Ser blogger é importante, mas não é fácil

Jul 13, 2011 15:23

Em Novembro deste ano, este blog vai fazer 8 anos.

É, penso eu, dos meios de divulgação mais antigos do rap tuga, pelo menos que se tenha aguentado até aos dias de hoje. Já teve alturas de grande intensidade e outras de silêncio total e testemunhou a minha passagem por inúmeros outros projectos, desde o primeiro em que participei até ao mais recente: Trinsheira Divulgações, Hip Hop Nation, H2T, Assalto Sonoro, Rua de Baixo, XL Rap, IV STREET, Freestyle e Bloggers Reign Supreme. Também fiz outras coisas que nem chegaram aqui ao blog, tais como press releses e biografias.

Mas sem dúvida que o meu maior contributo para esta cultura foi aquilo que escrevi neste blog, mais não seja porque preserva nos seus arquivos uma perspectiva contextualizada das várias fases pelas quais o movimento passou, de uma forma que um site de notícias, dada a sua natureza imparcial, não consegue fazer. Um site de notícias terá nos seus arquivos a notícia do lançamento de determinado CD em 2004, mas não tem a reacção do ouvinte nem comentários àquilo que esse CD representou na altura em que saiu. Um site de notícias não tem comentários a beefs nem a opinião sobre o sucesso de determinado evento nem considerações sobre os valores e princípios da cultura.

Um site de notícias é extraordinariamente importante porque faz o registo factual dos acontecimentos. Mas um blog faz aquilo que um site de notícias não pode fazer, que é: dar uma opinião.

É frequente enaltecer-se o valor do factual e do imparcial em detrimento daquilo que é, em natureza, opinativo. E na grande maioria dos casos, eu concordo com essa visão. Não interessa a ninguém qual é a opinião do arquitecto sobre o material a usar numa ponte, o que interessa são os testes de stress aos materiais que indicarão qual o mais resistente. Ninguém quer saber de opiniões sobre como curar uma doença, o que interessa são os estudos clínicos de eficácia de determinado medicamento. É fundamental para o funcionamento de uma sociedade que existam pontos de referência em comum que não dependem de opiniões.

No entanto, no que respeita à arte, mais em concreto a música, acho precisamente o contrário - que se perde valor quando o olhar sobre o trabalho é apenas clínico. Afinal de contas, o grande valor da música está naquilo que ela nos faz sentir - e sentir é algo extremamente pessoal, impossível de ser comunicado através de linguagem impessoal. Todos nós ouvimos o mesmo conjunto de sons ao ouvir determinado álbum - mas o impacto que ele tem, a forma como nos identificamos ou não com ele e a relação que estabelecemos com a música é algo muito pessoal e talvez até íntimo, que muda à medida que nós também mudamos.

Como em qualquer forma de comunicação, este processo inclui aquilo que o artista pretendia transmitir, aquilo que ele de facto transmitiu e aquilo que o ouvinte interpretou. E nada garante que exista qualquer identidade entre estas três mensagens - daí que cada ouvinte interprete a música que ouve de forma diferente e que existam visões tão diferentes do que é uma boa música ou um bom artista. E é triste que tantos ouvintes não tenham a capacidade de respeitar o diferente valor que a música tem para cada um de nós e sejam tão rápidos a julgarem-se uns aos outros com base nas suas preferências.

E aí começamos a entrar no motivo pelo qual não é fácil ser blogger.

É que a partir do momento em que se publica um texto sobre determinado álbum ou artista, pode acontecer de tudo. Pode o artista sentir-se revoltado por termos interpretado a música de forma diferente daquela que ele pretendia, sentir os comentários como insultos pessoais ou até achar que qualquer comentário não positivo seja falta de respeito. Podem os outros ouvintes não se rever em nada na forma como nós percepcionámos a música e, assim, sentirem legitimidade para tecer julgamentos quanto a variados factores - desde o clássico "não percebes nada de Hip Hop" até ao mais requintado ataque ou insulto. Ou pode simplesmente não acontecer nada - não haver qualquer tipo de feedback, seja por que motivo for.

Seria fútil dizer que estas coisa não deveriam acontecer, que somos todos elementos da mesma cultura e porque é que não podemos todos ser amigos. Um blogger sabe do que é que a casa gasta, e se não sabe, rapidamente aprende. Nada a fazer. Mas a verdade é que com o passar do tempo torna-se cada vez mais difícil conseguir ter resistência a esse tipo de coisas. Começa a tornar-se muito atractivo simplesmente não escrever e ter uma relação privada com a música, vivê-la como bem se entende à margem daquilo que se diz e se pensa no meio Hip Hop. E é tão fácil pensar que alguém mais novo / mais motivado / com mais tempo irá surgir e dará continuidade à coisa.

Eu dantes pensava que, por esta altura, o pessoal que escrevia sobre rap estaria a escrever para as grandes edições - Blitz e afins - porque afinal, durante quanto tempo é que uma pessoa se consegue aguentar a gastar o seu tempo a escrever sobre música sem qualquer tipo de incentivo (pelo contrário)? O que eu não imaginava era que 8 anos depois de começar a escrever sobre rap não tivesse qualquer vontade de profissionalizar aquilo que escrevo. Exactamente porque tenho a noção que profissionalizar escrita sobre música é esterilizá-la, ou pelo menos obedecer a regras que não são as minhas, sofrer pressões de todo o tipo e, no fundo, deixar de escrever aquilo que verdadeiramente me apetece escrever. Mas não posso dizer que essa via tenha sido alguma vez uma hipótese. Não foi para mim tal como não foi para a esmagadora maioria do pessoal que começou a escrever comigo, tanto que ou desistiram de escrever ou se tornaram tão ou mais frugais naquilo que escrevem como eu (frugal... para ser simpática).

Nestas situações é difícil dizer que as coisas deveriam ser de outra maneira. Não tenho qualquer dúvida que os blogs são importantes veículos de comunicação e de registo da cultura, um medir da pulsação ao movimento se quiserem, uma forma de análise e um ponto de vista onde é mais importante ser-se justo do que ser-se imparcial. Não sei o que o futuro reserva (ao contrário das agências de rating, não consigo prever o futuro) mas espero sinceramente que surjam mais blogs de opinião que registem aquele lado intangível da nossa cultura, aquilo de que é feita a sua essência. Até porque, de blogs noticiosos, felizmente já estamos bem servidos!

opinião

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