Artista ou charlatão? A dúvida permanece e, em alguns círculos, continua mesmo a agitar as consciências e as mentes mais conservadoras. Mas só por desconhecimento total é que as reflexões teóricas de Marcel Duchamp - que ganharam forma através dos famosos readymades - não são encaradas como absolutamente fundamentais para o desenvolvimento do "fazer" em arte no século XX. Através do trabalho de Duchamp, o belo deixou de ser condição essencial para haver objecto artístico, levando artista e espectador a afirmarem em uníssono "isto é arte", em detrimento naturalmente de "isto é belo". A ideia parecia ser absurda, descabida e desprovida de qualquer sentido. Afinal, o belo em arte nunca tinha sido posto em causa até aqui. De repente, fomos obrigados a rever os cânones estabelecidos pela instituição arte e, consequentemente, a aceitar a ideia enquanto objecto artístico.
"Marcel Duchamp e o readymade - une sorte de rendez-vous" (Assírio & Alvim, 2007), da autoria de David Santos, é um livro interessante que procura fazer uma abordagem concisa e abragente sobre o trabalho de Duchamp e a sua influência na arte das décadas seguintes - um ponto sem retorno. Não obstante a insistência na abordagem de conceitos recorrentes, mas ao mesmo tempo obrigatórios, quando falamos do legado artístico e teórico do artista francês, o autor tenta unir os pontos fulcrais do seu percurso com uma notável honestidade, sem fugir ao essencial. Não se escusa, no entanto, a enveredar por outros caminhos, tornando "Marcel Duchamp e o readymade..." objecto de uma leitura atenta. David Santos não procura adulterar o trabalho já feito, nem sequer confrontá-lo com conceitos revolucionários, mas dá-lhe um novo "colorido", trazendo a lume algumas ideias pertinentes. É, portanto, uma "revisão da matéria dada".
A importância da descoberta, o "encontro" entre sujeito e objecto - a tal "espécie de rendez-vous" -, o poder do título e da assinatura na passagem de um objecto comum de produção industrial para um objecto de arte, ou o papel da significação na prática de readymade, são conceitos amplamente esmiuçados que merecem uma vista de olhos - para tentar perceber, afinal, o que é isto da arte contemporânea ontem, hoje e, certamente, amanhã.