[fanfic] Footprints in the Snow - capítulo 1

Jan 23, 2009 21:07

Capítulo teste da nova fic...  nunca fico muito satisfeita com o começo das coisas, então não vou me estressar muito 8D
Sim, eu viajo.

\o\

I - Solitary man

O dia começava realmente bonito, o céu era o mais limpo que ele já havia visto na vida toda. O sol não era tão forte e as nuvens eram brancas e numerosas, e contribuíam para a beleza da paisagem abaixo. As temperaturas negativas não importavam para quem andava por aquelas ruas cobertas de neve e gelo, mas congelavam um certo jovem que recém saía da estação de trem, carregando suas malas gigantescas e enterrado embaixo de vários casacos, e ainda assim ele tremia. Observava as pessoas que circulavam por ali, todas com menos casacos que ele, todas sem o menor traço de frio. Foi andando com dificuldade no meio da neve, em direção ao carro que o esperava ao fim da pequena rua de poucas e pequenas casas, seus telhados todos brancos.
    Odiava aquele lugar, sempre congelava quando precisava ir até lá. Era por essa razão que morava com seu pai em Osaka, mas agora tudo mudava. Tentava pensar positivo, afinal estaria com sua mãe depois de um bom tempo. Mas o frio o deixava mau-humorado demais para conseguir pensar muito nesse lado positivo. Alcançou a grande caminhonete negra que faria o resto do trajeto, e assim que abriu a porta traseira viu sua mãe o esperando no banco da frente, com um sorriso enorme no rosto. Assim que acomodou sua bagagem ao seu lado, a mulher o puxou para um abraço desajeitado, e ele acabou rindo.
    Logo outra mulher entrou no carro, sentando-se no banco do motorista, e o cumprimentou com alegria.
    - Seu filho é um pouco maior do que eu imaginava. - ela disse, com um ar simpático, e a mãe dele abriu um sorriso.
    - Mas eu disse que ele tinha a idade do seu filho. - ela respondeu, e virou-se para falar com o filho - Tetsu, você trouxe todas as suas coisas importantes? - ele afirmava com a cabeça - Trouxe seu notebook? - ele afirmava novamente - Bom, por mais que você vá fazer novos amigos aqui, eu sei que é difícil.
    - Então tem internet aqui... - ele resmungou, tirando o gorro verde escuro da cabeça e bagunçando os cabelos pretos.
    - Aqui na estação sim, pode vir aqui sempre que precisar.
    Tetsu girou os olhos. Sabia que acabaria morando num fim de mundo total.
    A viagem de carro foi tranquila apesar da conversa animada das duas mulheres, Tetsu olhava pela janela, usando seu gorro para desembaçar o vidro diversas vezes, e via a paisagem puramente branca lá fora. Estavam subindo ainda mais a montanha, e logo a estação estava muito longe. Ótimo, sempre que quisesse se comunicar com o resto do mundo, precisaria descer meia montanha.
    Tetsu gostava de lugares assim, com exceção do frio, mas com certeza nunca havia planejado morar em um. Jamais. Seu mau-humor não passava por nada, ainda não acreditava que tinha ido embora da cidade para viver naquele "lugar nenhum", sem seus amigos e colegas, sem seus vizinhos chatos que ele fazia questão de xingar internamente (e por vezes em voz alta) todos os dias, sem metade das suas coisas, sem suas irmãs, sem nada do que queria realmente. Queria atropelar seu pai por ser tão idiota a ponto de mandá-lo viver com sua mãe. Talvez se desse por satisfeito quando passasse por cima dele com um rolo compressor. Dez vezes.
    Foi-se meia hora de viagem, e finalmente chegaram. Tetsu podia ver através da janela, era uma cidadezinha muito pequena, mais parecida com uma vila. A última vez em que estivera lá era muito novo, devia ter seus dez anos de idade, não se lembrava de muita coisa além do frio e dos bonecos de neve. Costumava brincar com um garoto naquela época, quando passara duas semanas lá, lembrava-se vagamente dele. E imaginava se ele ainda estaria por lá, ou se já teria fugido para alguma cidade grande.
