Sétimo dia

Nov 07, 2008 23:58

Estou, mais uma vez, on track. Contam-se 11.710 palavras neste momento =)
Hoje terminei o capítulo da batalha (tenho de editar o início, mas isso não é para agora). Ontem alterei mais umas coisitas no resto do livro. Coisas como o tempo (clima) estão bastante off até agora. Referencio-as uma vez e depois deixo de lhes prestar atenção, o que creio que se torna bastante confuso. Ainda nao sei onde vou deixar o capítulo da Batalha. Desenhei também um mapa de Espilce hoje! =D Finalmente tenho um mapa decente pelo qual me guiar (e ao qual ainda posso acrescentar mais coisas se o precisar). Descobri também quantas milhas um cavalo faz por dia, para fazer a escala certa do meu mapa ^^

Bem, sem mais demoras, aqui está o capítulo da Batalha:

Capítulo 1
A Batalha
Goodwin desviou-se de uma flecha e, dando meia volta, protegeu-se na muralha. Não conseguia compreender porque diabo estava ali. Nem sabia porque começara toda aquela confusão.
Puxou uma flecha das costas e esticou-a no arco. Sempre lhe fora dito que as fadas eram amor. Mas tal não parecia verdade naquela manhã escura de Inverno. Apareciam sozinhas ou aos pares, disfarçadas pelo nevoeiro. O Sol escondera-se, nessa manhã, não querendo assistir à batalha.
Respirou fundo, deu meia volta sobre si mesmo e disparou ao acaso. Sempre pensara que Espilce era o reino da harmonia.
Sem mover o pé direito voltou a proteger-se nas ameias da muralha. Não conseguia matar aqueles seres tão pequenos.
Esticou uma outra flecha, ouvindo o zumbido de um dardo inimigo que o falhara por milímetros. Eram apenas crianças; ou pelo menos era o que pareciam.
Com um som seco um corpo caiu inerte ao seu lado, levantando uma ligeira nuvem de pó. Por um segundo os olhos de Goodwin fixaram-se na figura imóvel e todo o barulho da batalha se dissipou. Um outro segundo, piscou os olhos, e tudo voltou à confusão anterior. Talvez estivessem apenas revoltadas; certamente tudo se resolveria com medidas menos drásticas.
Esticou a flecha no arco, rodou sobre o pé direito, apontou novamente ao acaso, fechou os olhos com força e disparou, retomando à posição anterior antes de inspirar novamente. Se ao menos soubesse que Benedita estava a salvo...
Alguém gritou apenas a alguns homens de distância e três flechas cortaram o ar, desfazendo-se no outro lado da muralha. Certamente que Benedita estaria segura nos seus aposentos na torre do castelo, segurando as mãos da aia nas suas, observando a batalha que se desenrolava pela janela do seu quarto.
O corpo doía-lhe, parecia pesar pelo menos mais cinquenta quilos do que quando fora acordado nessa madrugada. Respirou fundo duas vezes, vendo mais flechas cruzarem o ar. Duas ou três fadas erguiam-se no ar, escapando flechas que voavam na sua direcção, tentando passar a impenetrável muralha.
Para a confusão que o rodeava a sua respiração parecia-lhe lenta e demasiado alta. Tudo parecia demasiado lentou, demasiado alto, demasiado... qualquer coisa, como num sonho em que sabemos que estamos a sonhar. A única diferença era que Goodwin não sonhava. Aquela era a sua realidade, aquele era o seu reino, aquela era a sua tarefa.
Puxou duas setas de uma vez e disparou-as para o céu. Tudo aquilo por causa de uma mãe descuidada, de uma criança curiosa, de uma fada amável?
