Estava lendo o
Alexandre Soares Silva e comentando com um amigo que uma das minhas falhas de caráter é tender a gostar de pessoas pedantes, desde que elas sejam engraçadas. Não engraçadas do gênero Jesus, se a arte de ganhar dinheiro com humor involuntário fosse uma constante, aquele fulaninho poderia ganhar milhões explorando o potencial de asneira de sua existência como um todo (admitam, toda pessoa de bem pensa algo do gênero pelo menos três vezes por dia; as pessoas que não são de bem, feito eu, repetem a reflexão acerca do problema umas trinta e oito vezes só dentro do expediente do trabalho). Falo de pessoas hilárias, com o dom de escrever coisas como
O que fiquei me perguntando foi, por que ninguém me disse antes o quão ridículo era o Manifesto Concretista? O quão completamente imbecil e retardado, quase de um jeito clínico mesmo? Porque só um blog diz isso? As pessoas em 1956 não riam de frases como "viver e vivificar a sua facticidade", "situar-se de frente para as coisas, aberta, em posição", ou ainda "propriedades psicofisicoquímicas tacto antenas circulação coraação: viva"? ("Viva" indeed, seu mocorongo.) Ninguém dizia pfui? Não sei exatamente como o movimento concretista foi recebido pelos críticos da época (de frente para as coisas? aberta, em posição?), e peguei da estante o segundo volume do "A Crítica Literária no Brasil" de Wilson Martins pra pesquisar isso, mas tendo em vista minha falta de respeito pelas pessoas envolvidas, incluindo Wilson Martins, senti preguiça. Meu palpite é que se algum crítico de jornal falou mal do manifesto na época, falou mal por motivos imbecis, porque neste mundo é perfeitamente possível atacar coisas imbecis por motivos imbecis, de um jeito imbecil. Talvez não fosse marxista o suficiente, ou algo assim*. Mas então, se eu estou certo, por que foi preciso esperar por um blog de 2008 para ver isso? Não havia pessoas, talvez fora dos jornais, fazendo cara feia enquanto liam o Manifesto, pegando o jornal com a ponta dos dedos, etc? Mas agora lê o post.
Os detentores de todo o meu amor são os pedantes que me fazem ir às lágrimas de tanto rir dos outros (ou de mim mesma, por que não?), não os que me fazem rir deles mesmos. Ser imbecil não é uma arte: se eu te peço para enumerar os três maiores escritores de todos os tempos, você vai demorar uns cinco minutos para me responder, se tiver juízo. Se eu pergunto quais são os três maiores imbecis que você conhece, uma lista de vinte e oito nomes vai sair da sua boca antes que você se dê conta. E se a lista não for verbalizada, sei que ela estará ali na sua cabeça e você só não responde de imediato porque mamãe fez um bom trabalho com sua polidez digna da nobreza ou porque meu nome está em caracteres de neon em fonte 78 negritada no topo da sua enumeração de energúmenos. E eu não te culpo, meu caro, não culpo mesmo, eu também estou na minha lista.
Ser pedante é uma arte das mais complexas e sutis: nunca se deve ser completamente condescendente, mas a impiedade total também não é permitida, senão você passa de pedante gracioso a chato trivial. Você não deve reclamar de tudo e de todos, apenas daquilo que tiver relevância suficiente para merecer um comentário seu. Um sujeito pedante precisa de um motivo com um mínimo de interesse para se dar ao trabalho de erguer os olhos de sua estudada pose blasé no intuito de formular o que quer que seja. E não bastando tudo isso, precisa formular de forma que soe com todos os setenta por cento de nojeira gratuita, mas sem esquecer dos trinta por cento de verdade que façam com que alguém diga ok, vou pro inferno, mas já pensei isso também.
O ponto é que eu tento me sentir mal lendo esse tipo de coisa, tento pensar que escrever, falar, pensar coisas desse tipo não levará a humanidade a um equilíbrio em que todos sejamos irmãos e possamos cantar Imagine de mãos dadas, sorrindo, num campo florido. Mas não dá. Não dá porque quando a gente for dar as mãos vai ter uma menina usando calça saruel, vai ter aquele sujeito gay que teve a adolescência indelevelmente marcada pelo término de Dawnson's Creek, vai ter aquela tia que chora e soluça toda vez que toca Amigos para sempre na Radio Difusora; não dá porque o Paulo Ricardo já gravou Imagine pra passar na abertura da novela da Sandy (como se ter se travestido de São Sebastião não fosse humilhação suficiente para umas cinco vidas longas); não dá porque você não se sentiria feliz, se sentiria ridículo bancando o hippie pouco higienizado; não dá porque sempre tem um sujeito que tem alergia a pólen e seus espirros estragariam totalmente o coral. Não dá porque seria fake chamar o Scorcese pra dirigir a grande confraternização de raças e credos do juízo final, mas sem ele aquilo ia virar uma zona. Sem ele, seria caso de precisar chamar o Tarantino pra fazer as tomadas.
Não, gente, pelo amor de Deus. Ser uma pessoa boa dá trabalho demais. Estresse constante. Ser nojento, antipático, intragável e arrogante exige cálculos, sangue, suor e lágrimas, mas a gente nem percebe. Porque é divertido horrores.
O genial é a desmentida forte que esse post dá nos tons de humildade do anterior. Reflitam sobre a minha bipolaridade complexidade emocional.