Title: Habits
Autora: Pollyweasley
Ships: Harry/Draco, side Ron/Hermione, Blaise/Ginny, Pansy/Luna, Oliver/Percy
Rating: PG-13 (Insinuação e Linguagem)
Contagem de Palavras: 5,5k
Sinopse: Ele odiava os clubes, odiava a bebida, odiava os caras com quem dançava e caia todas as noites, e odiava os dias seguintes. Mas ele não conseguia parar. Ele não conseguia parar simplesmente porque estar sóbrio era muito pior do que estar de ressaca. Pensar na dor de cabeça, no gosto de bile e no esporro que levaria de Pansy era melhor do que a dor que constantemente estava ali. Que não saia mesmo depois de um orgasmo com um cara delicioso. Que não se dissipava mesmo quando ele estava rindo e dançando. Ele precisava ficar adormecido para não pensar. E fazia isso noite, após noite, após noite...
Avisos: Vício, promiscuidade, uso abusivo de remédios, TEPT, angst, amigos sendo fofos, (eu tentando ser realista).
Disclaimer: Os personagens de Harry Potter são propriedade de J.K. Rowling e Bloomsbury/Scholastic/Rocco. Fic sem fins lucrativos, feita apenas pra diversão.
Como prometido, Patil apareceu bem cedo em seu quarto. Draco seguiu sua rotina, decidido a melhorar, no mínimo porque queria parar de tremer e ficar enjoado o tempo todo. A perspectiva de ter convulsões era assustadora, e ele nem queria saber de ter delírios e pesadelos - já era o suficiente os que tinha antes de tomar essa poção maravilhosa que Patil enfiava em sua boca todos os dias. Era sexta-feira, ele não tinha uma programação fixa, mas acabou saindo depois do café da manhã, reencontrando Drake que estava na horta com uma garota chamada Letty. Ele ficou tentado a virar à esquerda e ir para a área bruxa, onde provavelmente iriam começar o jogo de quadribol, mas acabou seguindo o mais jovem. Draco não sabia exatamente o porquê, mas era como se algo o fizesse querer ficar próximo do rapaz nem que fosse para se assegurar que ele não faria nada errado.
Foi chamado para jogar uma partida de futebol, e ele ficou nervoso, porque tinha dito que jogava na escola, mas não sabia exatamente as regras do jogo. Não pôde negar por causa de sua mentira anterior, mas a verdade é que foi bem fácil entender. Basicamente, eles não seguiam nenhuma regra. Alguns usavam camisas coloridas, e como Draco estava com seu casaco preto, logo o colocaram no time de camisas pretas.
O único objetivo era chutar a bola e marcar o gol na trave do time inimigo, e Draco ainda era bastante rápido. Correr era muito mais cansativo do que voar, ele pensava, ou talvez estivesse fora de forma. O que ele sabia era que, no final do jogo, todo o seu corpo doía e seus pulmões pareciam estar pegando fogo. Ele estava respirando pesadamente pela boca, suado e vermelho, a franja grudando na testa e o sentindo dor em músculos que ele nem sabia que tinha. Mas estava rindo feito um idiota porque seu time tinha ganhado. Drake tinha conseguido uma cesta cheia de hambúrgueres para o time vencedor, e Draco sentiu um prazer quase doentio em comer sua parte e saber que aquele era o prêmio por ter sido vitorioso.
- Mesmo depois desses anos, você ainda é muito bom! - Drake elogiou, lambendo os próprios dedos sujos de molho. - A gente joga toda sexta. Não quer fazer parte oficial do time?
Draco não sabia se deveria, mas acabou aceitando. Já teria quadribol durante a semana, então não sentiria falta. Era bom poder explorar algo novo e conhecer pessoas novas, talvez até dormir com pessoas novas...
Ele decidiu bloquear aquele pensamento. Ele estava ali trancado naquele local, tão perto de Potter. Poderia finalmente admitir para si mesmo que queria o cara e queria se mostrar melhor para ele. Que tinha mudado. No entanto, uma questão ainda ficou em sua cabeça.
- Drake, a gente pode fazer sexo aqui? - Perguntou, e o rapaz ergueu uma sobrancelha.
- No campo?!
- Não, idiota - Draco girou os olhos e xingou antes que pudesse evitar. Drake riu da cara dele e Draco não segurou o próprio riso, chutando-o levemente. - Na fundação. É permitido levar pessoas para o seu quarto?
- Bem, tecnicamente não. Vício em sexo é outro tratamento associado à drogas e entorpecentes. Mas as pessoas sempre dão um jeito. - Ele riu, despreocupado. - Por quê? Você quer fazer sexo com alguém?
