Fic: Neve
Autora: Eloise Delacour
Personagens: Sirius Black e Remus Lupin
Classificação: Livre
Disclaimer: Eu juro solenemente que não ganho nada com isso.
Notas: Esta fic faz parte do
Projeto Fanfic100 do Fórum Grimmauld Place. Responde ao ítem 67. Neve.
Neve
A expressão no rosto do menino gordinho era de terror absoluto. O outro garoto, o de cabelos desgrenhados, apenas encolheu os ombros e deu um sorriso disfarçado. Então, se foram.
Enquanto os dois se distanciavam pelo longo corredor, Remus e Sirius observavam.
- O que você acha de Peter estar indo cumprir detenção no seu lugar? - indagou Remus, com seu jeito calmo de sempre.
- O mundo é dos espertos - Sirius disse friamente, tentando não demonstrar que a pergunta tinha o incomodado.
Ao contrário do que Sirius esperava, Remus não disse mais nenhuma palavra sobre o assunto. Apenas falou:
- Vamos dar uma volta lá fora. Parece que vai começar a nevar e eu não quero perder os primeiros flocos deste inverno.
Agora restava a companhia de Remus. Os dois nunca tinham ficado sozinhos antes e esta não era uma situação confortável para Sirius. Sirius era um menino muito encantador, é verdade, e tinha uma enorme facilidade para se relacionar e fazer amigos, mas Remus... Aaargh. Era tão difícil. Sirius simplesmente não conseguia agir com espontaneidade perto dele. Não sem James por perto, que era seu suporte. E para engrossar o clima, o insolentezinho ainda tinha a petulância de perguntar “O que você acha de Peter estar indo cumprir detenção no seu lugar?” com a naturalidade de quem diz “Você acha que vai nevar hoje?”. Mas que menino mais esquisito, era o que Sirius não conseguia parar de pensar.
E o mais esquisito de tudo era que Remus, com sua doçura e sua calma inabalável, não parecia perceber o jeito como Sirius se sentia em relação a ele. E muito menos parecia sentir o mesmo em relação a Sirius.
Sirius aceitou o convite de Remus apenas porque era o que parecia natural para se fazer. Voltar para a Sala Comunal da Grifinória é que ele não ia. Estudar num sábado de manhã? Nem pensar. Ainda mais depois de ter se livrado de uma detenção, ele devia era comemorar. Infelizmente, James não podia comemorar junto - ele não havia escapado, e tinha levado Peter consigo.
Ao deixarem o castelo, os dois foram envolvidos pelo ar gélido e pela luminosidade prateada típicos daquela época do ano. O céu estava forrado de nuvens, as quais pareciam tão densas e pesadas que Sirius se perguntava como elas conseguiam se sustentar lá nas alturas.
- Eu espero o ano todo por esse momento. Quando o céu fica desse jeito e eu sei... Eu sinto que vai nevar. É só esperar o primeiro floco cair... E aí começa a cair mais e mais e eles dançam conforme o vento. É mágico. Ou pelo menos era uma das coisas mais mágicas que eu presenciava até vir estudar aqui. Eu sempre gostei de observar o tempo.
Sirius não podia negar que, enquanto Remus proferia aquelas palavras, era possível perceber que elas vinham de seu coração, embaladas por lembranças cálidas e ainda muito vivas. Mas, inevitavelmente, essa conversa não ajudava a melhorar o desconforto de Sirius. Era um papo estranho. Ele não conseguiu fazer nenhum comentário. Apenas observou Remus por alguns segundos, calado.
Remus olhava a paisagem invernal, com a costumeira expressão tranqüila, porém enigmática. Eram os olhos. Os olhos contrastavam com o restante da face, foi o que Sirius notou naquela hora. Os lábios levemente partidos, quase formando um sorriso, era o que dava a impressão de tranqüilidade. Mas os olhos... Estavam fixos no horizonte, mas quanta coisa aquele olhar parecia guardar: memórias, tumultos, alegrias, dores... tudo tão misturado e confuso que dava um aspecto quase selvagem àquele olhar.
Mas é claro, Sirius era jovem demais para compreender, para enxergar tudo isso. O que ficava era apenas a impressão de que havia algo sobre aquele menino. Algo estranho, diferente ou especial. E, Merlin!, isso afetava Sirius profundamente.
- Onde você vai passar o Natal? - Sirius achou que precisava quebrar o silêncio.
- Ainda não sei. Não recebi uma resposta definitiva de meus pais ainda. Talvez eles achem que seja melhor eu passar o Natal aqui. E você?
- Ah, eu não quero voltar para casa. Estou muito sem jeito de encontrar meus pais, depois de ter ido parar na Grifinória, e não na Sonserina.
- Eles não o receberiam bem por causa disso?
- Acho que me receberiam bem, sim, mas não seria mais a mesma coisa. Algum comentário surgiria. Ou um sermão. Mas de que adiantaria, não é verdade? Agora já estou na Grifinória, mesmo. E estou feliz por ter sido assim. Mas meus pais estão muito desapontados e eu não posso fazer nada quanto a isso.
- Bom, pelo menos, se eu tiver que passar o Natal aqui, não vou ficar sozinho - disse Remus sorrindo.
Que maravilha, pensou Sirius, contrariado.
- É... Legal - foi o que Sirius conseguiu responder, com um sorriso amarelo.
Os dois caminhavam mais adiante, em direção ao lago. O silêncio voltou a imperar, até que Remus, sem aviso, disparou:
- Por que você estava parado ao lado da minha cama aquela noite?
Sirius arregalou os olhos.
- Que noite?!
- Aquela em que chovia forte.
- Não consigo me lembrar - Sirius tentava dissimular.
- Faz poucos dias. Eu fiquei achando que você tivesse medo de trovões ou algo assim e não estava conseguindo dormir.
- Er... não... Eu não...
- Porque, se você tem medo, você poderia me acordar para eu lhe fazer companhia. Mas naquela noite eu estava com muito sono e nem consegui entender direito que estava acontecendo. Da próxima vez, se você chamar meu nome, eu tento acordar e ficar conversando com você.
- Não, não. Imagina. Não precisa. Eu não tenho medo. Eu só não estava conseguindo pegar no sono. Nada de mais.
Remus riu.
- Está bem - continuou Sirius, sentindo que não podia sair dessa. - Eu fico um pouco com medo daqueles raios e trovões. Aqueles estrondos me assustam. - Sirius sentiu as bochechas esquentarem. - Eu sei que não faz sentido, que eu estou protegido dentro do quarto. Mas não consigo evitar. É assim desde que sou pequeno, desde que consigo me lembrar.
- Eu entendo. É normal, eu acho. E não precisa se preocupar, que eu não vou contar nada para o James ou o Peter. Fica sendo um segredo nosso.
Sirius apenas concordou com a cabeça e sorriu em gratidão. E foi aí que Sirius pôde senti-lo. Pousando sobre sua face e logo em seguida escorrendo pela bochecha. O primeiro floco de neve do inverno.
Os olhos de Remus estavam fixos no rosto Sirius, não perderam nenhum detalhe. Remus parecia fascinado, olhando o outro garoto intensamente.
Sirius notou. Ficou imóvel, apenas sentindo seu coração acelerar as batidas.
Então, veio outro floco. E mais outro e mais outro... E eles dançavam no ar, exatamente como Remus havia dito, depois caíam sobre seus rostos, seus cabelos, seus casacos.
Sirius começava a entender porque Remus gostava da neve. Porém, as outras coisas tantas coisas que Sirius não entendia sobre Remus, estas levariam tempo.