martin landau

Jul 18, 2017 10:53

Quando cheguei de Moçambique e aterrei directamente numa aldeia da Beira Alta, não ligava muito à televisão. Tinha passado a infância a arder de inveja dos “meninos” da metrópole que viam programas de TV, e cujos sucessos chegavam à província de forma muito mitigada: a Pipi das Meias Altas era um êxito mas não sabia porquê, nunca tinha visto nenhum episódio da série. De vez em quando a coisa lá se compunha porque víamos os filmes no cinema e do mal o menos. Mas ainda assim, sentia à mesma muita inveja dos meninos da metrópole!

Tinha por isso, quando vim para Portugal, altas expectativas, que foram completamente goradas. Aquilo não me seduzia por aí além, e nem percebia muito bem a cegueira das minhas primas com os programas de TV. Mas claro, nas noites geladas de Mirandela, onde passava a semana, em aulas, e nos fins de semana trepidantes e ainda mais gelados na aldeia, nada mais havia a fazer do que passar horas sentado à lareira ou numa mesa de camilha com braseira, a olhar para a TV. Mesmo assim lembro-me de alguns programas de TV dessa época a que achava graça: os Marretas, uma programa do Mário Viegas com miúdos chamado Peço a Palavra, as aventuras do Capitão Cousteau (apesar do fundo do mar a preto e branco não ter metade da graça). A Heidi e os Jogos sem Fronteiras eram-me relativamente indiferentes. Gostava dos grandes prémios de Fórmula 1, mas como era o único rapaz lá em casa e ainda por cima retornado, não tinha direito a ver. E, mais do que tudo o resto, adorava o Espaço 1999.

O Espaço 1999 foi a primeira série de TV que eu vi de ficção científica (provavelmente nessa altura também ainda não tinha visto nenhum filme do género), mas, tanto quanto me lembro, o que me fascinava era mesmo a Lua e a base lunar. A chegada do homem à Lua foi um dos episódios marcantes da minha infância, que me povoou a imaginação de entusiasmo e espírito de aventura, e, com a série, tinha ali à minha frente a materialização desse imaginário. Interessavam-me, para além das aventuras, os aspectos mais técnicos e específicos da coisa, em particular a maneira como se lidava com a falta de atmosfera respirável. Eu empolgava-me com aquelas cenas em que se via uma nuvem de gás a formar-se nas câmaras de descompressão (ou whatever!).

Apesar de ter na altura 14 ou 15 anos, acho que foi com o Espaço 1999 que pela última vez vez senti aquela vontade imensa de brincar a emular situações de adultos, que sentimos quando somos crianças. Ultrapassada há muito a fase de brincar aos cowboys, o Espaço 1999 dava-me uma certa nostalgia por já não ser capaz de, com a mesma sensação de credulidade, brincar aos astronautas.

O Comandante John Koening e a Dra. Helena Russell, que ainda por cima eram marido e mulher na vida real, mais do que heróis de aventuras, eram quase como amigos, personagens em quem projectávamos uma série de qualidades que nos pareciam ser essenciais para os adultos. Por isso quando, poucos anos mais tarde, tomei consciência de que o Martin Landau era um actor de verdade, e não uma espécie de invólucro do Comandante Koening, passei a amar o actor com a mesma dedicação que sentia pela personagem.

A primeira vez que o vi no cinema, tanto quanto me lembro, terá sido num re-run do North By Northwest, do Alfred Hitchcock. Landau era nesse filme, bastante mais novo do que no Espaço 1999, e isso ajudou a manter aquela imagem projectada de amigo paternal: aquilo tinha sido quando era novo. Não vi muitos mais filmes com ele, mas dois chegaram para eu ter como que dessacralizado essa imagem do Landau comandante da Base Lunar Alpha e passar a vê-lo e a admirá-lo como um grande actor que era: o Crimes and Misdemeanors, do Woody Allen, e o Ed Wood, de Tim Burton, em que ele fazia de Bela Lugosi, o actor dos filmes de terror. Mas a notícia da sua morte, que chegou neste início de semana, devolveu-me intacto o sentimento de ter perdido um amigo.

tv, memórias, obituário

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