- Só curioso. - Foi o que Draco respondeu, mas no fundo de sua mente ele sabia exatamente quem ele queria levar para o seu quarto para quebrar as regras.
Apesar de sexta ter sido um dia bom, não foi fácil para Draco se adaptar. Na verdade, ele estava ficando chateado. As aulas de pintura eram estúpidas, yoga era estupidamente difícil mesmo que ele fosse bastante elástico, seu time designado no quadribol era uma merda e PERCY WEASLEY. Se não bastasse trabalhar na biblioteca, ele tinha que lidar com o Todo-Certinho-Weasley, que o seguia como se não tivesse outras pessoas para observar, e que parecia se derreter em sua mesa sempre que Oliver Wood aparecia. Segundo Clearwater, os dois estavam juntos há algum tempo e muito felizes. Draco queria que eles fossem ser felizes no inferno.
Mesmo com as poções, ele percebeu que seu humor estava instável. Ele ficava furioso por nenhum motivo, ou chorava de forma desesperada sem saber o porquê. Padma - finalmente ele tinha decorado - fazia diagnósticos diários e exclamava um "Draco, você está grávido!" sempre que ele estava tendo uma de suas crises de humor, e ele não conseguia ter raiva dela. Padma era sua única constante, e com o passar dos dias, a medibruxa e Drake o faziam suportar os encontros semanais com o grupo de apoio, a curandeira mental e Potter.
O grupo de apoio não era tão ruim. Várias pessoas sentavam-se perto da lareira confortavelmente com chocolate quente e contavam histórias sobre seus vícios. Eram histórias distantes e tristes, que Draco tentava não se identificar, mas via aqui e acolá certos padrões. Ele nunca falava, sempre passava a sua vez. Ninguém era obrigado a falar e ele se aproveitava disso.
Clearwater era outro assunto. A mulher era sempre calma, firme e atenta, e parecia arrancar dele palavras com a mesma facilidade que sua mãe conseguia detectar uma mentira. Depois de algumas semanas, ela apareceu com um relatório e o explicou.
- Draco, você tem um diagnóstico de Transtorno pós-traumático. Isso explica muita coisa. Mas precisamos repensar seu tratamento e modificar sua medicação. - Ele quis se controlar, mas era revoltante. Ele não era doente. Ele NÃO ERA doente. Draco se sentiu culpado, depois, por ter gritado na cara dela, e ter destruído o consultório. Ela não se mexeu. Na verdade, nem ao menos reagiu quando ele destruiu tudo. Depois que ele jogou-se na poltrona, soluçando e arfando, ela reorganizou tudo com um movimento de varinha, aproximou-se e lhe entregou seus lencinhos de papel.
- Sair daqui só depende de você, Draco. - Ela disse, calma. Ele sabia que era verdade, mas algo em sua mente se recusava a aceitar.
Sua mãe, Pansy e Blaise visitavam com certa frequência. Theo aparecia de vez em nunca, e até mesmo Luna veio ver como ele estava. Sua mãe estava exultante de vê-lo sóbrio, e fazia planos para quando ele voltasse para casa. Ela parecia tão feliz em vê-lo preso ali dentro que ele se sentiu magoado e falou pouco com ela. Ele gostava de ser visitado, mas ao mesmo tempo não queria precisar dessas visitas. Queria estar fora dali, de volta em casa, de volta à sua vida. Aquelas horas de conversa que tinha com seus amigos só o lembravam que ele estava preso ali, enquanto havia um mundo inteiro do lado de fora.
As consultas com Potter não ajudavam. Draco tentava arrancar qualquer coisa dele, mas o curandeiro estava sendo o mais profissional possível. Draco sabia que o afetava - Harry muitas vezes precisava respirar fundo para continuar, suas mãos tremiam levemente e suas bochechas ficavam rosadas - mas ele não entendia porque Potter não aceitava suas investidas. Ele estava sóbrio. Estava sóbrio há eras, e decidido a ser fiel ou o que seja que Harry Potter fosse esperar dele. Era patético, mas cada vez que conseguia arrancar um sorrisinho do moreno, ou quando seus apertos de mão duravam mais tempo do que o necessário, ou quando o moreno tirava sua franja do rosto, o coração de Draco dava um pulinho de esperança, uma sensação de queda-livre tomando conta de seu estômago. Harry, no entanto, logo se afastava, deixando-o sozinho.
