Título: Mar a vista
Rating: livre
Personagens: DF, CE, cameos. ( nunca pensei que iria escrever com esses dois, sério )
Advertências: Na verdade me inspirei na história que alguém ( que não vou dizer quem ) me contou sobre a sua primeira vez que viu o mar. Então acabou surgindo isso...
se algum cearence ficar ofendido, por favor não me mate, tá? óAò
Brasília estava acostumado a sediar aquelas tumultuadas reuniões de família. Na maioria das vezes ele cogitava a ideia de pular pela janela e fugir para bem longe, a ter que aturar barracos entre irmãos e reclamações quilométricas sobre ele e sua conduta. Mas essa ideia estava distante de entrar em prática, afinal, ele não tinha culpa de ser o distrito federal, e como capital do país, não poderia escapar de reuniões, agendas, compromissos, horários, etc...
O tempo livre estava começando a faltar para o jovem distrito, e já fazia um tempo desde que tirava algumas horas do dia pra tocar sua velha guitarra elétrica. “Tudo bem” pensava ele, “significa que o papai está mais importante agora...e isso é bom.” E então ignorava as ligações preocupadas de Goiás, que pediam para ele tirar férias de vez em quando. Respondia com um “Eu vou tirar férias quando achar preciso. Talvez.”
Os dias de trabalho passavam, e as cachoeiras e viagens pelo interior nos finais de semana davam lugar a mais compromissos, ou apenas perdiam a graça com o tempo.
Mais uma reunião de família, e o assunto girava em torno de eleições, o que era um sinal vermelho para mais barraco. Então alguém do Nordeste entrou em assunto de praias e melhoria na rede hoteleira, então a conversa morreu pra quem não tinha praia para tomar conta. Ou seja, de um lado estados litorâneos numa frenética discussão na qual Luciano estava empolgado em participar, e do outro, estados interioranos tomando rumos na conversa sobre mineração, agricultura e o problema dos desmatamentos. Brasília estava excluído dos dois grupos. Por alguns minutos ele mexeu no seu smart-phone, procurando se distrair até que a reunião abordasse algum assunto que ele podia expressar alguma opinião.
Depois de um tempo ele perdeu a paciência com a conexão lenta no aparelho, e tentou se distrair lendo alguns documentos que deveria ter lido antes. Certa hora ele perdeu o interesse e resolveu prestar atenção no assunto que Luciano estava falando com seus “filhos” há quase meia hora. A conversa ia e vinha entre praias, infra-estrutura e rede hoteleira mais capacitada, principalmente para a copa de 2014.
Por alguns instantes ele pensou em escapar da sala discretamente durante uns minutos e ir caminhar pelas imediações. Porém, mesmo fora do assunto ( e completamente entediado ), algo o prendia na cadeira. Brasília nunca esteve numa praia antes. Bom, ele tinha sua própria praia artificial, mas nunca tomou banho de mar antes. Tudo o que ele sabia sobre o mar vinha da televisão ou qualquer outro meio de comunicação, fotos, e pelo o que sua família dizia frequentemente.
Por isso Brasília continuou sentado na cadeira, entre ouvir o assunto dos irmãos e imaginar como era sentir a areia fina sob seus pés, o vento em seu cabelo, e sobre como era nadar em algo tão grande que não dava nem para ver o fim. Com certeza seria bem diferente de nadar numa cachoeira ou num lago artificial. Descansando pesadamente a cabeça na mesa, fechou os olhos, e quase pôde ver aquela vastidão imensa que era o mar, que ele só tinha visto em telas pequenas até então.
Mas seu tempo de imaginação fora interrompido por piadas e chacotas que seus “queridos irmãos” lhe jogavam por terem flagrado o caçula favorito “dormindo a sono solto”. São Paulo aproveitou o momento para reforçar sua posição de “único que trabalha nesse país”, que foi logo rebatida por outros, que ameaçaram a jogar as xícaras na cara dele. Outra confusão, Luciano estava tranqüilo na cabeceira da mesa, rabiscando algo em alguns papéis e olhando de soslaio para Brasília. O jovem distrito revirou os olhos contando até dez, e quando esperneou tentando pôr a reunião em ordem, começou a re-pensar a ideia de pular pela janela e fugir para o mais longe possível.