Uma criancinha endiabrada que se escapara à protecção da mãe, numa tarde de Verão, caminhara no seu passo descompassado até passar a invisível fronteira do Condado das Fadas. Dois passos para Oeste e não podia mais ouvir o chamamento da mãe, o quebrar das ondas, os risos e as vozes dos irmãos. Tudo à sua volta era novo, colorido, brilhante, vibrante. Era como o fim do arco-íris, a areia o pote de ouro prometido, fadas interessadas a observarem-no, o mar aproximando-se e afastando-se calma e silenciosamente. Apareceram, quando o menino começou a chorar, as fadas mais corajosas, que o abraçaram, confortaram e levaram para um lugar seguro. Dia após dia ensinavam-lhe a dançar, a cantar, a preparar o doce mel, a pintar, a criar, a ser uma fada. À noite deixavam-no a dormir junto ao lago, perto da floresta, aproveitando o reflexo da lua na água escura. A mãe do menino, imaginando o que lhe tinha acontecido, apelou à bondade dos Reis, para que recuperassem o seu filhinho que se perdera no Condado das Fadas.
Um gemido, um som seco, dois corpos no chão. Uma criança endiabrada, uma mãe pouco vigilante, uma batalha sangrenta entre Humanos e Fadas. Num movimento fluído Goodwin deixou o arco de lado, alcançou a navalha que tinha escondida na bota, e protegeu-se do ataque furioso de uma fada macho, cujos cabelos encaracolados eram escuros e fartos.
A Rainha havia ordenado uma busca pelo menino perdido, o Rei organizara as suas tropas, os guardas montaram vigias. Procuraram o menino perdido durante várias luas, penetrando as florestas mais densas, levantando todas as pedras, abrindo todas as flores. Quase um ano passado foram os guardas do Rei descobrir uma criança humana a brincar com as fadas num descampado, tão confortável entre elas como, em tempos, estivera na sua família. Mas o pequeno tinha de ser entregue aos pais, por mais que lhes custasse, por isso, e porque o próprio Rei das Fadas se recusava a reconhecer a presença de tal criança humana entre os seus, levaram o menino enquanto as fadas dormiam, sem dar explicações ou pedir licença.
Uma fada, desta vez uma bonita jovem fada fêmea, protegida por flores de espinhos e envergando uma arma que pareceu, a Goodwin, ser feita de galhos envelhecidos, fintou várias flechas e aproximou-se de Goodwin mais rápido do que este se pôde defender. Um zumbido rápido, uma aragem forte, uma dor latejante. A estranha espada que a sua adversária envergava acertara em Goodwin de lado, obrigando-o a dobrar-se sobre si mesmo. A fada, contente orgulhosa do seu desempenho, desferiu vários golpes de uma só vez na nuca do jovem humano, tentando deixa-lo inconsciente.
Um relâmpago e chuva forte e fria juntou-se à confusão da batalha, gelando até aos ossos os guerreiros, tornando a muralha escorregadia, baralhando a visão. Ouviu-se o trovão e um grito rouco e alarmado. Goodwin tinha deixado a escuridão avançar sobre si. Sentiu um peso morto caiu nas suas costas, espigões afiados cravaram-se na sua pele, o seu sangue pulsou fortemente no seu cérebro. Piscou os olhos dolorosamente e ergueu-se lentamente, experimentando os movimentos, readaptando o olhar à luz do dia. O corpo sobre o seu rebolou para o chão, criando uma poça de sangue nas pedras da muralha. Goodwin desviou o corpo da fada com o pé para longe, tirando-o do caminho, e procurou o seu arco.
A criança e a mãe tinham sido importunados pelas fadas no início da colheita e cavalgado durante dias a fio para a protecção prometida do Castelo. Tinham atravessado o rio durante a noite, trazidos num pequeno barquinho por dois guardas que os acudiram no breu da noite, comido nas cozinhas e implorado aos Reis por protecção. As fadas egoístas, enraivecidas pelo roubo da sua criança, seguiam-nas de perto e, ao levantar da madrugada, tinham voado as primeiras flechas através da muralha, o sino de alarme havia sido tocado, os aldeões recolhido às suas casas, os guardas organizado-se em formações, protegendo as muralhas do castelo, os Reis, as Princesas e o Príncipe, a mãe e o menino.
Um grito de um companheiro fê-lo encarar uma fada de olhos pequeninos, sobrolho carregado, sorriso enlouquecido nos lábios grossos. Envergava uma arma de metal, talvez fosse uma espada, de lâmina quebrada. Voou de encontro a Goodwin e trespaçou-lhe a perna esquerda. Goodwin gemeu, mordeu o lábio inferior, e degolou a fada antes que esta pudesse comemorar o ataque.