Draco fazia os almoços, lavava pratos e ia para as aulas de pintura. Ele era bom nisso, percebeu, e Dean Thomas o encorajava. O ponto em que as coisas começaram a mudar foi quando um dia, Thomas pedira para que eles desenhassem as coisas que eles mais odiavam, e Draco fez um desenho de si mesmo.
A partir daquele momento, ele pôde perceber porque Harry era tão distante. Draco era um viciado. Na verdade, era difícil lembrar-se do período em que ele não estava bebendo e enchendo a cara. Às noites, quando olhava para o teto de seu quarto, Draco prometeu a si mesmo que iria mudar. Que iria melhorar e se aplicar ao tratamento por Harry.
Harry tornou-se seu objetivo, e ele não iria desistir de forma alguma de tê-lo novamente. À noite, quando se tocava sozinho no escuro, imaginava que seus dedos eram os dedos dele, e que sua voz murmurava palavras sujas em seu ouvido. Fazia tanto tempo que Draco não fazia sexo que sua imaginação estava ficando cada vez mais criativa. Tinha sonhos vívidos, e nenhuma vergonha de usá-los como material de masturbação. Durante as consultas com Harry, o provocava e flertava, mas não avançava, e Draco sentia que ele queria retribuir, somente por seus sorrisos envergonhados de lado.
- Draco, você não pode fazer isso para ganhar um amor. Você precisa fazer por você mesmo. - Padma disse quando Draco lhe confessou seu plano.
- Ao menos estou fazendo, não é? - Draco reclamou. O remédio para a abstinência e o transtorno o estavam deixando lerdo e enjoado, mas pelo menos ele não tremia com tanta força quanto antes, mesmo quando fazia horas desde a poção anterior. Ele estava enjoado, mas tentava não demonstrar. Padma estava tirando sua pressão no momento. - Eu sei que ele ainda gosta de mim. Ele nunca conseguiu disfarçar.
- Ele não consegue mesmo. - Ela riu. - Quando estávamos no baile de inverno, ele só faltava comer Chang com os olhos.
- Não vamos lembrar desse dia horrível. Ele estava lindo e nem olhou pra mim o dia inteiro. Foi horrível. - Draco disse, dramático, e a medibruxa riu, anotando algo em seu relatório e tirando a varinha de seu ponto de pulso.
- De qualquer forma, pense nisso, Draco. Você é seu próprio herói. Harry é seu médico, mas a recuperação é mérito todo seu. Tenha um pouco mais de amor próprio. - Ela disse, e Draco revirou os olhos.
- Me dê um vibrador de 23,5cm e eu me amarei MUITO mesmo! - Ele disse, fazendo-a rir mais ainda antes de sair do quarto. Na semana seguinte, havia um pacote retangular em sua cama com um lacinho logo que chegou do jantar, com seu presente mais desejado dentro. Ele soltou uma gargalhada, decidindo que precisava agradecer à Padma. Mas depois que brincasse com seu novo brinquedo.
- Vou embora semana que vem. - Drake disse durante uma das sextas de futebol. Os dois estavam suados, sentados sob uma árvore e conversando. Eram do time perdedor naquele dia, e Draco olhava com inveja o outro time devorando as comidas que foram o prêmio. - Já vou fazer quatro meses. Eles acham que estou livre. Nem tomo mais remédios nem nada.
- Isso é maravilhoso, Drake. Queria ter sua sorte. - Draco suspirou, encostando na árvore e respirando fundo, buscando seu próprio fôlego.
- Você não tem nem três meses aqui. Ainda precisa passar um tempo. - Drake passou a mão pelos cabelos negros, sorrindo para ele. Draco sentiu, mais uma vez, o desejo avassalador de adotá-lo, cuidar dele como um cãozinho perdido. - Me promete que vai ficar limpo quando sair daqui?
- Vou estar tão limpo que vão me usar como desinfetante. - Draco disse, e o mais novo riu, aproximando-se e lhe dando um abraço suado. Draco não se importou tanto assim.
- Você foi um dos caras mais legais daqui. Espero que a gente se encontre de novo lá fora. - Drake parecia se controlar quando disse, engolido em seco.
- Pode apostar que a gente vai. - Draco assegurou, batendo no ombro dele com afeição.
Os dias começaram a passar rápido demais. Draco havia se acostumado com a rotina da fundação, e não precisava mais que Padma o seguisse para todos os lados para que ele soubesse para onde ir. Conheceu pessoas novas, fez amizade com outras pessoas ali dentro, funcionários e internos. Com certeza tentaria manter contato com Padma - talvez até com Lavander, apesar da instrutora de Yoga ter alguma obsessão com sua bunda. Teria que ver de que forma conseguiria manter contato com Drake - nenhum dos dois tinha telefone celular, e Draco não podia lhe mandar uma coruja, mas sabia que conseguiria eventualmente.
