pudesse voltar ao normal logo.

E então ele sentiu algo na pele do próprio rosto, uma, duas vezes. Algo familiar, algo úmido, e ao mesmo tempo, algo que ele não se deixava sentir diretamente havia bastante tempo, por mais que gostasse da sensação.

Chuva.

Ela começou fraquinha - poucas gotas, caindo com intervalos de segundos ou frações de segundo; começando a molhar o rosto e o cabelo agora desprotegido de Gara; as roupas, o corpo... e o mesmo acontecia com Kyo; isto o moreno pôde perceber ao reabrir as pálpebras e fitá-lo, deixando transparecer aquela mesma intensidade de antes.

Mas, como o loirinho já havia percebido anteriormente, por menos que Gara gostasse de admitir - o Coral não era de arriscar. Ele não tomaria uma iniciativa sobre a qual não tivesse certeza das conseqüências; ele não queria estragar aquela tarde agradável que passara ao lado de Kyo, e não queria descobrir que podia ter interpretado coisas da maneira errada. Seria melhor deixar tudo como estava, porque o que ele tinha até então já era o bastante.

Ao menos por enquanto.

- Obrigado. - o loiro agradeceu, baixando a cabeça, meio envergonhado.

Nenhum dos dois sabia quanto tempo eles ficaram ali, ou o porquê de não ter partido de um deles a sugestão de irem para um lugar coberto. Apenas que foi o bastante para que ficassem encharcados. Kyo estava alheio a tudo enquanto juntava coragem o bastante para dizer que estava tarde, que ele precisava ir embora.

Mas a última coisa que queria era que Gara achasse que ele estava se sentindo desconfortável, ou que estivesse fugindo daquele instante.

- Eu... preciso ir. - forçou a voz por causa do barulho da chuva, e sentiu-se sem jeito por como ela tinha soado desanimada. - Tenho um compromisso... de trabalho.

Gara assentiu, baixando o olhar também. Ele não queria perguntar por que Kyo resolvera ir, não queria perguntar o que ele tinha que fazer em relação ao trabalho justamente agora que começava a entardecer... ele não podia, porque também teria uma noite ocupada, ainda que não tivesse que voltar para o Ninho exatamente agora - e perguntar algo assim daria margens para que Kyo também fizesse perguntas. E tudo o que a Cobra não queria era mentir para o loiro.

- ...

O moreno ficou pensando no que dizer. Ele poderia responder com um simples “também tenho coisas pra fazer hoje à noite”, mas isso não ajudaria em nada, não faria diferença. Ele queria dizer um monte de coisas a Kyo - e, ao mesmo tempo, tinha medo de cada uma delas; tinha medo dos olhares que haviam trocado, do que aquilo significava-

...e, no fundo, paradoxalmente, tinha medo de que as coisas não se repetissem.

Gara sabia que a Ação que teria pela frente dali a algumas horas seria perigosa, que ele correria risco de vida - assim como já acontecera tantas outras vezes antes. Mas até então, ele nunca se importara de verdade com isso. Claro que se preocupava, de certa forma; mas no momento, a possibilidade de que algo ruim poderia ocorrer lhe parecia mais atormentadora do que nunca.

Talvez tivesse sido aquelas perturbações todas; talvez tivesse sido o que ele via nos olhos do loiro - que o Coral não sabia se era o que sua mente dizia, mas não importava no momento; talvez tivesse sido apenas um momento de loucura - mas, de um jeito ou de outro, independentemente da razão, Gara deu um passo à frente e abraçou Kyo.

Ele sentiu o corpo dele contra o seu, as roupas tão molhadas quanto as suas - e sentiu o coração do outro batendo. Sentiu também as mãos de Kyo apertando o tecido que agora grudava às suas costas, num pedido silencioso de que ele não se afastasse ainda, que permanecesse ali, daquele jeito.

Gara suspirou - percebendo mais uma vez que havia segurado a própria respiração de forma involuntária - e deixou-se aproveitar o abraço, sentindo a chuva batendo em suas costas, em sua nuca, em sua cabeça; e, ao mesmo tempo, ela parecia deixá-los ainda mais perto um do outro, com aquela água e aquela molhação toda.

E assim eles ficaram, abraçados ainda durante... bem, desta vez, certamente haviam se passado pelo menos alguns minutos.

Então Gara se afastou - não porque realmente quisesse, mas porque tinha que fazer isso. Ele fitou Kyo com olhos quase inexpressivos - não por frieza, mas porque não queria demonstrar sua frustração por não poder fazer nada a respeito do fato de que o loiro teria que ir embora, e ele próprio também.

- Fica com isso - ele disse com a voz quase rouca, de tão baixa, referindo-se novamente ao chapéu que estava na cabeça de Kyo. Ajeitou-o ali, para que o objeto não caísse com facilidade, e tratou de afastar suas mãos do rosto do loiro logo, para que não fizesse uma ou várias das milhares de coisas que passavam por sua mente agora. - E se cuida. - acrescentou, movendo o rosto como uma despedida.

Kyo apenas anuiu também, sem dizer nada. Ele pôde perceber que o outro não queria se despedir; não era difícil de notar algo assim pelo modo como Gara se comunicara com ele durante aqueles últimos instantes, muito mais através de gestos do que de palavras. O próprio loiro não queria ter que dizer algo agora também, e não queria pensar que esta provavelmente era a última vez que veria o mais alto - porque ele decidira que seria melhor deixar as coisas daquele jeito, antes que fosse tarde demais e eles não conseguissem parar.

De qualquer forma, o loiro já sentia que era um pouco tarde, e que certas coisas, certos pensamentos e sentimentos já não havia mais como serem evitados.

Gara acompanhou-o com os olhos, observando-o caminhar sob a chuva forte que caía. Manteve o olhar fixo na figura de Kyo até que este sumisse de vista, e só então o Coral deixou que suas íris mostrassem a tristeza que ele estava sentindo agora.

Tristeza com a qual Gara teria que conviver durante um bom tempo, ainda.

XXX

Nota: Agradecemos a todos que têm acompanhado a fic durante esse tempo, principalmente os que deixaram registrado aqui sua opinião a respeito de maneira que pudéssemos continuar com melhorias e manter o que já estava bom. :3
Obrigado especialmente aos que comentaram no último capítulo de forma crítica/construtiva, e aos que nos deram apoio e nos incentivaram do melhor jeito possível.
Este capítulo e os próximos que virão são todos de vocês.

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