Quando a reunião terminou, Brasília estava frustrado por não ter colocado a ideia em prática. Se ocupou de juntar os documentos que ele deveria ter lido e seus pertences. Foi pegar o Smart-phone que estava em cima da mesa quando seus dedos pararam em cima do aparelho devido a uma súbita ideia. “ei, talvez eu realmente pule a janela” pensou o distrito telefonando para seu chefe. Brasília sabia que não precisava tirar férias agora, mas estava somente curioso. Como seria apenas por um fim de semana, seu chefe compreendeu e desmarcou todos os compromissos do garoto pelos próximos dois dias.
Restava saber, para onde ele iria. “Tudo bem, isso eu vejo com os meus irmãos”, olhando agora para a sala, restavam poucos estados que ainda estavam juntando seus pertences e tirando os celulares do “silencioso”. Brasília resolveu perguntar a algum deles se podiam lhe dar uma “carona”. Se aproximou de Espírito Santo, que deu a desculpa de estar atrasado para alguma coisa que ele inventou na hora. Minas se ofereceu pra lhe levar a “sua praia” e ES quase o matou com o olhar. São Paulo já estava longe, andando apressado e falando no celular, e Rio nunca iria aceitar levar o caçula pra uma praia sua, já que ela o odiava. O distrito estava ficando sem muitas opções, e seus irmãos do Nordeste procuraram manter a maior distância possível dele.
Brasília já estava pensando em desistir e ligar para o seu chefe, mas sua esperança veio de alguém que saia do banheiro mais próximo. Andou rapidamente e alcançou Ceará antes que ele pudesse fugir.
-Oi, eer...Ceará, né? O senhor poderia me fazer um favor?
Brasília olhava ao redor, torcendo para não ser flagrado falando com ele.
-Depende...mas fala aê.
O distrito federal era o último irmão a quem Ceará prestaria qualquer favor, pois já havia prestado até demais. Mas sair inventando alguma desculpa não era algo que ele achava dígno de se fazer.
-bom...é que eu...ée...
Brasília estava nervoso e não sabia como pedir um favor tão simples, ainda olhava para os lados. Percebeu os irmãos mato-grossenses olhando para eles, trocando pequenas risadas e cochichos.
-Arre, fala logo o que é que tu quer macho!
Ceará já estava impaciente, e Brasília tinha que agir logo antes de chamar atenção de mais irmãos. Se aproximou do mais velho, que estava mesmo estranhando o comportamento do caçula, e falou num sussurro.
-É o seguinte. Eu nunca ví o mar. Aí eu peço que por este final de semana eu-
- Aaaah...entendi...
O nordestino se esforçava para não rir, nunca tinha pensado que o distrito federal iria lhe parar um dia para pedir isso.
- Tudo bem peste. Eu te levo pra minha casa essa noite que amanhã a gente sai pra praia, ta legal?
A capital federal demorou um pouco pra responder e inseguro olhou ao redor. Os gêmeos mato-grossenses já tinham saído, e não havia mais ninguém próximo.
-Então ta...fechado.
Deram-se um aperto de mãos. Ceará estava orgulhoso, sorria satisfeito. Brasília começou a re-pensar na ideia de desistir, por que o irmão mais velho não parava de falar sobre como as praias dele eram melhores e como o caçula tinha feito a melhor escolha e blá blá blá. Enquanto Brasília arrumava sua pequena maleta de viagem, Ceará falava sem parar sobre como o mar era bonito, o que era algo bastante inconveniente de se dizer para alguém que nunca o viu.
A viagem de avião naquela noite foi um certo alívio para o distrito, já que o estado dormiu na maior parte do tempo de vôo. Mesmo com os roncos do irmão, Brasília teve seu tempo de sossego em que ele pôde parar para pensar. Realmente, agora já era tarde para desistir. Respirou fundo, e planejou que se por acaso, não gostasse da experiência, voltaria pra casa no mesmo dia. Afinal, ele tinha deixado muitas coisas pra resolver em sua terra, e não sabia se aquela “pulada pela janela” valeria a pena.
Dentro de algumas horas, Brasília pôde ver pela janelinha as luzes de Fortaleza lá embaixo. Tentou ver se avistava o mar, pensando poder enxerga-lo na penumbra da noite. Tentativa em vão, e o garoto ficou um pouco frustrado, desacreditando na própria expectativa.