No dia em que o rapaz saiu, foi feita uma despedida por parte dos funcionários e outros internos. Draco foi convidado e sentiu-se agitado demais bebendo refrigerante. Ele nunca teve costume de beber esse tipo de bebida trouxa, e depois de meses sem beber nada mais pesado que suco de uva, seu corpo estava necessitado de algum tipo de energia. Ele não dormiu direito aquela noite, mas sentiu-se bem. Esperava que fosse tão divertido assim no dia de sua própria despedida.
- Potter. - Na tarde seguinte ele se sentia muito animado, tanto que deixou-se levar por suas vontades mais secretas. Havia uma aura azul ao seu redor e o moreno olhava-o e tomava notas. - Você gostava de mim quando a gente ficou junto?
A pergunta foi tão sem malícia que Harry ergueu a cabeça, inclinando ela um pouco.
- Eu achei que eu tivesse sido óbvio. - O moreno disse, e Draco negou com a cabeça.
- Eu sei que você cortou tudo por causa do dia dos namorados, mas eu não... Eu não achei que você gostasse de mim. Só que queria exclusividade. - Draco admitiu, e Harry dissipou o feitiço, sentando-se na cadeira do consultório.
- É claro que eu queria. Eu estava apaixonado e idiota. Eu achei que de alguma forma você gostasse de mim também, mas não era o caso. - Harry estava sério quando falou, mas seus olhos não encontravam os de Draco.
- Eu gostava de você. Eu só... É como se aqui - Draco tocou a própria cabeça com o indicador. - algo não me fizesse perceber.
Harry riu, tristemente, e passou a mão pelos cabelos, assanhando-os ainda mais.
- Eu sei disso, agora. Eu realmente me importo com você. Mesmo. - Harry disse, e por um instante, seus olhos fixaram-se com os de Draco, e o loiro demorou un tempo para falar.
- Você ainda me ama?
Harry não respondeu. Ele mordeu o lábio inferior e desviou o olhar, suspirando e erguendo-se da cadeira.
- Eu não posso te responder isso.
- E por que não? - Draco ficou ofendido, erguendo-se da maca. Queria brigar, mas a medicação fazia com que sua agressividade fosse controlada.
- Porque eu não confio em você! - Harry admitiu, mais alto do que deveria. - Você me quebrou uma vez e eu demorei muito para juntar os caquinhos de volta. Eu não posso deixar meu coração fazer o que quer, e depois você sair daqui e começar tudo de novo! - Harry parecia tão dolorido que Draco não se controlou. Ele cruzou o consultório em largos passos e o abraçou. Para sua surpresa, Harry o abraçou de volta imediatamente.
- Me perdoa. Sério. Me perdoa por ter sido tão estúpido. - Draco murmurou contra os cabelos dele. Aspirou, sentindo aquele cheiro de chocolate entre os cheiros de hospital. Era reconfortante.
- Eu te perdoei há muito tempo, Draco. Mas meu coração não está pronto pra ser magoado de novo. - Harry disse, e se afastou dele. Draco quis perguntar se ainda havia alguma chance para os dois, mas não disse mais nada. Inclinou-se, beijando-o na bochecha e murmurando contra sua pele.
- Eu vou te provar, Harry Potter, que ninguém vai te fazer tão completo quanto eu. - Seu tom era presunçoso, e Harry sorriu.
- Estou contando com isso.
Sua conversa com Potter havia deixado-o confiante. Ele estava mais calmo, suas mudanças de humor estavam acontecendo bem menos, a tremedeira tinha diminuido de forma considerável e, apesar dos enjôos e de não poder parar de tomar as poções ainda, ele se sentia fazendo grandes avanços. Reconhecia, hoje, que tinha feito coisas perigosas que afastaram pessoas de si. Mas estava determinado a mudar. Ele iria provar que era bom o suficiente para que Potter confiasse nele novamente.
