Era Uma Vez (6/?)

Nov 24, 2008 15:33



Título:Era uma Vez
Autora:Saavik
Pares:Hilson, 14, Chameron e CPI
Classificação: PG-13 (esse capítulo).

Saindo do rio, House correu o mais depressa que pôde para o lado do príncipe.

-Seu idiota!- exclamou ele, tentando examinar a picada. -Como é que não percebeu que havia uma cobra ao seu lado?!?!?

-Eu acho que cochilei...-murmurou Wilson, em um tom ainda sonolento que alarmou o amigo.

-Ótimo! Então você já dormiu tudo que tinha que dormir por hoje, está me entendendo?!? Wilson? Fique acordado!- ele olhou em volta, desesperado. Era importante que o príncipe não se mexesse muito, para não estimular a corrente sanguínea e espalhar o veneno com mais rapidez. Mas como ele poderia levá-lo imobilizado para o acampamento? E, uma vez lá, como poderia tratá-lo, se não havia identificado o animal?

-Escute... Você viu a cobra direito? Pode descrevê-la?

-Eu não vi... Senti a picada... Acordei, e... Vi-a de relance indo para a mata...

-Certo. Tudo bem... Olha, eu... Eu vou buscar ajuda. Fique aqui, não durma, e permaneça calmo. Wilson? Está me entendendo?

-Sim.

-Ótimo. Então, até eu voltar... Conte de 1000 a 0, em voz alta.

-Mil... Novecentos e noventa e nove... Novecentos e...

Pegando a bengala, que jazia junto às roupas, House saiu com rapidez em direção ao acampamento.

Lucas estava explicando a Cameron como fazer uma boa fogueira, quando ouviram ruídos agitados vindos da fronteira com a floresta, e foram investigar. Ao ver os homens que haviam saído para buscar lenha carregando Wilson em uma maca toscamente improvisada, ela soltou uma exclamação e correu para o lado dele.

-James?!? O que aconteceu?!?

-Fui imbecil o suficiente para deixar uma cobra me picar-disse ele, com voz fraca.

Pânico brotou nos olhos da princesa. Ela apertou a mão do amigo, mas antes que pudesse dizer algo, sentiu alguém cutucá-la.

-Cameron? Uma palavra, por favor.

Intrigada, ela seguiu House até fora do alcance da audição de Wilson.

-Preciso lhe explicar exatamente a situação. Ela é... É grave.

Ela não precisava que lhe dissessem isso. Estava claro pela atitude do bandido de olhos de safira. Pela primeira vez, ela o via totalmente sério, nem ao menos tentando manter as atitudes rudes e sarcásticas de costume. Na verdade... Não havia como se enganar... A voz dele soava preocupada.

-Nós vimos a cobra por apenas uma fração de segundo, e não conseguimos identificá-la. Os sintomas dele não estão batendo com os de nenhuma espécie de que eu me lembre de cabeça. Terei que fazer uma pesquisa nos meus livros velhos... E enquanto isso, quero que fique com ele.

-Claro. O que devo fazer?

-Em primeiro lugar, de forma alguma o deixe nervoso.

-Mas é claro que não! Quem pensa que eu sou, você?

-Eu poderia perguntar por que, se acha que estressar um doente seria uma típica atitude minha, não acha estranho eu estar lhe pedindo para poupá-lo, mas não temos tempo para isso. O nervosismo ajudaria o veneno a se espalhar, entende? Então tente não lacrimejar, perguntar como ele se sente a cada cinco segundos... Tente não ser você, ok?!?

Cameron abriu a boca, indignada, mas ele ignorou.

-Em segundo lugar, por nada no mundo o deixe dormir. Esses sintomas estão muito estranhos, e não o quero entrando em coma. E terceiro: como não sabemos qual é o veneno, nem com o que reage, não lhe dê comida ou bebida, exceto água se a situação ficar muito grave. Posso contar com você?

-Claro, fique tran...

Sem lançar-lhe outro olhar, ele se trancou na própria tenda.

-House?

-Estou ocupado, Lucas.

-Eu sei. Mas pensei que gostaria de saber que ele dormiu.

A declaração fez com que o médico finalmente desviasse o olhar dos livros.

-Que horas são?

-Vinte e duas.

-Sete horas desde a picada...-resmungou ele, tentando desesperadamente encaixar esta nova pista em algum lugar, enquanto se levantava e corria à tenda do doente. Lá chegando, praticamente empurrou Cameron para o lado enquanto examinava os sinais vitais de Wilson. Ela não reclamou, pois entendia o quão estressante era a situação. Mas quando, concluído o exame, ele a fitou com raiva e gritou que deixara claro que não era para ele dormir, foi impossível se manter calma.

-Eu tentei! Passei a tarde e a noite tentando mantê-lo acordado e tranqüilo! E você imagina como é fácil fazer com que alguém que foi picado por uma cobra no meio do mato, sem recursos fora os de um acampamento precário no qual ele é prisioneiro, e cujo médico está trancado em uma tenda e não se dá ao trabalho de vir vê-lo, se acalme!