Respirava mais rápido agora. O sangue quente escorria rapidamente pela sua perna, ensopando-lhe as calças de algodão fino, manchando-as de carmim. Fechou os olhos, apertou os lábios e de uma só vez puxou a espada da sua coxa. A dor foi ainda maior do que na altura do ataque - Goodwin gritou alto e atirou a arma para longe, quase que enojado, tentando parar a hemorragia com as mãos que pressionava contra a ferida. Esperando que a muralha o protegesse por uns segundos, rasgou uma tira da sua própria camisa e atou-a rapidamente em volta da coxa, tentando estancar o sangue momentaneamente.
Os guardas contavam menos de cem fadas, armadas com as mais diversas armas, desprovidas de qualquer técnica de ataque ou treino, mas não descansariam até terem o que tinham até ali ido para obter, nem que isso significasse a sua morte.
Goodwin suspirou. Sabia que não podia evitar disparar sobre as fadas por muito mais tempo, eram elas ou eles, a segurança dos humanos, ou a vida de algumas fadas. A batalha não terminaria até que todas as fadas que tivessem perecido, pois não regressariam para o seu condado, eram demasiado orgulhosas para isso.
Voltou-se, ajoelhou-se rapidamente, fechou um olho e fez pontaria. Uma fada macho destacava-se das outras, com um curto cabelo ruivo ondulado, formas quase juvenis, asas verdes como a ganância. Três, dois, disparou a flecha, sentindo-a deslizar suavemente entre os dedos, e viu-a enterrar-se na garganta da criatura, que hesitou no seu voo preciso, rodopiou, mergulhou nas águas geladas do rio, das quais nunca mais regressaria.
Movendo-se rapidamente trespassou uma, duas, três criaturas que se aproximavam perigosamente da muralha. Respirou fundo. Olhou à sua volta, meia dúzia de corpos humanos no chão, muitos mais pequenos e infantis. Suou um sino longínquo, arrancando Goodwin da bolha silenciosa em que se perdera. De uma só vez os seus ouvidos foram atacados pela confusão da batalha - os gemidos dos feridos, o tilintar de algumas espadas, o zumbido de umas últimas flechas, os gritos dos aldeões.
Deixou-se escorregar pela ameia em que se protegera, respirando rapidamente. A sua testa estava molhada, os seus dedos magoados, a sua camisa salpicada de sangue. O pescoço latejava-lhe. Quase que já perdera os sentidos na perna que estava agora fria e inchada, ensopada em sangue. Temendo perder a perna desapertou-a, sentindo a dor aumentar agora que o sangue fluía novamente, vertendo, ainda que mais lentamente, do ferimento.
A confusão à sua volta acalmou lentamente. Depois ouviu-se uma explosão de vivas que fez Goodwin sorrir. Passos apressados corriam a muralha, procurando os feridos, registando involuntariamente as baixas, agradecendo pela protecção.
Uma velha curandeira aproximou-se de Goodwin.
- Deixa-me observar-te, rapaz - ralhou-lhe na voz áspera quando ele tentou esconder do olhar púrpura da mulher o seu ferimento. A curandeira suspirou e abanou a cabeça - Nunca se devia importunar uma fada... Elas aprenderam com os duendes a fabricar armamento... Olhem-me só isto! Um corte sujo e incerto. Demorará semanas a cura-lo!
Goodwin sentiu-se tonto, cabeceou, tudo se tornou um vulto escuro. Uma mão fria segurou-lhe a testa para cima e despejou-lhe uma bebida quente e doce pelos lábios. Goodwin fechou os olhos com força e tentou recuperar a consciência.
- Fica... -tossiu- Ficar... em...? - tentou perguntar, mas a voz falhava-lhe.
- Shh... Perdeste demasiado sangue, rapaz - examinou-lhe as marcas negras no pescoço e afastou-lhe a camisa para lhe ver os ombros. - E também foste chibateado... Ai, as fadas... Eu disse, eu disse! Mas quem é que me dá ouvidos? Depois dos danos feitos mandam chamar a velha Gertrudes, claro.