Padma achava seu pensamento doentio, mas Draco passou quase um mês com esse único objetivo em sua mente. A cada dia que passava, ele acordava pensando em dar o seu melhor para que Harry visse o seu esforço, e dormia pensando nos sorrisos que conseguira arrancar do médico. Não trocaram nada além de abraços, mas, à noite, Draco imaginava que seu brinquedo era ele, que era Harry abrindo-o deliciosamente, pressionando suas pernas contra seu peito. Draco sabia que Harry pensava em seu corpo sob os cuidados de suas mãos calejadas. Se não pensasse, não teria colocado-o na yoga. Agora sim ele havia entendido o motivo daquilo. Esse pensamento fazia com que Draco se esforçasse ainda mais nos exercícios, o que estava lhe dando um corpo mais forte e definido. Ele nunca teria os músculos que ele SABIA que Harry ainda tinha, seus genes não eram para força, e sim elegância, mas por baixo de seus membros longos e esguios, era possível discernir os músculos, as linhas que separavam um do outro estavam definidas e ele nunca amou tanto se olhar no espelho. Seus lábios estavam cheios e rosados, seus cabelos macios, seu corpo com um nível delicioso de carne nos lugares preferidos de Harry. Draco estava feliz. Ele tinha um objetivo. E esse objetivo era Harry Potter.
Ele não pensava que seus objetivos iriam mudar de uma forma tão violenta. Tão drástica.
Era uma quarta, e ele estava saindo da reunião com outros internos quando notou um movimento estranho perto da recepção do prédio. Curioso, ele andou até lá, começando a ouvir as vozes assustadas, e uma mulher gritando em desespero. Medibruxos corriam de um lado para outro, e o local estava lotado por estar próximo do horário de jantar. Ele empurrou algumas pessoas para chegar ao centro da confusão, e parou no lugar quando viu, sua mente esvaziando-se.
Harry estava no chão, com o rosto pálido e mãos trêmulas, examinando um rapaz caído. Uma mulher, que parecia ser a mãe do rapaz, segurava nas vestes do curandeiro, implorando-o, aos gritos, que salvasse seu filho. O rapaz tremia no chão, olhos vazios e vítreos, uma grande quantidade de saliva saindo de sua boca enquanto ele convulsionava. Harry tentava colocá-lo de lado para que não engasgasse em sua própria saliva, mas a mulher não parecia perceber o esforço sobre-humano que ele estava fazendo para salvar o rapaz.
Drake.
Draco foi empurrado com violência para um dos lados. Chang e Padma vinham empurrando uma maca, e como se fizessem isso com imensa facilidade, seguraram Drake pelos braços e pernas, erguendo-o e colocando-o sobre a maca. Harry tentou levantar-se, mas a mulher o segurou pelo colarinho, fazendo-o ser puxado para baixo.
- Você vai salvá-lo, não vai? Diga que vai! - Ela gritou, entre lágrimas, e Draco não viu a si mesmo se movendo até que ele já estava segurando a mulher pelos braços e puxando-a para trás.
- Se você não soltar o médico, ele vai morrer, minha senhora. - Draco disse, sua voz calma, mas seus olhos viraram-se para o rapaz que se contorcia na maca. Harry o olhou, como que agradecendo, antes de correr com as medibruxas para sabe-se lá onde.
Os olhos vítreos de Drake o acompanharam por toda aquela noite. Mesmo depois quando todos se retiraram para o salão de jantar, Draco não conseguiu comer. Patil não apareceu para lhe dar sua poção, mas ele não estava preocupado. Na verdade, ele não se sentiu mal ou trêmulo por não tê-la tomado. Sua dose atual deveria estar mínima para que ele não sofresse os efeitos horríveis, ainda que no fim da noite ele não tivesse conseguido dormir e sentiu-se fraco. Ele sabia que a mudança pela qual deveria passar naquele momento não era física. Três meses depois, seu corpo estava limpo. Mas sua mente estava mais confusa do que nunca.
Draco achava que tinha achado um objetivo. Uma obsessão, uma loucura, ou o que quer que sua medibruxa falasse, mas ele tinha um. Ver Drake - Drake, que ria e jogava como uma criança que era, um adolescente! - naquela situação, fez com que Draco sentisse que não havia nenhum motivo para continuar. Pra quê? Ele estava bem. Uma garrafa não faria mal. Ele não iria ficar bêbado, sabia disso. Não precisava das poções, só uma garrafa. Só uma.
Ele ergueu-se, seu cérebro trabalhando a 500 quilometros por hora. Ele precisava beber algo. Alguma coisa para esquecer a visão que tinha acabado de ter. Ele sabia que não havia nada no quarto, mas no banheiro... Ele ergueu-se de sua cama, andando até o banheiro e pegando o enxaguante bucal. Aquilo tinha álcool, ele sabia. Abriu a tampa, cheirando o conteúdo e pensando um pouco. Realmente valia a pena?
