Coisas que nao tem sentido, como o Inverno a fingir que é a Primavera

Dec 11, 2006 18:11

Lá fora, o estranho verde acobreado cobre as montanhas, entre o branco da neve e o vento gélido que se infiltra pelas frestas do meu manto, ferindo a minha pele branca com o Inverno que, aos olhos, nao se percebe.

O mundo parece limpo, vivo, pulsante de luz e de cor. Os carvalhos conservam rebeldes folhas verdes, entre as amarelas que se recusam a morrer. A erva dos tão distantes prados do norte preenche cada pedaço de terra, ocultando a sua nudez.

A beleza permeia tudo, intensa, ofuscante, inebriante.

O céu, de um falso azul primaveril, é a unica coisa pouco natural neste cenario que devia ser de morte. Sei que só é azul, porque no frio a agua gelou e caiu, se tal coisa é possivel neste meu mundo de gravidade invertida.

Dedos insensiveis tocam o meu rosto, certificando-me de que as lagrimas estao encurraladas sob a pele, de que nao sangrei ainda a minha dor. Dentro de mim, uma voz de fada, vinda do escuro da minha infancia, ri de mim, chamando-me baixinho de tola.
Afasto-me devagar, para nao quebrar nada neste mundo congelado, e fecho a janela. A cortina lilás cai e envolve-me numa luz suave e sonhadora, e nao preciso de ir mais longe para voltar ao mundo irreal das sombras.

Suponho que o meu quarto contrasta com a minha roupa escura, embora talvez nao com a minha alma. Deixo-me cair sobre as almofadas, verdes como esses campos nos quais desejo ardentemente correr e perder-me, e observo a luz do sol, o dourado nos tons arroxeados do tecido, tao diferente e tao belo.

Tenho a impressao nitida de que alguem, algures neste pequeno pedaço de universo que nos toca e que conhecemos, que está a gozar comigo.

A vida goza-me, o mundo brinca com ela. OU serei eu, sempre a brincar com as coisas serias, sempre a tentar garantir que o fogo nao queima, sempre a iludir-me com ilusoes... Serei eu que estou a brincar, será que me prendi nos fios dos fantoches que criei e que agora me movo com eles, sem dar conta?

O medo. Mas tenho que perder o medo. Sim, nao interessa ter medo. Tenho que confiar, saber que a minha vontade me trará de volta. No fim disto tudo, é isso que ainda nao aprendi a fazer. To let go. Por isso, é isso que vou fazer. Sorrir como quem sabe uma verdade maior, confiar que o mundo, finalmente, me vai obedecer, porque eu sou mais forte que ele, sou mais forte que os fantasmas, sou mais forte que deuses feridos que me sussurram historias de danaçao e pecado. Porque a minha Vontade é mais forte que eu mesma, nas minhas fraquezas.

Eu quero, posso e tambem mando, embora nunca tenha verdadeiramente achado que houvesse alguem que me devia obedecer. Penso que nao preciso de resolver todas as incógnitas da equação para fazer mover o mundo, principalmente quando o mundo somos nós nele. No Universo, sei que o resto é zero, portanto A divide B, portanto, aplicando o principio da induçao e generalizando para todo o n pertencente ao conjunto dos numeros naturais... Bem. Simplesmente, é nonsense. Nao interessa.

Por falar nesse nonsese, tambem penso que os exames vao ser simples. E tambem penso que nao interessa se nao forem, porque tenho a vida toda para os fazer (seja ela um dia ou oitenta anos), e porque, finalmente, estou a adorar o que faço e estou a adorar viver, e quero viver só porque adoro viver.

Anoiteceu. Podia-vos contar como o céu é violeta, e nao azul, e como está manchado de uma cor que parece rosa mas lembra o sangue. Gostava de vos contar, gostava de mostrar ao mundo as formas nuas da mulher que se deita no horizonte, olhando o céu, uma gigante aprisionada aqui desde tempos que já nao recordamos. Gostava de dizer, de dar a entender, que tudo é morte e tudo é vida, e que em tudo existe beleza, ou eternidade, se deixarmos que o mundo entre nos nossos olhos.

Nao tenho a certeza se tenho tempo para contar isso tudo. E é tao simples. É claro que tenho tempo. Tenho que afastar a amargura, a necessidade de me vingar em mim mesma de crimes que nao entendo. Mas agora... Vou contar as estrelas e sonhar.

Até sempre.

dor

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