afinal do que é que temos medo?...

Apr 10, 2020 15:03

há tempos que não escrevo. há quase um mês que não saio de casa. nem apanho sol. apanhei sol outro dia, por breves minutos. no bairro onde vivo ninguém tem quintais nem varandas. apenas janelas. e no meu caso, se passar alguém contaminad@ lá fora, onde o passeio terá apenas 1 metro de largura, a tossir para a minha janela (o que será relativamente fácil) acabo por já não saber se é o sol que me vai fazer bem ou a inconsciência de alguns que me poderá fazer mal.

sigo as notícias oficiais e questiono-me com as da "constipação", agora que realmente faz sentido apelidá-las assim. às vezes gostava que os "teóricos da constipação" estivessem certos. que afinal não houvesse bicho nenhum à solta, senão uma mentira global muito bem organizada para travar o avanço da poluição e para nos controlar a todos. penso que, embora igualmente difícil, seria mais fácil enfrentar um "inimigo" conhecido que um bicho invisível...

isto é um bocado como o filme do predador, sabias que a criatura lá andava mas não sabias onde... e ele ia-os matando a todos até que só sobrou o tio Schwarzenegger. (em todo o caso, ao menos sobrou um actor que eu curto, não pelos músculos mas pelo facto de ser um actor de acção que teve capacidade para também fazer comédia, etc. e que, mais tarde, como político, falou com alguma humanidade, onde há muitos que já dizem o que lhes apetece sem levarem em conta a realidade das pessoas...)

preocupam-me as contas por pagar, por falta de como, sem sair à rua. preocupa-me a comida dos gatos a escassear. preocupa-me o facto de não ter desinfectante nem máscara se precisar mesmo de ir lá fora, o que me parece que vou acabar, mais tarde ou mais cedo, por precisar.

preocupa-me a minha saúde e a saúde de toda a gente por quem nutro amor, carinho, mera simpatia ou até uma simples indiferença... agora toda a gente que alguma vez conheci na vida me preocupa. e espero que todos se aguentem.

preocupa-me aquela amiga que foi para longe e foi testada positiva. a última vez que a vi ainda não havia bicharoco.

preocupa-me os números ruins a aumentar e os bons a demorarem tanto. preocupa-me as redes sociais a darem o dito por não dito. a fazerem notícias que não são notícias, porque notícias deveriam ser verdadeiras. preocupa-me acabar-se a liberdade de expressão devido a esses que espalham notícias dessas. porque é sempre assim, paga o justo pelo pecador.

uma coisa é a gente dizer "acredito nisto porque vejo a sua lógica, mas só quem estudou o assunto a fundo poderá dizer se assim é se não é" e deixar cada um seguir o seu critério quanto à informação partilhada. outra coisa é dizer aos outros para acreditarem piamente na minha versão, sem a questionar também. até porque, hoje em dia, ninguém tem certezas de nada.

a única certeza que temos é que temos que evitar sair de casa a todo o custo. a única certeza é que não podemos abraçar nem beijar quem amamos. a única certeza é que se sobreviver, não posso voltar a deixar que a minha pré-existente fobiazinha social me feche ao mundo.

hoje li qualquer coisa que não entendi muito bem, pois era em francês, a respeito de uma criança indiana ter dito que "não tinha medo. temos medo da morte porquê? um dia morremos todos mesmo, mais tarde ou mais cedo..." para alguém da europa uma criança dizer isto é um pouco desconcertante. não seria tão desconcertante se fosse um idoso a proferir tais palavras. eu estou pela meia idade e já proferi estas mesmas ideias várias vezes ao longo da minha vida. uma pessoa europeia comum, ao ouvir isto, diz-me geralmente que "sou negativa" por pensar assim.

nicles. com o devido respeito, negativos sois vós, que tendes medo de observar um facto. estás a ver? eu apenas sou realista.

ter medo por ter medo é, de facto, sofrer por antecipação, onde já chega sofrer se tiver que ser. não há cá mé nem meio mé...

portanto, com tudo aquilo que me preocupa "e mais alguma coisa", não posso "ter medo" pois de nada me serve. mas não ter medo, não implica ser irresponsável ao ponto de andar por aí a laurear a pevide como alguns têm feito. eu posso reprimir o medo, quando penso nele de forma objectiva e consciente. mas nem todos têm cabeça para isso...

mas saudades, essas, tenho muitas. tenho saudades de poder abraçar quem amo. de poder falar com as pessoas presencialmente e sem ter que estar a tirar medidas ao espaço entre a gente. tenho saudades de poder sair de casa. de ir às compras e encontrar tudo o que precisava, mesmo que tivesse que andar a fazer contas. de vir a conversar com os taxistas. tenho saudades de ouvir as vozes dos funcionários que atendem as chamadas a pedir táxi. tenho saudades de fazer uma tatuagem, de poder pintar o cabelo. de poder usar brincos e pintar-me um pouco. a bom rigor, quem hoje sai à rua não pode usar nada disto... tenho saudades de uma torta de chocolate. de não ter falta de café em casa. nem de pão. tenho saudades de fazer compras em comércios tradicionais e em lojas chinesas. para mim os chineses são pessoas. exactamente como as que são de outro país qualquer. e tenho saudades da sombra das árvores e dos melros a catar minhocas na relva...

e mais uma vez, tenho saudade de outra janela, das pessoas que lá moram e a quem neste momento não posso ajudar, senão rezando para que as volte a ver em breve... saudades da família do coração.

nesta quarentena, têm-me acontecido situações curiosas. desde ter café mas não ter açúcar. agora tenho açúcar mas quase não tenho café... querer diminuir 20% do meu consumo de tabaco, mas depois com os nervos, é quando fumo mais.

ficar com frieiras na primavera de tanto lavar as mãos... só ter lixívia para desinfectar e ser alérgica ao cheiro da mesma... mas como tudo, que se lixe.

e lá se vai a poupança das tattoos (que era para...) porque de momento é o que há. não se podem fazer tattoos mas a gataria precisa de comer.

também precisava de vinho tinto. vinho tinto, sim. tenho saudades dele.
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