Draco mordeu o lábio inferior por alguns segundos. Ele precisava beber algo. Qualquer coisa. Qualquer coisa servia. Ele segurou a garrafa com mais força, virando-a na boca e engolindo o líquido ardente que desceu por sua garganta. Uma ânsia de vômito subiu de encontro ao gosto forte, e ele cuspiu na pia, sua garganta fazendo movimentos contrários para expulsar a substância de seu corpo. Seus olhos encheram de lágrimas e sua boca adquiriu um gosto doce, mas ele não chegou a vomitar. Ele fechou o frasco, com vergonha do que havia acabado de fazer, e lavou o rosto, tentando se acalmar. A visão dos olhos do rapaz, no entanto, não saiam de sua cabeça.
Ele sabia o que era aquilo. Draco queria não saber, mas ele sabia. Drake saiu da fundação com a esperança de estar livre finalmente. Mas um deslize o fez voltar. Uma mísera falha como a que Draco estava tentando cometer naquele momento o fez voltar para aquela prisão.
O loiro correu para a varanda, sentindo o vento da noite em seu rosto e segurando no parapeito. Olhou para baixo, se perguntando se realmente valia a pena continuar vivo, de qualquer jeito. Ele iria sair dali no mês que vem, sem Harry, com sua reputação na lama, e provavelmente faria o mesmo até que estivesse numa maca igual Drake. Sem pensar, Draco impulsionou-se para cima, tentando subir no parapeito, mas uma pressão forte o empurrou para trás.
Surpreso, ele ergueu uma mão, tocando a proteção anti-suicídio. Seu corpo inteiro sentiu dor. Não uma dor física, mas uma dor emocional. Ele tinha achado aquela proteção estúpida logo quando chegou, mas lembrar-se dela nesse momento em especial o fez repensar. Quantos? Quantos ali dentro não tentaram o mesmo que ele tentara naquele mesmo segundo?
Ele cambaleou para trás, encostando-se na parede. Ele não podia ficar sozinho naquele momento. Ele não podia simplesmente ficar ali naquele quarto, sozinho, querendo morrer. Ele achava que os dias de querer morrer tinham passado. Saiu do quarto e não esperou pelo elevador. Correu escadas abaixo, sem se importar com a hora, em direção ao consultório de Harry. Ele precisava dele. Emocionalmente, precisava dele.
Draco nunca correu tão rápido quanto naquele dia. Ao chegar ao consultório, abriu sem pedir permissão. Harry o olhou assustado, parando no meio do processo de tirar o jaleco, um braço para fora e um ainda dentro.
- Drac- -
- O que houve com ele? - Draco perguntou, entrando e fechando a porta, seu rosto uma clara demonstração de que ele não estava nada bem.
- Drake Beckett. Ele era seu amigo, não era? - Harry perguntou, e algo em seu tom de voz fez os ombros de Draco tremerem, e ele não conseguiu mais controlar. Lágrimas grossas desceram pelas suas bochechas, e ele soluçou.
- Era...?
Harry franziu as sobrancelhas, terminando de tirar o jaleco e jogando-o em cima da cadeira. Por baixo, ele vestia uma calça branca, e uma camisa branca simples. Harry era todo, todo brancura, e Draco desejou não ser o lado negro dos dois. Ele queria aquela brancura para si, cada pedaço dela. Potter aproximou-se, e Draco achou que ele fosse pegar a caixinha de lenços de papel e estender para ele, como Clearwater fazia. No entanto, Harry ergueu uma mão, limpando suas lágrimas com os dedos. Draco fechou os olhos, aproveitando aquela proximidade. Foi o primeiro toque que Harry lhe deu voluntariamente depois de tantos anos separados.
- Drake era muito jovem. Ele achou que uma vez só não fosse dar em nada. Só mais uma antes de “nunca mais”. - Harry tinha uma voz gostosa de ouvir. Era rouca, baixa e leve, como se ele a tivesse treinado. Draco podia ver e ouvir o médico nele, mas havia uma gentileza no toque e no timbre que eram Harry. Eram Harry quando ele o pedia para dormir consigo. Eram Harry quando ele lhe perguntava se queria que ele tirasse sua roupa. Eram Harry quando ele perguntava se Draco não queria ficar para um chá. - Ele teve uma parada cardíaca. Desculpe, Draco. Eu fiz tudo o que eu podia. E o que eu não podia também.