    Saíram do carro, e a mãe do rapaz o ajudou com suas malas quando começaram a andar pela rua. Muitas pessoas o olhavam com curiosidade e cumprimentavam sua mãe, e ela sorria para todos eles. As casas eram todas parecidas, o que fez o Ogawa sorrir, divertido, e grandes lampiões jaziam pendurados do lado de fora de todas elas. Podia ver várias pessoas com pás retirando o excesso de neve de frente das suas casas, e alguns trabalhando nas ruas para os pouquíssimos carros passarem com maior facilidade.
    Subiram a rua toda e seguiram pela direita, e Tetsu pôde ver que, se seguissem reto, chegariam ao que parecia a orla de uma grande floresta coberta de neve. Parecia uma visão perfeita, então tinha pelo menos algum lugar para ver assim que se acomodasse na casa de sua mãe. Mas antes que voltasse a focar sua atenção nas ruas, viu que lá, perto das árvores, havia uma única pessoa cavando na neve, parecendo procurar alguma coisa.
    Foi naquele instante que seu queixo caiu. Não podia ver a pessoa direito, o máximo que sabia era que parecia um jovem como ele, baixo, de cabelos compridos e negros, e... não usava nada sobre o torso. Tetsu não podia acreditar que, no meio de toda aquela neve e de todo aquele gelo, naquela temperatura abissalmente gelada, havia uma pessoa sem camisa cavando sozinha com uma pá. Era demais para seu cérebro processar.
    Seguiu caminho quando ouviu sua mãe o chamando, aparentemente havia parado para observar o tal jovem, e nem percebera. Continuou andando com sua mãe, levemente perturbado, e após algum tempo chegaram a uma casa simples como todas as outras, quase no fim daquela rua, e entraram rapidamente. A sala era realmente espaçosa e aconchegante, com um grande sofá e duas poltronas vermelhas em frente a um televisor, e um enorme tapete felpudo no chão. Uma grande lareira se situava na metade da parede oposta, logo ao lado do televisor, e algumas brasas ainda queimavam lá.
    Lembrava-se daquela casa, apesar de algumas coisas terem mudado. Sua mãe o guiou para o quarto que ocuparia, passando por um corredor simples, e Tetsu começava a se lembrar de todos os cômodos da casa. O quarto era espaçoso, mas sem exageros, e uma enorme cama o esperava já arrumada. Um televisor pouco menor que o da sala estava sobre uma mesa comprida e branca ao longo da parede oposta à porta, sobre a qual também estavam alguns livros. Ao lado da cama havia um pequeno criado-mudo com uma luminária sobre ele, e logo ao lado uma janela que dava para a floresta. Um armário grande e branco  ficava do outro lado da janela, e era tudo muito bem organizado. Pelo menos parecia que estaria confortável ali.
    Sua mãe mencionou algo sobre acender a lareira novamente e o deixou ali. Ele então andou até a janela e observou as árvores ao fundo, e, forçando um pouco sua visão, voltou a enxergar o jovem cavando na neve. Franziu a testa, imaginando que ele deveria ser completamente louco e acabaria morrendo de hipotermia, e rapidamente desfez suas malas, organizando o que podia no armário.

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Já estava quase escurecendo quando Tetsu estava dando um passeio sozinho pela vila, armado com seu gorro verde-escuro, seu grande casaco da mesma cor, calças pretas e botas pesadas. Não seria difícil se familiarizar com o local, e já havia passado pela padaria e pelo mercado, sendo cumprimentado por algumas pessoas que, ele imaginava, deviam ser amigas de sua mãe. Após memorizar onde ficavam alguns estabelecimentos cruciais, como o hospital e a farmácia, estava voltando para a rua de sua casa, até que avistou o mesmo jovem ainda na orla da floresta, parecendo descansar agora.
    Imaginou se era uma boa idéia, mas sua curiosidade sempre o vencia. Andou com certa dificuldade, pois a neve no caminho para a orla da floresta era ainda mais alta e espessa, e à medida que ia se aproximando, conseguia enxergar melhor o rapaz.
    Ele era muito baixo e pálido, usava apenas calças e botas pretas, e seus cabelos eram os mais negros que Tetsu já havia visto. Uma enorme pá jazia ao lado dele, que se encontrava sentado sobre um dos vários troncos de árvore derrubados que estavam por ali, e havia gelo cobrindo quase todo o corpo dele, aos pedaços. Chegando realmente perto, Tetsu via que seus dedos pareciam congelados. Ele mantinha a cabeça baixa, de modo que o Ogawa não conseguia ver seu rosto.
