Jul 22, 2005 18:42
Há uma contagem decrescente interminável, e uma janela aberta mas quase fechada. Somos todos assim, abertos e quase fechados, pensas ecoando enquanto por ela respiras uma réstia de luz. É que a cortina derivou quando chegaste, e o ténue fulgor dos postes de iluminação públicos que aqui persiste enfraquece o calor que nos distancia. E que une. Do lado de lá há uma sombra pintada por uma luz vermelha, ocasional entre tantas outras, e que espera a sua vez.
O teu corpo mecânico é um óbvio segredo, tão escondido como no fundo dum oceano ou de outra coisa qualquer, assim enorme e transparente. Transparente. Talvez tu já tenhas segredado a tantos esse vento extravagante que vais soprando devagar. Devagarinho. E que faz derivar cortinas. Elas flutuam sobre o meu descanso: as cortinas e as preciosas tempestades paridas no teu fátuo sossego. Talvez só respires porque ainda podes morrer saltando pela janela, por exemplo.
Acho que se calhar só nasci hoje. Não me lembro, pelo menos, da semana passada, nem do dia de ontem, nem de nada antes de ter entrado em ti, e de trémula me teres embrulhado. Trémula. Agora pergunto-te se já é oportuno falar de dinheiro. Sim, que é. É sempre oportuno esse filho da puta, que espera pacientemente do lado de lá da luz. Vermelha, não a outra.
Pronto, eu saio. Lá fora a cidade embala veemente o rio. Está farta de ter pessoas a fingirem-se acordadas, e eu preciso dormir. Quando saltares da janela lembrar-te-ás de mim?