Jul 16, 2011 13:57
...E todo conto começa com um menino. Especificamente um menino de altura mediana, peso médio, sorriso torto e tímido. Ou seja, nada de específico já que ele era um menino mediano também.
Esse menino mediano gostava de uma menina. Também mediana, mas extraordinária aos olhos de tal menino. O amor faz isso conosco - em qualquer idade, diferente do que os mais velhos gostariam de admitir.
Ela tinha cabelos longos e castanho escuro, bonitos, mas normais. O menino os descreveria como castanhos quase escuros e com umas mechas cor de ouro que realçavam sua beleza. Seus olhos eram castanhos claros, profundos, com riscas cor de mel que ficavam mais intensas com a luz do sol. Assim o menino os via, mas na verdade eles eram castanhos normais. O sorriso dela era a única característica que era exatamente como o menino enxergava, era magnífico. Não por uma sorte genética de dentes milimetricamente certos - na verdade, eram milimetricamente tortos -, mas por uma alegria e serenidade que emanava fora do comum. À parte de seu sorriso, era também uma menina mediana, por quem o menino mediano estava apaixonado havia dois anos.
Nenhuma palavra a menina mediana havia ouvido sobre isso, pois todas as vezes que o menino tentava lhe falar algo sobre seu mais profundo amor, ele desatava a gaguejar. E a menina, sempre paciente e sempre amorosa, ria com doçura e falava de qualquer assunto aleatório, na esperança de tirar seu amigo de seu embaraço.
Sim, a menina considerava o menino mediano como seu amigo. Ele era uma ótima pessoa e estava sempre disposto a ajudar os que estavam a sua volta, característica que sempre chamou a atenção da menina. Ele adorava dias de inverno e chocolate quente. Ela também. Ele adorava as simplicidades da vida, ela também. Eles tinham diversas coisas em comum, essas pequenas coisas da vida que não seriam capazes de sustentar um relacionamento de nenhuma natureza, mas que facilitaria qualquer convivência.
E como eles conviviam juntos! Passavam quase todo seu tempo livre juntos e sabiam tudo o que o outro pensava menos que ele a amava. Ou assim ele pensava.
Ela sempre soube que ele a amava. Ela sempre soube que ele tentava dizer isso a ela quando gaguejava. E ela sempre o amou, o suficiente para entender que ele precisava daquilo. Precisava colocar em palavras. E ela sempre amorosa e paciente esperava por esse dia.
Os anos se passavam e eles continuavam amigos. Mas os anos sempre passam demais, às vezes até mesmo para os amigos mais próximos de coração. É o acontecimento mais tristonho ver dois corações se afastarem por causa dos "afazeres da vida". É o evento mais triste olhar para trás e ver os momentos que marcaram essa separação. Um aniversário perdido, uma ligação não atendida, uma mensagem nunca respondida. O coração humano é o mais frágil que há e se deixa decepcionar e desistir por um pequeno momento no mar de grandes eventos da vida.
As tentativas de se reaproximar às vezes causam mais estranhamento e tristeza. E não foi diferente para os dois. O constrangimento e incômodo silêncio num reencontro machucam porque levam à realização de que... Não, não há mais nada em comum. A não ser o que passou. Quando não se tem mais o que falar sobre o passado, se constata que simplesmente não mais existe um laço. Um dia quem sabe eles perceberão que nada liga duas pessoas de forma concreta - nem uma aliança, nem gostos compartilhados, nem memórias - a não ser a vontade de ser uma das outras.
Mas a maldita esperança sempre existe. Ele sempre achava que na próxima vez que se encontrassem seria diferente, ele sempre esperava a amiga das memórias dele, ao invés da pessoa que ela tinha se tornado. O que sempre fazia com que a decepção fosse maior ainda. Demorou mais tempo (e certa ajuda dela) para ele entender e aceitar que "eles" não mais existiam e não poderia se recuperar, apenas se deleitar com as memórias. Ela descobriu antes. Ela sempre tão mais centrada percebeu antes que se quisesse ele na vida dela, teriam que recomeçar. Ela sempre tão mais paciente esperou que ele entendesse isso, como sempre esperou por uma declaração.
O dia chegou em que movido por saudades, nostalgia e uma pitada de raiva ele a confrontou sobre a falta de contato dos dois. Uma conversa longa, preenchida de lágrimas, dor e lembranças... Como elas sempre são. Em algum momento ele confessou que a havia amado. E ela, que sempre soube. Ao que se seguiu outra longa conversa, essa cheia de mais lágrimas e remorso. Ela, não tão mais paciente, percebeu que não estava mais disposta a esperar ele entender, e por isso tentou mostrar-lhe como ela sempre o quis na sua vida, mas que o passado não era o suficiente e que era necessário aceitar o que existia no presente. Mostrou como sempre continuou a amá-lo, porque não se tratava de um sentimento que poderia desaparecer com o passar do tempo, mas sim de uma decisão por ele, decisão que havia sido feita há muito tempo.
Ele, sempre mais sentimental, se prendeu um tempo a um sentimento de traição pela falta de honestidade dela. Sentimento esse que não foi externado graças a seu bom senso que cumpriu horário antes que ele tivesse falado demais. O momento epifânico de perceber o quanto ela o amava e o quanto tinha esperado por ele finalmente chegou. Seguido por um beijo roubado e promessas de amor eterno e felicidade.
Mas isso é só um conto. E não termina com uma certeza de final feliz para o menino e a menina mediana, somente a esperança de que os dois se amem e cumpram as promessas feitas naquele dia.
lisie