Draco sabia. Ele sabia que Harry jamais deixaria que Drake morresse sem tentar. Sabia que, caso o jovem ainda estivesse vivo, Harry ainda estaria tentando salvá-lo. Mais uma vez, Harry o surpreendeu. Puxou-o para um abraço, aninhando Draco em seus braços e deixando que o mais velho chorasse em seu ombro. Puxou-o para a maca que havia lá, apoiando-o entre suas pernas e começando a alisar suas costas e cabelos. Draco nunca se sentiu tão em casa. Ele também nunca se sentiu tão perdido.
- Eu n-não quero m-mo-morrer...! - Ele admitiu, entre lágrimas e soluços, e o aperto de Harry tornou-se mais forte. - Eu n-não queria nada disso!
- Eu não vou deixar você morrer, Draco. - Harry disse, e Draco fungou, abraçando-o com força.
- Harry... Harry, por que você não pode ser meu? Por que não? - Draco perguntou, querendo se livrar da injustiça daquilo tudo.
- Eu sou seu médico. - Harry disse, e Draco riu de leve, afastando-se dele para olhá-lo nos olhos. Não queria que Harry o visse assim. Os olhos vermelhos, nariz inchado e escorrendo, cabelos assanhados. Mas decidiu que não ligava mais. Harry já tinha visto o seu pior.
- Não seja mais. Não seja mais meu médico. - Draco pediu, lambendo os lábios secos. - Eu não aguento mais amar você de longe, leão.
Draco sentiu - literalmente, sentiu - sob sua palma quando o coração de Harry acelerou. Ele sentiu uma vontade louca de deitar a cabeça sobre o peito dele, e entendeu porque Harry amava fazer isso. Harry olhou-o como se estivesse a ponto de dar-lhe um beijo, mas não o fez. Ao menos, não na boca. Ele segurou os lados da cabeça de Draco, e puxou-a para baixo, beijando sua testa antes de encostar sua própria testa na dele.
- É isso que você quer? - Harry perguntou, num tom baixo. Draco não precisou pensar por dois segundos.
- Sim. É isso que eu quero.
Naquela noite, Draco dormiu na maca do consultório, e Harry, na poltrona próxima a ela, sua mão segurando firmemente a mão do loiro. Draco ainda queria melhorar por Harry, e seus pensamentos obsessivos não iriam sumir de uma hora para outra, mas ele havia percebido algo importante com a dor que sentiu naquele dia. Quando acordou, muito antes de Harry, no dia seguinte, observou seu rosto e decidiu que iria melhorar por si mesmo. Seus olhos ardiam, e havia uma dor profunda dentro de si em saber que Drake não iria lhe cumprimentar na sexta pela manhã, não por não estar mais em tratamento, e sim por não estar mais vivo. Entretanto, aquela dor - justamente aquela dor - era o que o fazia pensar que Drake Beckett e Draco Malfoy talvez tivessem tido um presente parecido. Nomes parecidos, dois viciados dentro de um centro de tratamento, uma vida fodida desde a mais tenra idade. Mas Draco Malfoy não era Drake Beckett. E isso o faria querer provar esse fato simplesmente por continuar vivo.
Nos primeiros dias que se seguiram, no entanto, não parecia que qualquer coisa tinha mudado na relação de Harry e Draco. O loiro recebeu sua dose de poção no dia seguinte, como sempre, e decidiu participar de suas atividades mesmo que não houvesse realmente uma vontade. A poção tendia a amortecer os sentimentos negativos que tomavam conta de si quando não a tomava, e nada parecia fora do normal.
Quando o sábado chegou, ele recebeu uma visita de Pansy. Ele contou a ela tudo o que acontecera, e ela chorou por longos minutos, abraçando-o e dizendo o quanto estava orgulhosa dele. O loiro ficara constrangido, e por consequência, rabugento, mas seu coração estava inchado de felicidade por saber que estava fazendo algo certo. Sua mãe apareceu sem falta, com seu bolo favorito e uma admiração sem tamanho. Draco podia ver o quanto ela estava feliz em vê-lo bem, e ele sentiu uma enorme necessidade de pedir desculpas. As palavras não queriam sair de sua boca, mas ele não queria perder nenhuma oportunidade.
Draco já vira a morte de perto, mas em nenhuma dessas vezes, sua morte seria culpa sua. Ele queria mostrar a Narcissa que ele não seria seu próprio carrasco.
