Eu guardaria...

Mar 24, 2010 05:37


Nada que interessa, se pode guardar.

(Oswaldo Montenegro - Estrada Nova)

*

Eu guardaria a minha vó me mandando calçar os chinelos. A risada da minha mãe. Cada conselho das minhas tias. Minha madrinha desejando que Deus me abençoe. Meu padrasto me ensinando matemática. Meu primo chutando bola a tarde inteira contra a parede. A reação quase viciante da minha irmã ganhando um presente, por menor que seja.

Eu guardaria o dia que a ruiva chegou de surpresa do Canadá, dois meses antes do previsto. A mão do Skol da minha cintura, o abraço dele. Meus amigos em volta da mesa de RPG, o Edu na cabeceira. O dia que o Rick disse que sentiu saudades. O sotaque mutante da Kath. Jailton me chamando de mana. A Nica me chamando de xuxu. Chico fantasiado de Renato Russo. A primeira vez que eu vi o Chê. Belo Horizonte com a Marcinha. Paty fazendo cachinhos em mim. A Taty dançando. O cheiro do cabelo do Dux.

Eu guardaria o Odeon. O jardim botânico de Curitiba. A Galeria do Rock. O Teatro municipal. A casa da minha avó. O sítio de Ipiabas. O bosque da Freguesia. A livraria da cultura. A praia do farol. A UFMG. Foz do Iguaçu.

Eu guardaria o frio na barriga de antes de entrar no palco. A sensação de reparar que sua roupa está larga. Aquele natal em Sepetiba. Aprender uma coreografia nova. Sair com os amigos. Promoção na livraria. A quase-angústia do primeiro passo na sala de desembarque. Um show de Rock. Estar apaixonada. Final inesperadamente feliz em um livro. Boas quotes. Escrever poesia. Dormir abraçado.

Eu guardaria o retiro nerd na casa do Sr. Rapouso. A viagem para Bahia. Os elogios do Ru. O Potter Rio 2. A página 456 do Rei do Inverno. As noites que eu virei decidindo trama para o Profecia Perdida. Dar aulas. A primeira vez que eu entrei na Biblioteca Nacional. Todas as outras vezes que eu entrei na Biblioteca Nacional. Tomar um expresso duplo sem açúcar de manhã. Ou à tarde. Ou à noite.

Eu guardaria tudo comigo, antes de sair por ai andando sem rumo.

Guardaria as raízes na mochila e colocaria as asas para fora.

autismo, válvula de escape, metáforas toscas, procrastinação

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