Mar 03, 2020 19:56
nunca mais estive com ele. falta-me a coragem para lá aparecer. quando voltar a ver aquela malta já as gatas estão grandes... a bem dizer nunca lá apareci assim de surpresa... não sei bem qual é o critério hoje em dia para visitar pessoas. deram-nos tanta tecnologia para podermos viver sempre sozinhos. é de bom tom ligar primeiro a saber se se pode ir. ou perguntar no facebook. e mais uma vida de solidão porque não me despacho. como é que me hei-de despachar se nem sei já se me lá quer(em)?...
cá vou vivendo. passo o fim de semana aqui fechada muitas vezes sem qualquer tipo de comunicação humana. é natural que os ruídos de vozes humanas a falar alto me provoquem algum tipo de incómodo: já não estou habituada, é como se fosse poluição sonora. música ruim - e hoje foi dia de ter que a gramar - também é poluição sonora.
estou portanto, neste momento, a despoluir os meus ouvidos, na medida do possível. o que mais gosto de ouvir durante o dia de trabalho, são, nas breves pausas do cigarrico, os passarinhos a cantarem no jardim. ou o quá-quá dos patinhos que voam sobre a paragem do bus. já há patinhos de novo! eu gosto.
inventaram os telefones para facilitar a comunicação com quem vivia longe. hoje em dia toda a gente tem telefones que são verdadeiros computadores mas as pessoas mal se vêem porque mesmo que vivam perto, ninguém tem tempo. valerá a pena? eu só me lembro dos meus 19 anos. não tinha sequer telefone fixo. mas nunca me faltavam amig@s. e se bem me lembro era muito mais destrambelhada do que agora e stressada também. só tinha uma coisa a meu favor que já vou perdendo: juventude e sonhos pela frente...
nesse tempo ninguém telefonava antes de visitar. tocávamos à campaínha e pronto. aparecíamos. creio que ninguém tenha ligado ao velho Brito quando o fomos visitar. alguém lhe terá dito que em tal dia um grupo de malta jovem o ia visitar e pronto. o velho Brito chegou aos 100 anos e reza a lenda que terá falecido de acidente doméstico. e eu nunca mais me esqueci das palavras dele "a sociedade é como uma casa. não se pode construir a partir do telhado. tem de ser cá de baixo, da base."
mas não, velho Brito... isto está muito bem controlado e a minha mãe, mulher do norte, de direita e católica, era a primeira a dar razão ao povo quando me dizia que para saber mandar, uma pessoa tem que saber fazer. senão, poderá até mandar, mas manda mal. é que ela podia até ser do norte e de direita e católica - mas acima de tudo procurava ser justa.
coisas que me lembro do século passado: era de bom tom as pessoas falarem baixinho em sítios de respeito - serviços públicos, igrejas... agora toda a gente fala alto nesses sítios, atende telefone, ninguém quer saber.
chego ao fim do dia com os ecos daquelas vozes e mais algumas que oiço de lá de fora ainda a poluírem-me os ouvidos. ligar a rádiozinha é logo das primeiras tarefas. para despoluir a coisa... dear god.
tenho saudades daquele gajo. mesmo. tenho boé saudades dele. quando é que estivemos juntos? já não me lembro... já foi há uns tempos. é só trabalhar e ficar em casa, descansando e trabalhando nas coisas que têm que ser feitas... e eu que sou lenta... só me apetece ganir uivar e isso.
barulhos que os gatos fazem. mais barulhos que gosto. já fico feliz só com os barulhos que gosto... vida complicada. mas hoje nem isso. o tempo farrusco entristeceu-me e agora só me lembro das saudades que tenho daquele gajo...