    - Quem é você? - ele perguntou de repente, sua voz soando muito mais suave do que Tetsu teria esperado. Ele parecia realmente cansado, e agora passava os dedos pelos cabelos.
    - Eu sou novo na... cidade. - o Ogawa começou, aprumando-se mais em seu longo casaco, com frio só de ver o outro naquelas condições. - Me chamo Ogawa Tetsuya.
    Então o mais baixo ergueu o rosto, mirando-o com uma certa curiosidade. Ele não parecia real, era o que Tetsu pensava. Sua pele clara parecia macia demais mesmo naquele frio, coberta de gelo, e o rosto era o mais delicado que já vira em um homem. Infelizmente ele tinha um semblante totalmente exausto, e por mais vivos que os olhos escuros fossem, não conseguiam esconder a profundidade das olheiras que os marcavam.
    - Hyde. - disse o jovem, e estendeu-lhe a mão. Tetsu sorriu e aceitou o cumprimento, e mesmo usando luvas grossas, podia sentir a temperatura tão baixa daquela mão gélida.
    - Não me leve a mal, mas... - ele começou, sem conseguir conter sua curiosidade - Como você consegue...? - o Ogawa fazia sinal para o corpo dele, e em vez de conseguir uma resposta ríspida, como esperaria de um desconhecido, recebeu um pequeno sorriso. Era o sorriso mais belo que ele já havia visto.
    - Eu não sinto frio, Ogawa-san. Não quando estou trabalhando em algo. - viu que o outro parecia perplexo - Eu costumava sentir, mas já se tornou um hábito. - ele então inclinou-se sobre o tronco de árvore, e Tetsu podia ver que ele pegava um tecido negro sobre ele. Logo ele se levantou, e Tetsu se sentiu alto como poucas vezes na vida. Ele era realmente baixo, e vestiu aquela capa negra sobre o torso, abotoando-a lentamente. Dos bolsos retirou um par de luvas grossas, que vestiu, e um gorro preto, que arrumou em sua cabeça, tirando seus cabelos de seu campo de visão.
    O negrume das roupas só acentuava a aparência levemente sobrenatural do baixinho, deixando-o ainda mais pálido do que aparentava antes. Ele então pegou a pá que deixara no chão, colocando-a sobre seu ombro.
    - Já está ficando escuro, é bom voltar. - ele murmurou, e mirou Tetsu com uma certa simpatia, dando a entender que poderiam caminhar juntos. E assim eles voltaram até a rua, aproximando-se das casas novamente.
    Tetsu observava o outro sem parar, percebendo todos os detalhes que podia. Ele parecia ser uma pessoa reservada, apesar de simpática, um pouco parecido com ele mesmo. Vê-lo andar entre a neve era ao mesmo tempo interessante e de certa forma intimidador, talvez pelo fato de ter visto como ele suportava as temperaturas mais baixas. Talvez isso já tivesse criado uma imagem imponente dele em sua cabeça, por mais que o porte físico dele não fosse a idéia geral de uma pessoa imponente.
    - Chegou à cidade hoje? - ele perguntou, pegando um pouco de neve do caminho com sua mão livre, e distraidamente fazendo uma bola.
    - Sim, pela manhã... - Tetsu respondeu prontamente, observando o trabalho dele com a bola de neve, subindo seu olhar para o rosto dele mais uma vez. Ele nem ao menos olhava o que fazia, e ainda assim a neve tomava uma forma cada vez mais esférica. Com uma única mão.
    - Cedo ou tarde vai se acostumar com a temperatura. Vai ver que não é tão horrível como parece.
    - Então dá pra perceber que eu não gosto de frio.
    - Você está tremendo, Ogawa-san.
    Tetsu riu baixinho. Era verdade, mesmo coberto de casacos ele tremia. Sentia-se um pouco envergonhado disso, estando diante daquele rapaz. Logo passaram pelas primeiras casas e entraram nas ruas da cidadezinha, e alguns cachorros que vagavam por ali foram seguindo-os alegremente, algo estranho para o Ogawa. Eles pareciam seguir Hyde, pareciam gostar dele. Eram todos parecidos com lobos, todos de cores claras, todos lindos, e todos o seguiam.