Goodwin fechou os olhos e tentou concentrar-se. Precisava de silêncio, de paz. Precisava que a dor na perna cessasse e que o mundo parasse de girar. Olhou a velha curandeira, implorando por uma resposta.
- Fica...be...? - tentou novamente, a tosse impossibilitando-lhe a fala.
A velha olhou-o nos olhos, examinou-lhe a perna com mais pormenor e pressionou em alguns pontos o suficiente para fazer Goodwin gemer entre dentes.
- Não terei de amputar, desde que não infecte - respondeu, dando-lhe algumas palmadas na perna magoada, fazendo Goodwin gemer alto e empurrar-lhe a mão. - Mas tens sorte... Já vi cortes mais limpos em rapazes mais delicados. Já não os fazem como antigamente. Vieste de longe, não foi? Aí ainda os fazem rijos e fortes...
Goodwin suspirou e perdeu o resto da conversa da velha Gertrudes, concentrando-se apenas em manter-se consciente. Tinha sido a sua primeira batalha real e quase perdera uma perna. Tinha sido uma pequena batalha, com poucas baixas, de curta duração, mas que ameaçara a segurança de Benedita. Como podia ele protege-la quando ninguém sabia, sequer, do seu amor?
A velha Gertrudes ajudou-o a levantar-se e chamou um rapaz que por ali passava, desfazendo-se dos corpos das fadas e atirando-os ao rio em volta da muralha, para a ajudar a suportar o peso. O que no início lhe parecera poucas casualidades apresentava-se, à medida que fazia o seu caminho pela muralha, em crescimento. Feridos e inconscientes misturavam-se com os mortos, alguns pedindo ajuda, outros cansados de mais para sequer mostrarem que ainda se encontravam vivos. Goodwin tentou desviar o olhar, mas o que vira ficara gravado na sua memória. Na noite anterior tinham jantado todos no Salão, houvera música e danças, todos riram e beberam, cortejaram as moças e quebraram corações. Agora, umas meras horas depois, uns já não respiravam, outros não o fariam por muito mais tempo. Com o moço debaixo do seu braço direito, Goodwin caminhou daquela maneira desengonçada até ao Castelo, descendo o mais lentamente possível as escadas, tentando manter-se na perna direita, que não fora ferida, em vez de usar a força da velha curandeira para o suster de pé.
O salão do castelo tinha sido transformado para acolher todos os feridos. Estava escuro e o ar estava frio e com um cheiro a álcool que fez o nariz de Goodwin controcer-se. Vários homens e mulheres faziam mezinhas, misturavam poções ou simplesmente limpavam e ligavam ferimentos. Aqui e ali havia um guerreiro em pior estado, à volta do qual se reuniam vários curandeiros e sábios, partilhando conhecimentos e energia, tentando salvar uma vida.
Goodwin foi levado para o fundo do salão, perto da janela larga, deitado no chão de pedra fria e coberto, imediatamente com um manto de viagem gasto pelo tempo. Não se apercebera de como termina até sentir o corpo descongelar lentamente. Entregaram-lhe uma bebida quente, a velha curandeira rasgou-lhe as calças e tocou-lhe na coxa com os longos dedos frios. Murmurou umas palavras rápidas a uma donzela e esperou que lhe trouxessem o que pedira.
A donzela voltou rapidamente, com o cabelo solto, num desalinho, o vestido amarrotado e sujo. Trazia nas mãos alguns panos e uma taça com um duvidoso líquido incolor. A velha Gertrudes conjurou uma chama branca que ficou a flutoar perto da sua cabeça, iluminando o corte. A luz branca acalmou Goodwin, fazendo a sua respiração voltar ao normal. Olhou a donzela que observava os movimentos rápidos e conhecedores da curandeira. O jovem arqueiro reparou então o que a escuridão não lhe revelara antes - a donzela tinha cabelos encaracolados, faces rosadas e sardas. Sorriu-lhe e perdeu-se no seu olhar. Respirou fundo e tudo se apagou.

<3

espilce

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