lights will guide you home...
Havia música naquele momento.
Complicado era escolher entre morrer de calor ou ouvir os gritos desafinados que vinham da igreja ao lado. Na dúvida manteve a janela aberta, os berros quebrando o silêncio da casa vazia. Aumentou o som pra tentar abafar o barulho, e o resultado foi trágico. Os gritos se embrulhando com a música, o espírito santo e tudo mais, a comida também se mexia lá dentro, querendo voltar para o lado de fora do corpo, o calor que nunca tem piedade.
Já estava achando tudo uma merda mesmo, então colocou as mãos em forma de concha diante dos olhos e ensaiou um choro que não saiu. Respirou fundo. Não valia a pena mesmo chorar. E eles começaram a cantar na igreja. As vozes das senhoras de saia, fechava os olhos e podia imaginar, as senhoras de saias compridas com suas mãos cansadas dos trabalhos domésticos, as manhãs e tardes dedicadas ao lar, o lar vazio, e deus que sempre olha pelos sofridos.
E talvez porque Jeff Buckley cantasse hallelujah, entrelaçado com aquele coro desesperado da igreja, talvez pelo calor que deixava seu rosto molhado de suor, talvez pelo silêncio da casa morta, se sentiu como quem sobe aos céus. Os olhos banhados de esperança divina. Queria correr para a igreja e cantar para deus também, queria acreditar que ele estava olhando, que ele tinha piedade e sabia de todo seu sofrimento agudo e escondido no peito cercado de pedras.
Besteira. Não acreditava em deus nenhum. Nem isso. Não podia rezar e esperar algo do futuro. O rei frustrado compõe Aleluia.
E foi a vez que se sentiu mais só em toda sua vida.