- Mãe... - Ele parou na metade de sua fatia de bolo, colocando-a de lado e lambendo os dentes, certificando-se de que não estavam sujos. Não queria conversar aquilo parecendo um ridículo. - Eu... Eu sei o quanto eu fui estúpido em todos esses anos. O quanto te deixei preocupada. O quanto... O quanto fui irresponsável e te magoei. Eu... Eu queria dizer que sinto muito. Por tudo o que eu te fiz passar. E que... - Ele fungou, odiando-se por estar tão sentimental naqueles dias. - E que eu me arrependo por tudo o que eu disse. E fiz. Eu... Eu realmente quero sair disso.
Narcissa sorriu, limpando os olhos delicadamente com os dedos compridos, tão parecidos com os de Draco, e abraçando-o com força.
- Você sempre vai ser meu menino, Draco. Meu bebê. Eu sempre vou estar aqui pra você. Não importa o que aconteça. - As palavras dela foram simples, e ela não falou que aceitava suas desculpas. Mas estava óbvio que ela não precisava. Seu coração jamais guardou rancor contra Draco. Aquilo fez com que ele se sentisse mais culpado, mas mais determinado ainda a continuar em frente.
No final da tarde, quando todos já tinham ido embora, ele não estava esperando mais nenhuma visita. Recebeu uma carta de Blaise e uma caixa de chocolates sortidos de Theo - todos os chocolates de rum sarcasticamente faltando de seus compartimentos, com uma nota de ‘comi todos para te ajudar’. Ele decidiu passear pelo jardim, ainda que aquilo o lembrasse de quando Drake estava ali. Andou sem nenhuma direção específica, mas parou quando ouviu uma voz lhe chamando.
Curioso, ele virou-se, vendo que Harry andava em sua direção. Ele vestia uma calça jeans comum, uma camisa verde-escura e tênis. Era estranho vê-lo sem suas vestes de curandeiro, mas também era um alívio. Além de ser curandeiro, Harry ainda era Harry. O mesmo Harry de cabelos assanhados, óculos de grau e quase dez centímetros mais baixo do que o próprio Draco. Ele sorriu, cruzando os braços e esperando Harry se aproximar. Ele parecia um arauto de novos dias, com o céu nublado sobre si e o vento bagunçando ainda mais os seus cabelos.
- Ainda é seu horário de visitas, não é? - Harry perguntou, ao mesmo tempo em que Draco sentiu o primeiro pingo de chuva sobre seu nariz.
- Está quase acabando. Você vai ter que ser rápido. - Draco tentou disfarçar o sorriso, mas este só crescia em seus lábios. Mais pingos caíram sobre si. Ele não se importou. Harry também não.
- Eu tenho costume de demorar. Faço tudo bem... Bem... Bem devagar. Só depois é que deixo as coisas aumentarem de velocidade. - Harry falou, e Draco abriu a boca. Não esperava um comentário tão sexual do moreno. A chuva começou a cair de vez em cima deles, surpreendendo o loiro e ensopando suas roupas. Harry riu.
Naquele momento, no entanto, Draco viu algo incrível. O portão da frente começou a abrir-se, e sem pensar duas vezes, ele disparou para fora da fundação. Ele podia sentir Harry correndo atrás de si, mas suas pernas treinadas pelo futebol toda semana fez com que ele corresse furiosamente para fora, para o parque imediatamente à frente da fundação. Não foi muito longe. Sentiu o peso de Harry sobre si, jogando-o para o chão e empurrando-o contra ele.
- O que você está fazendo?! - Harry vociferou, mas Draco riu, virando-se para que pudesse ficar deitado de costas para baixo, o rosto mirando o de Harry.
- Não queria fugir. - Draco admitiu, e Harry pareceu confuso.
- Então...?
- Eu só queria saber se você iria correr atrás de mim. - Draco admitiu, erguendo uma mão e enfiando-a entre os cachos molhados do moreno.
Harry o olhou surpreso, mas sorriu de lado.
- Um sonserino até o fim. - Harry fez menção de levantar-se, mas Draco o segurou por onde sua mão estava. Com Harry em cima de si daquela forma, ele sentia seu coração acelerar, a expectativa crescendo.
- Quero a verdade, Potter. - Draco disse, mais sério. - Eu tenho alguma chance?
Harry riu, apoiando-se com as duas mãos dos lados do rosto de Draco, aproximando-se tanto que o loiro podia sentir sua respiração contra seus lábios, o roçar da boca de Harry na sua, e a chuva. Ele sentia-se purificado.
- Ah, meu dragão... - Harry suspirou contra sua boca. - Você tem todas as chances.
E, sem mais nem menos, ele acabou com a distância entre os dois, dando-lhe seu primeiro beijo - ou o que parecia ser seu primeiro beijo - depois de três, longos e vazios, anos.
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Chapter 5 Chapter 3