    - Eles sabem que ganham comida e tudo mais se forem comigo. - Hyde comentou, vendo a confusão do outro. - Algumas pessoas daqui fazem pouco caso dos cães, mas querem que eles puxem seus trenós de qualquer maneira quando precisam... é a forma mais escancarada de ingratidão que eu já vi.
    - Ah...
    - Você fica por aqui, não é?
    Tetsu não entendeu a pergunta, mas logo viu que estavam praticamente em frente à casa de sua mãe.
    - Ah, sim... - parou em frente à casa - Vou morar aqui com minha mãe, ainda não me acostumei com o visual do lugar.
    Hyde subitamente sorriu. - Sua mãe é uma boa pessoa. - ele disse, e gesticulou um pequeno aceno, voltando a caminhar pela rua - Bom te conhecer, vai se acostumar com o visual logo.
    Antes que Tetsu pudesse responder, viu que ele apressava o passo em meio a todos aqueles cachorros, e sentiu-se um pouco inconveniente. Talvez ele estivesse com pressa para chegar em casa, devia estar cansado de tanto cavar na neve, e estava atrasando-o na caminhada. Deixou escapar um suspiro desanimado, e resolveu que o melhor era se acostumar com tudo o mais rápido que pudesse. Sabia que a porta da casa não estava trancada, então entrou, fechando-a em seguida e tirando as botas enormes e cheias de neve dos pés. Logo que virou-se para ver a sala, notou que sua mãe estava lá com a mesma mulher que dirigira o carro mais cedo, e um rapaz moreno, todos sentados no sofá. Tirou o gorro da cabeça e foi andando até eles, vendo sorrisos.
    O rapaz se levantou, e era muito alto. Por um breve segundo imaginou como seria divertido vê-lo ao lado do pequeno Hyde. Ele tinha os cabelos escuros e rebeldes, medianos, um ralo cavanhaque no rosto, e usava um uniforme azul da equipe de hóquei de Tóquio, Seibu Prince Rabbits. O time de hóquei e os olhos negros que brilhavam de uma forma peculiar o fizeram reconhecer o jovem na mesma hora. Agora buscava o nome dele em sua mente, não conseguia lembrar...
    - Lembra do Ken-chan, Tetsu? - sua mãe perguntou, sorrindo, e ele se sentiu aliviado por ter sido socorrido naquele momento.
    - Lembro... - disse, sem saber muito bem o que dizer ou fazer. Era ele o garoto com quem havia passado aquelas duas semanas brincando na neve, quando tinha apenas dez anos. Conseguia se lembrar do quanto ele amava hóquei, pois ele sempre usava um gorro de algum time, e levava aquele taco de hóquei por todo o lado, tentando ensiná-lo a jogar. Mas não sabia muito mais do que isso. Sabia
que quando tinha seis anos e seus pais ainda moravam juntos, haviam visitado aquele lugar, e sua mãe lhe contava que brincava com um menino chamado Ken, mas não havia mais nada em sua memória.
    O jovem lhe estendeu a mão, parecendo tão perdido quanto ele, e Tetsu o cumprimentou com um certo sentimento de nostalgia.
    Algum tempo depois, estavam os dois nas poltronas assistindo um seriado qualquer na televisão, enquanto a mãe de Ken preparava algo para jantarem, e a mãe de Tetsu havia saído para buscar algumas coisas com uma vizinha. Não demorou muito para ficarem entediados lá, sem trocar muitas palavras, e então o mais alto surgiu com a idéia de saírem um pouco. Como Tetsu não estava com vontade de fazer nada mesmo, concordou. Avisaram à mãe do mais alto e saíram, mirando a rua vazia e coberta de neve como sempre.
    - Eu estava começando a ficar sufocado lá. - disse o rapaz, arrumando a gola alta do blusão preto que usava por baixo daquele uniforme, sorrindo.
    - Verdade... - Tetsu não tinha realmente muito o que dizer.