Por um segundo, House ficou em choque, como se ela o houvesse estapeado. Então rosnou algo que se parecia com “sai daqui”. Furiosa, a princesa inclinou-se para beijar a testa de Wilson antes de se retirar. Ao levantar-se, porém, surpreendeu por um segundo nos olhos azuis que fitavam o príncipe uma expressão que jamais havia visto. Tomando cuidado para não revelar sua surpresa, ela saiu da tenda vagarosamente, tentando de todas as formas acentuar que estava irritada com House. Uma vez fora, porém, desatou a correr para seu “quarto”. Cinco minutos depois, ouviu Lucas chamá-la.

-Pode entrar!

-Você está bem?- perguntou ele, indo sentar-se a seu lado.

-Estou, claro. Apenas preocupada com James. House disse alguma coisa sobre...

-Não. Mas pela atitude dele, fica claro que estamos na mesma.

-Não há mais ninguém no grupo que entenda algo de medicina?

Por algum motivo, isso o fez sorrir.

-Há outra pessoa, mas... No momento ela não está. Saiu em uma longa missão.

-Que missão?

-Você pode me deixar embaraçado até que eu conte, e sabe disso. Mas House nos mataria  mais tarde.

-Ah sim... E acho que não seria bom eu discutir ainda mais com ele no momento.

-Você quer falar sobre isso?

-Pode ser. Eu... Eu sabia que ele podia ser rude. Mas não entendi como podia ficar tão irritado por eu não ter feito o impossível. Até... Até...

-Eu acho que sei o que vai dizer. Pode falar sem medo.- disse ele com um sorrisinho.

-Até eu ver a forma como ele olhou para James.

-Ah.

-Então estou certa?

-Não sei. O que exatamente você está pensando?

-Eu não sei! É... É confuso!

-Está bem, eu te ajudo.- Ele suspirou profundamente. - Mas Cameron... Fica tudo entre nós, promete? Vou te contar coisas que mais ninguém no acampamento sabe... E que, de novo, fariam House me matar se ele soubesse que falei.

-Prometo.

-Certo. Hum... Você sabe por que está aqui?

-Porque House gosta de desafios e quis ver se conseguia escapar imune após seqüestrar um membro da família real.

-É, mais ou menos. Isso é sem dúvida a base do motivo. Nós ouvimos boatos de que você estava seguindo nossas aventuras com... Bem... Um interesse especial, e foi isso que lhe deu a idéia. Então outros fatores, complicados demais para que eu explique agora, a alimentaram. Estávamos com o plano pronto para ser executado cerca de uma semana e meia antes do seqüestro... E nos atrasamos porque House havia começado a colecionar histórias sobre seu novo pretendente. Apenas eu sei que foi esse o motivo. E também não é todo mundo que sabe que o sonífero não falhou. Nós não o drogamos de propósito.

-O que?!?!?!? Vocês queriam que ele viesse?!? Eu... Eu fui só uma isca?!?

-Não! Não está me ouvindo? Estava tudo planejado bem antes dele entrar em cena!

-Mas... Mas...

-Eu sei... Informação demais. E você teve um dia cansativo. Se quiser continuar amanhã, eu...

-Não! Agora que começou, conte tudo!

-Ok. Bem... Não é que House quisesse que Wilson viesse conosco. É mais correto dizer que ele queria ver se ele perceberia nossos planos, e em caso positivo, até onde iria para te resgatar. Foi um teste... E ele passou com louvor.

-Teste para que?!?

-Outro joguinho estúpido de House. Você já deve ter percebido que Wilson é a única pessoa perto da qual ele nunca parece entediado, e também o único capaz de fazer comentários que o derrubem. Sendo amigo de House, eu percebo também que quando Wilson diz que ele deveria fazer algo, ele realmente pensa no assunto, e acaba fazendo... Mesmo que não o deixe saber disso. Eu nunca o tinha visto ouvir alguém dessa maneira. House é dono de uma inteligência excepcional, e tem sérios problemas sociais. Isso o torna uma pessoa difícil, e ele imaginou, pelas histórias que corriam, que Wilson seria alguém capaz de lidar com ele.

-Por que?

-Porque o mundo o vê como um perfeito anjo, mas a forma como abandonou todas aquelas princesas esperançosas prova que não é bem assim. House achou que seria divertido estimular esse lado cruel e egoísta do príncipe encantado. E em troca... Wilson lhe daria oportunidades de demonstrar seu lado humano, aquele que você surpreendeu na tenda, sem se sentir fraco, como sem dúvida se sente nesse momento. Não se incomode se ele a ignorar pelos próximos dias, certo? Ele considera meio humilhante que você o tenha visto quando...

-Espere um pouco - interrompeu Cameron. -Por que ele sentiria isso em relação a todos, menos a James?

-Porque você não estava errada na sua avaliação inicial... House é uma pessoa extremamente carente. Na verdade -acrescentou Lucas com uma curta risada-, ele é o único ser que conheço cuja carência é infinita.

O olhar de Cameron se tornou distante.

-O que foi?

-Eu estava lembrando da última conversa que tive com James no castelo. Ele me explicou sua relação com as princesas abandonadas, e eu disse: Ora, pobre James! Creio então que seu caso é mais complicado do que o meu, pois jamais encontrei uma única dama que fosse um poço infinito de carência.

