Mini Conto totalmente aleatório e desnecessário...

Jul 16, 2008 02:32

A secretária e a superior

A secretária olhou para sua superior e perguntou sem aparente propósito real:

- Qual o segredo para alguém ser feliz?

Apertando seus olhos, mais pelo fato de suas lentes de contato estarem incomodando do que por qualquer outra coisa, respondeu sem muito interesse perceptível em seu tom de voz:

- Pensar apenas em si mesmo.

Notando que a superior voltara a organizar os livros na estante, resolveu voltar ela também ao trabalho. Às vezes conversar com outras pessoas não diferia muito de falar com sua imagem refletida no espelho.
Ainda assim, mesmo sabendo que com isso poderia se tornar um incômodo, foi incapaz de controlar sua curiosidade (nunca fora alguém conhecida por seu autocontrole de qualquer forma):

- Mas nunca se deve pensar nos outros? A tristeza dos outros não pode causar nossa tristeza também?

- Apenas se você for fraco e inexperiente. - Voltou-se para a secretária parecendo levemente irritada com sua ousada insistência. - Quem é feliz sabe muito bem que se começarmos a levar em consideração as vontades e sonhos dos outros acabaremos esquecendo ou até desistindo dos nossos, porque começamos a acreditar na bobagem de que, por mais que você queira muito algo, é melhor desistir do que você deseja caso precise passar por cima de alguém para alcançar isso.

- Mas e a harmonia? A igualdade? A compreensão? Será que elas não servem de ajuda em momentos assim?

- Tudo ilusão! As pessoas se enganam e tentam acreditar que elas existem mas, sinceramente me diga, em momentos críticos, naqueles instantes em que sua felicidade e bem-estar dependem da boa vontade de alguém, você realmente pensa em igualdade? Quando você precisa ceder para dar espaço para essa tal harmonia e ainda tem que buscar a compreensão para o fato de ter perdido algo que lhe era tão preciso pelo bem do todo que quase nunca lhe favorece, você tem plena certeza de que valoriza todas essas coisas? Acha mesmo que aquela compreensão está lá naturalmente? Não sente como se estivesse se obrigando a ser a favor e lutando para sentir todas essas coisas simplesmente porque lhe disseram que o certo é isso? Que é feio ser intolerante, egoísta e ambicioso?

- Eu... não sei o que dizer... - Seus olhos estavam enormes por trás dos óculos de aro fino. - Não acha que o egoísmo machuca as pessoas e que isso faz com que você se sinta mal?

- Não penso mais assim desde que percebi que as pessoas nunca se importaram comigo de verdade, até pensavam gostar de mim, mas o fato é que agiam de acordo com padrões. E a verdade é puramente essa, ouça bem, seres humanos não dependem uns dos outros, muito menos para viver bem. Você só consegue ser feliz de verdade, porque a felicidade também não é aquilo que costumam idealizar, quando percebe que não precisa da opinião de ninguém para nada, que a sua vida só depende de você e que você não precisa fazer nada para agradar a ninguém além de si mesmo.

Permaneceu um tempo apenas encarando a sua superior, para só então prosseguir falando em tom surpreso:

- E como é a felicidade?

- A felicidade é um estado quase apático. Nada te afeta ao extremo, nada lhe parece tão interessante, mas isso é muito bom, sem o interesse e emoções extremas dá para se aproveitar o máximo da vida com bastante calma, fazendo tudo de forma bem pensada, não encontrando nenhuma, ou quase nenhuma, falha nas coisas ao seu redor. Isso junto ao fato de nada exterior te afetar, no sentido das outras pessoas não representarem mais nada em sua vida - praticamente anulando os riscos de mágoa, rancor, raiva, paixão e todas essas coisas que nos deixam tão confusos e perdidos - é a mais pura felicidade.

- Não é solitário? - Questionou mordendo o lábio inferior e franzindo o cenho.

- Solitário é ficar em casa esperando por alguém que nunca chega, é ver tantas pessoas fazendo algo que em sua mente não tem o menor sentido, é achar que algo é maravilhoso quando ninguém mais acha, é querer ter alguém por perto quando isso não é possível... A solidão, enfim, só se manifesta quando dependemos de outro indivíduo que não nós mesmos para nos sentirmos bem. Porque não há como ter controle sobre outras pessoas e sem controle nos sentimos incertos e incapazes.

Não sabia mais o que poderia dizer, tudo aquilo parecia demais para sua cabeça, mas ao mesmo tempo fazia muito sentido se ela parasse para pensar. Até porque, sua superior sabia tudo, já tinha tido diversas provas disso. Sabia tanto na verdade que sempre que ela ouvia algo que a superior contava sequer sentia vontade de contestar ou duvidar, porque tudo parecia tão correto.
Aceitando o silêncio de sua secretária como o fim dos questionamentos, exibiu um meio sorriso e tornou a ordenar os livros na grande estante de madeira, sentindo-se muito satisfeita com o resultado de seu discurso.

- É...

Olhou-a de soslaio, questionou sem sequer dizer nada o que a outra ainda queria falar.

- É só mais uma pergunta, juro que depois dessa volto a trabalhar e a senhora não ouvirá mais minha voz pelo resto do dia!

- Pergunte então. - Estendeu a mão exasperada.

- A senhora é feliz?

Olhou-a então com uma transparência que há muito não permitia chegar até seus olhos. Algo que fez todas as lágrimas que havia derramado por toda uma vida se fundirem com os risos ressoantes que um dia ela fizera ecoar pelas paredes do mundo para surgirem juntos no brilho de seus olhos por breves segundos.

- Não. - Respondeu rispidamente e logo voltou a trabalhar. Em seus olhos já não se via sinal de brilho.

Dani Molki

conto, random

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