    - Dá pra ver que você foi arrastado pra viver aqui, Tetsu-san. - Ken começou, caminhando até a beira da rua, pisando na neve - Eu não trocaria Osaka por isto aqui, nem sob ameaça.
    - Então você provavelmente é o único que vai me entender aqui.
    - Te digo o mesmo. - ele deu um sorriso brincalhão, puxando uma carteira de cigarros de um bolso, e um isqueiro do outro - Aqui não tem muitas pessoas que gostem da idéia de ir embora, ou que sequer tenham pensado sobre isso alguma vez na vida, e como eu quero sumir daqui, mas não posso, me sinto perdido às vezes.
    - Não pode? - Tetsu andou até ficar ao lado dele. Não gostava de fumaça de cigarros, mas não se preocuparia com aquilo naquele momento.
    - Infelizmente... Se eu conseguisse dar o fora daqui, podia até te dar uma carona também. - Ele então pegou um cigarro da carteira, guardando-a de volta no bolso, e o colocou entre os lábios, acendendo-o em seguida. - Meu pai morreria se eu fosse embora. - ele deu uma longa tragada, liberando uma grande quantidade de fumaça logo depois - Enfim, eu estou preso aqui por um bom tempo ainda.
    - Ah...
    - E você veio parar aqui por quê? - ele perguntou, exalando fumaça mais uma vez. - Pra pagar os pecados?
    Tetsu riu, acompanhado dele. - Meu pai não me quer mais em casa, e eu não tinha como morar sozinho.
    - Que droga... Bom, pelo menos a sua mãe está feliz, fez uma propaganda gigantesca por quase um mês. "Meu filho vem morar comigo, meu amado filho, o melhor filho do mundo." - ele imitava, gesticulando com as mãos, o que Tetsu achava divertido. - Mas... você não podia morar com algum outro parente? - ele levou o cigarro à boca novamente.
    - Sem a menor chance.
    - É... Então seja bem-vindo à Little IceCube.
    - Eh?!
    - Não, esse não é o nome da cidade. - Ken riu com vontade - É mais um apelido. O nome é uma droga de pronunciar, como você deve saber. Um troféu para o finlandês que fundou essa porcaria.
    - Foi um finlandês?
    - Não faço idéia.
    Os dois foram caminhando devagar pela rua, conversando com animação, apesar de tudo. Tetsu começava a se lembrar de alguns episódios que vivera com ele anos antes, e via que ele não tinha mudado muito. Continuava ativo e divertido, falando com uma expressão tão forte, que era como se cada pequena sílaba que ele pronunciava fosse da mais extrema importância para ele. Até o rosto continuava quase o mesmo, apesar da mudança óbvia de tamanho. Agora Ken devia ter seus vinte anos como ele, mas os traços continuavam lá. Era um alívio saber que teria ao menos um companheiro naquela cidade.
    - Ah, sua mãe já avisou pra não ficar zanzando por aí sozinho à noite? - Tetsu franziu a testa, confuso. Falavam sobre algumas coisas da cidade, para que ele se familiarizasse logo - Pelo jeito não... Principalmente nas sextas-feiras, não faz bem.
    - Por quê?
    Ken soltou um suspiro cansado. - Tem uns bandidos por aí, e às vezes eles vem até a cidade. São fugitivos ou algo do gênero, que se aproveitam do fato de não termos uma força policial boa aqui. Como ninguém se preocupa em mandar recursos pra esse fim de mundo também, eles fazem a festa. Exigem comida, remédios, dinheiro, mil coisas, fazendo ameaças.
    Tetsu estava boquiaberto. Sua mãe NUNCA havia mencionado nada disso.
    - Mas eles geralmente não fazem mal às pessoas, só não é muito bom arriscar. Faz muito tempo desde a última vez que atacaram...
    - ATACARAM?
    - É, quando ninguém atendia às exigências deles, eles mandavam bichos pra cá e... alguém sempre terminava morrendo. Mas já fazem anos que isso não acontece... - Ken acrescentou rapidamente, vendo o olhar apavorado do outro - Do contrário, um certo cara já teria morrido, fica perambulando pela cidade e perto da floresta, sem proteção nenhuma...
    - Que cara? - Tetsu perguntou, ainda sem acreditar naquilo tudo.
    - Ah, uma hora ou outra você vai ver ele andando por aí sem camisa...