O espião sorriu.

-Você entendeu.

-Mas... Mas o que House espera?!? Que James fique aqui para sempre? E eu? E o resgate? Teremos de passar o resto da vida com escolta a toda vez que quisermos dar um passeio, e viajando vendados a cada mudança?

-Princesa, isso eu já não sei. House tinha dito a si mesmo que teria tempo para pensar nisso até que chegasse o momento de pedir o resgate, mas...

-Que momento é esse? Vocês vivem falando nele, e ninguém me explica!

-Desculpe... Faz parte das coisas que estou proibido de dizer. Mas de qualquer forma, House não sabe o que fazer. Acho que é a primeira vez na vida em que está completamente perdido.

-Lucas, fale com ele, por favor! Eu não posso ficar aqui pelo resto da vida! Sou a única herdeira do trono, meus pais passaram da idade de ter outros filhos, Candylot precisa de mim!

Ele sorriu desajeitado e beijou-lhe a mão.

-Farei o possível para te ajudar. Prometo. Mas Cameron... Eu percebi que você queria dizer alguma outra coisa ali. O que foi?

Ela corou.

-Somos amigos. Pode me contar...

A princesa suspirou.

-E eu não posso ficar aqui pelo resto da vida porque não amo nenhum de vocês.

-Você sabe que isso não é verdade. Mas tudo bem, seria cruel fazê-la falar nisso esta noite.  Vou fazer o possível para te devolver ao mundo a que pertence, e torcer para que apareça na sua vida um príncipe capaz de fazê-la esquecer aquele idiota do meu amigo.

Ela revirou involuntariamente os olhos, deixando claro que não julgava isso possível.

-Cameron. Ele não seria bom para você.

-Seria. Eu sei que seria. Mas não adianta pensar nisso... Ele não me ama, e isso resolve a situação.

-Ele gosta muito de você. Pode não parecer, mas ele te admira, te respeita como pessoa, adora sua companhia...

-Mas ele ama James. - Ditas em voz alta, as palavras soaram estranhas.

-Sim.- disse Lucas. -Mas ele ama James.

-O que ele vai fazer se não for correspondido?

-Eu realmente não sei. Mas sei que você passou por coisas demais hoje, e devia descansar. Boa noite, princesa.

-Boa noite.

Saindo da tenda de Cameron, Lucas retornou à de Wilson e encontrou House exatamente como o deixara: sentado ao lado da cama, com a cabeça entre as mãos, profundamente concentrado.

-Quer que eu fique com ele um pouco?

-Não, eu cubro esse turno- respondeu o amigo sem se mexer.

-Algo que eu possa fazer por vocês?

-Não.

-Boa noite então.

Sem perder tempo esperando por uma resposta que sabia que não viria, o espião encaminhou-se para a própria tenda. Ela ficava um pouco afastada das restantes de modo que, infelizmente, não houve nenhuma outra testemunha para o que ocorreu em seguida.

Enquanto se preparava para dormir, ele ouviu ruídos estranhos vindos do campo, na parte de trás da tenda. Era como se fossem passos... Mas leves demais para isto. Armando-se com uma espada e uma lanterna, ele saiu lentamente e, esforçando-se para não fazer nenhum ruído, deu a volta na tenda.

Seu queixo caiu.

Encarando-o com ar de reprimenda estava um homenzinho de não mais de sessenta centímetros de altura, roupas coloridas, comprido chapéu vermelho pontiagudo e, nas mãos, uma cestinha de vime repleta de ervas.

-Quem... Que... O que...- exclamou Lucas, tentando se recuperar do choque.

-Uma pergunta de cada vez, meu chapa!- respondeu o serzinho, como se estivesse falando com uma criança. -Quem: me chamo Taub. Que: um gnomo, como deveria ser óbvio. O que estou fazendo aqui: reabastecendo meu estoque de ervas medicinais. Não precisa se dar ao trabalho de retribuir, eu sei tudo. Você é Lucas Douglas, o espião mais atrapalhado e barulhento da face da Terra, e antes de encontrar um gnomo em seu jardim você estava pensando em um trilhão de problemas humanos um bocado fúteis. Se entendi direito, sua melhor amiga está apaixonada pelo seu melhor amigo, que por sua vez está apaixonado pelo melhor amigo dela. E você tem uma queda por uma rainha que nunca viu na vida e está fora de seu alcance. Está vendo? É por isso que eu evito humanos. Preocupam-se tanto com tanta besteira... Mas já que você me pegou, e no meio deste drama todo há uma coisa séria, vou lhe dar uma ajudinha. Está vendo aquela flor ali? Faça um chá com ela e dê ao rapaz doente: é tiro e queda. Seu médico não sai desmerecido por não saber disto, uma vez que aquela cobra é extremamente rara, e não tenho muita certeza se vocês já a descobriram. Bom, está ficando tarde. Até nunca mais!

E após essa torrente de palavras ele desapareceu com um estalo, deixando Lucas ainda parado no mesmo local, paralisado pelo susto.
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