Ceará disse que não se importava de dormir o resto da noite numa rede, deixando a cama livre para o seu “irmãozinho querido”. Brasília só pensava em contar os segundos para acabar logo o fim de semana. Terminou de resolver algumas coisas pelo smart-phone, e tranqüilizar seu chefe. Ceará já estava roncando novamente, e Brasília demorou pra conseguir dormir. Não queria admitir para si mesmo o quanto estava ansioso.
No dia seguinte, Brasília estranhou o fato de que o dia começava muito cedo. O Sol estava forte mesmo sendo 5:30 da manhã. Também constatou o fato de que ventava muito, e o cheiro do vento era diferente. Seria vento do mar? Eles tomaram café da manhã, e Brasília evitou comer qualquer coisa que parecesse “exótica” demais. Ceará chamou isso de “frescura”. Brasília chamou isso de “precaução”. Depois de se arrumarem, Ceará, com prancha de surfe embaixo do braço, e Brasília, trajando uma camisa com a escritura “lembrança de Fortaleza” e segurando um balde de brinquedos de criança, entraram no carro e seguiram para uma praia próxima.
Ceará resolveu não entrar muito em assunto “praia” durante os minutos de estrada até a praia do futuro, já que Brasília não estava com a cara mais amigável que uma criança poderia fazer. Por mais que fosse sempre um prazer deixar o pequeno e poderoso distrito federal cuspindo fogo de tanta raiva, Ceará decidiu não provocá-lo. Tentou puxar algum assunto, mas tudo o que conseguia eram respostas monossilábicas de um pré-adolescente entediado que pouco tirava os olhos de um maldito smart-phone.
Brasília estava muito frustrado, já estavam a um tempo perto da praia, e até agora não via nada além do sobe e desce de uma estrada em meio a dunas e mais dunas. Reclamou algumas vezes do calor, exigindo o ar-condicionado. Ceará dizia que o vento era o suficiente para aliviar o calor, mas não insistiu muito, fechou as janelas e ligou o ar-condicionado depois de algumas chantagens do caçula.
Ceará tinha trazido o pequeno por essa estrada por que ele sabia o que vinha a seguir. Era a melhor estrada para uma pessoa que nunca vira o mar antes. Os aclives e declives da estrada ladeada por dunas escondiam o mar adiante, só o revelando no topo da ladeira mais alta. Brasília não sabia disso ainda, e mexia no maldito aparelho celular sem nem perceber que estavam subindo na ladeira mais alta da estrada e em alguns segundos o mar estaria em sua cara.
Ceará só pode sorrir nesses segundos, pensando o quanto a infância de hoje estava arruinada por causa da tecnologia. Aproveitou que o pequeno nem estava prestando atenção nele e arrancou o aparelho das suas mãos, ignorando as reclamações imediatas de "ei, me devolva!"
-olha ele aí.
Disse Ceará segurando a maquininha no alto tentando mantê-la longe dos braços nervosos do irmão. Ele sorriu quando viu a carinha de espanto de Brasília ao ver o mar pela primeira vez. O distrito federal não sabia ao certo o que pensar ou falar, só achava que era bonito demais pra ser verdade. Ele nunca vira coisa tão grande e bonita como essa antes. Era muito melhor ver com os próprios olhos do que ver via satélite numa tela de tv, isso com certeza. A surpresa foi tão grande que seu queixo foi esquecido caído, os olhos muito abertos, brilhavam com um olhar de infância, um olhar de descobrimento de algo novo, um olhar que Ceará nunca pensou que sairia do rosto do próprio distrito-federal.
-e aí? o que achou?
Perguntou Ceará logo após a estrada de aclives e declives ter ocultado o mar outra vez. Percebeu que seu pequeno irmão estava tentando esconder uma lágrima. "isso vale mais do que mil palavras" pensou o mais velho fazendo um carinho no cabelo do menino.
-obrigado...é mesmo muito bonito.
Ceará parou um pouco pra pensar. Deve ser assim que as pessoas que nunca viram o mar antes devem se sentir. isso lhe soava muito estranho, já que ele não conseguia se imaginar sem ter visto o mar. Sorriu ao ver o smart-phone de volta nas mãos do pequeno, que não sabia se sorria, se chorava de felicidade ou se tirava uma foto daquela vastidão no topo da segunda ladeira.
-De nada.
Respondeu Ceará desligando o ar-condicionado e abrindo as janelas do carro.