    - O Hyde?
    - Conheceu ele? - Ken parecia surpreso ao ver que Tetsu afirmava - Digo, ele conversou com você?
    - Sim... por quê...?
    - Nada, é que é interessante... - notava que o mais baixo estava esperando que complementasse aquela frase - Tem pessoas que moram aqui há décadas e nunca trocaram mais que umas poucas palavras com ele, e você acabou de chegar...
    - Ele me pareceu bem simpático.
    - Ah, pode ser. Ele é um cara legal, só não bate muito bem da cabeça. Vive cercado de cachorros, andando sem camisa no meio da neve, fazendo desenhos estranhos no gelo, vai entender.
    - Hum...
    - E ele tem uma disposição estranha pra ajudar todo mundo. - Ken girou os olhos quando Tetsu pareceu muito interessado mais uma vez - Ele vive tirando a neve das portas das casas, dos vidros dos carros, liberando o caminho... Algumas pessoas adoram ele por isso, o senhor da padaria vive dando café da manhã de graça pra ele, mas se fosse por interesse ele não faria isso em quase todas as casas. E ele não ganha nada com isso, talvez seja o tédio, não entendo muito esse cara.
    - Estranho... mas isso faz dele um bom cidadão da cidade, eu acho.
    - Faz sim, Tetsu-san. É o tipo de pessoa que nem aqui você encontra em todas as esquinas...
    - Ótimo, mas chega de me distrair com o assunto do Hyde, Ken-san... Que história é essa de bandidos mandarem bichos pra matar as pessoas?!
    - Ah... - Ken parou no meio da rua e procurou a carteira de cigarros novamente, apagando o cigarro usado na neve e jogando-o numa das lixeiras da rua. Tetsu olhava fixamente para ele - O povo daqui acha que eles são bruxos ou algo parecido, que mandam monstros. - viu um olhar incrédulo no rosto do Ogawa - Eu, pessoalmente, acho que eles só deram esteróides demais para aqueles lobos pretos.
    - Lobos... - Tetsu estava com vontade de bater a cabeça numa parede, qualquer uma, com muita força. Onde raios estava? Se aquilo fosse uma brincadeira de mau gosto do moreno, bateria nele com muita força.
    - É... mas olha, não se preocupe com isso, não sei por que fui te contar logo no seu primeiro dia aqui... Não tem motivo pra ficar em pânico. O Hyde mesmo vive perto da floresta e não acontece nada...
    - Você acabou de dizer que ele não bate bem da cabeça, Ken-san.
    Ken acendeu outro cigarro e voltou a fumar nervosamente. - Você não precisa ficar tão alarmado, Tetsu-san...
    - Eu não acredito que meu pai me mandou pra esse lugar. - Tetsu passou as mãos pelo rosto, muito cansado.

Ken tentava acalmar o Ogawa, que parecia escandalizado ao ouvir o problema com os bandidos, e mal sabia que os dois eram observados atentamente. Sentado confortavelmente sobre o telhado branco de neve de uma das casas próximas, Hyde não podia ser visto por eles, mas via tudo o que faziam e ouvia tudo o que diziam. Só podia suspirar e olhar, pensando nos maus bocados pelos quais aquele rapaz passaria até conseguir viver normalmente por ali. A escuridão da noite o protegia de ser visto em meio à neve com suas roupas negras, e ali ele aproveitava para ter uma visão privilegiada de tudo. Como fazia todas as noites antes de dormir.
    Ouviu alguns sons estranhos e olhou para trás, na direção da floresta. Apertou os olhos e ficou observando calmamente.
    Viu um vulto vermelho passando por trás das árvores mais próximas, e ouviu sons de galhos se quebrando em meio aos pios das corujas. Se havia alguém espreitando tão perto e tão de repente, era porque seus conselhos não tinham sido ouvidos. Começou a pensar que a mudança de prefeito naquela cidade acabaria sendo muito pior do que poderia ter previsto. Logo o vulto desapareceu completamente, mas Hyde sabia que aquilo era só o primeiro sinal.
    O primeiro de muitos, até que os que viviam na floresta tivessem sua paciência totalmente esgotada.

~continua [eu acho rs]~

muita viagem? /hm

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