Ela não sabia o que fazer. Não queria abrir a carta por medo de perder o último elo de comunicação com seu pai mas, por outro lado, queria saber o porquê.
Sabia que havia sido terrível desde a morte de seu pai, mas ela sempre esteve lá. Ela também havia ficado mal, também havia sofrido e chorado, embora tentasse não fazer isso em sua presença, para não deixar seu pai ainda mais triste. Ligava para ele todos os dias e, recentemente, pensou que estivesse melhor. Tinha apenas setenta e oito anos quando seu marido faleceu.
Olhou para o envelope de novo e novamente ficou indecisa. Ela leu as palavras para memorizá-las. Para Jana, de seu pai Scotty. Já tinha visto muitas vezes aquela preciosa letra, mas veio a sua mente um momento em particular.
“Pai! Papai!” Gritou assim que entrou em casa de volta da escola.
“Na cozinha, querida.” Gritou Scotty.
Ela foi até lá e encontrou o pai, tirando os biscoitos do forno e colocando-os em uma bandeja sobre a mesa da cozinha. Jana sorriu e caminhou lentamente, para tentar pegar alguns sem ser vista.
“Nem pense nisso”. Scotty disse-lhe sem olhar para trás. Jana suspirou.
“Não sei como você sempre percebe”.
“Muitos anos de experiência com o seu pai.” Ele disse, virando-se e dando-lhe um beijo. “Você vai ter que esperar até que esfriem.”
“Tudo bem. Eu espero. E o papai?”
“Vai chegar tarde.” Ele disse enquanto pegava o leite na geladeira. “Está em uma reunião...”
“Pra variar.” Disseram os dois ao mesmo tempo. Entreolharam-se e começaram a rir. Scotty pôs o leite em um copo e o deixou perto dos cookies.
“Como foi o seu dia?” Jana sorriu. Sempre lhe havia parecido de falso interesse quando alguém dizia esta frase, mas o seu pai tinha o dom de fazer crer que ele realmente se importava.
“Bem, na verdade... poderia ter sido melhor. Mas não importa. A questão é que você tem que assinar algo pra mim - ela disse, procurando o papel dentro da mochila. - Aqui está.”
“O que é isso?”
"Nada. Outra dessas reuniões estúpidas que a escola faz sobre drogas e sexo. Um dos dois tem que ir.”
“É obrigatório?” Ele perguntou com aquela cara que usava toda vez que havia uma reunião de pais.
“Papai!”
“Ok, ok, eu vou ver se o seu pai pode ir.” Ele disse tentando se livrar da conversa.
“Não. Você é quem tem que ir!”
“Por quê?”
“Porque o papai fica muito chateado com essas coisas e porque minha professora odeia ele.”
“Tudo bem, meu amor. O ódio é mutuo.” Scotty disse, pegando a folha e olhando o que tinha nela. Jana não queria ir a essa reunião estúpida, mas preferia ir com seu pai. Sabia que ele não iria começar a debater com a professora sobre a maneira correta de levar a cabo uma relação sexual.
“Vamos ver, onde eu assino?”
“No canto inferior direito.” Disse Jana. Scotty olhou para ela e disse, tomando a caneta de sua mão.
“Querida, você é uma filha digna de seu pai.”
Jana sorriu e pegou o papel que seu pai lhe deu. Havia uma linha escrita, onde ele dizia que iria à reunião, juntamente com a sua assinatura.
Jana olhou novamente para o envelope e, sem saber o porquê, virou-o e o abriu. Tirou a carta que havia dentro e a leu.
Olá querida:
Em primeiro lugar quero dizer que eu sinto muito. Isso não é culpa sua e não havia nada que você pudesse fazer sobre isso. Eu já havia tomado a minha decisão há muito tempo, mas nunca pensei que teria que cumpri-la. Não chore por mim. Você fez isso no dia em que o seu pai nos deixou. Foi nesse dia em que eu morri de verdade.
Não quero que leia estas linhas e comece a se sentir culpada. Você sempre foi tudo para mim e para o seu pai, mas acredito que você não precisa mais de nós. Você tem filhos lindos e um marido que ama você. É tempo de perceber que não podemos estar aqui para sempre.
Você sabe tão bem quanto eu, Jana, que este dia chegaria, eu apenas cheguei a um ponto inevitável. Entenda-me. Eu não podia continuar a viver assim. Não podia continuar a acordar todas as manhãs e sentir a cama fria e vazia. Não podia continuar cozinhando para dois e esperar para ouvir os seus sons de aprovação. Eu não poderia continuar olhando para qualquer parte da casa e me lembrar dele. Não poderia voltar a dormir todas as noites sem balançá-lo em meus braços. Tudo me lembrava seu pai e a cada minuto que passava a dor era pior.
Ele sempre foi o motor do meu corpo, a razão da minha existência, o homem da minha vida. Desde o dia em que o conheci eu não consegui imaginar minha vida sem ele. Eu já fiz isso uma vez, não posso fazer de novo.
Eu sei que você sempre esteve ao meu lado, mas nem o seu mais doce abraço podia apagar as marcas e a lembrança dos braços dele. Seu sorriso. Seu toque. Seus olhos. Seus olhos azuis.
Sabe, meu bem, acho que agora entendo muitas coisas. Eu penso sobre o que eu vivi e eu agradeço por todos e por cada um dos momentos que eu dividi com seu pai, tantos os maus quanto os bons, pois ambos fizeram-nos ser quem somos.
Eu amo e estou muito orgulhoso de quem você é. Nós dois estamos. Eu sei que tudo vai ficar bem. Eu sei que vou ser muito feliz, você só tem que se aceitar. Você sabe o que eu quero dizer.
Não pense que eu a abandonei, porque não é verdade. Não chore por nós, porque agora nós vamos estar juntos. Isso é como deveria ser e você sabe que não poderia ter sido de outra forma.
Estaremos sempre com você, não importa o que acontece.
Seu pai que te ama
Scotty
Jana virou a cabeça para que as lágrimas não molhassem o papel. Ela sabia que não devia chorar, mas as palavras de amor de ser pai mexeram com ela. Quando conseguiu se controlar, pegou o envelope para guardar a carta, mas percebeu que havia algo mais dentro dele. Era um filme antigo. Ele veio junto com um bilhete dizendo: Para iluminá-la, quando todas as outras luzes se apagarem.
Jana sorriu e levou a fita ao coração. Ali, entre seu peito, estava o primeiro encontro de seus pais, sua primeira vez juntos, seu início.
Continua...
Capítulo 3: Enfermidade