Nunca antes havia feito uma review de House M.D. Mas após ver o episódio exibido no dia 24 de setembro eu sabia que não conseguiria evitar. Então, trago aqui, para aqueles que possam se interessar pela minha humilde opinião, minhas impressões e idéias a respeito daquele que se revelou um dos episódios mais emocionantes das últimas temporadas.
Not cancer. Uma negação dá título ao segundo episódio de House M.D. desta quinta temporada. De início, pareceu-me que eu estava na série errada. As mortes sucessivas enquadrar-se-iam em qualquer uma das séries de suspense e crime das quais eu sou fã. Mas a entrada da 13 em cena, interrompendo uma aula, pois a professora da classe está entre as possíveis vítimas do que vem desencadeando as mortes repentinas, localiza-me e dá o ponto inicial do mistério médico da semana: pessoas que receberam órgãos de um mesmo doador estão morrendo de causas diferentes e em épocas diferentes. Restam dos receptores de órgãos do “doador letal” apenas dois sobreviventes: um senhor, já afetado pela doença misteriosa, e a professora, nossa paciente da semana, Apple. Um enigma capaz de, com certeza, despertar o interesse do House não é?
Caso a resposta seja positiva, como explicar que a primeira frase dele no episódio seja “O que Wilson faria por mim?” O desafio médico que ele precisa solucionar essa semana não impede o House de pensar no Wilson. E mais. Em pensar no que Wilson faria por ele. E as imagens sugeridas tornam ainda mais patente a dependência completa do House em relação ao Wilson ao longo das temporadas passadas. Com as frases “Oh, sure, he made me laugh on a rainy day, made me see the colors I never knew”, House mais uma vez enfatiza o quanto há de si só é acessível a uma pessoa: James Wilson. Mas como House é um mestre em negação, ele, em uma tentativa de auto-convencimento, chega a conclusão que Gilbert também o faz rir e que, afinal, não há tantas cores assim. Ou seja, se ele não pode mais contar com a presença do Wilson, nada mais resta a fazer do que procurar um novo amigo e, portanto, ele vai à caça [não, eu não me enganei, o termo que eu queria usar era justamente esse] na cantina do hospital, atacando o Dr. O’Shea que não só paga pelo almoço de ambos como se deixa ser paquerado pelo House, dando lugar a um dos diálogos mais gays de séries héteros que já se teve notícia:
House: “You wanna come over and watch prescription passion at my place tonight?”
Dr. O’ Shea: "You know I'm not gay, right?”
House: “Neither am I. If you don't want to have sex, that's cool with me.”
Como eu sou um poço de referências culturais e cinematográficas, essa cena remeteu-me imediatamente ao final de “Quanto mais quente melhor” e ao seguinte diálogo entre Osgood, o pretendente apaixonado, e Daphne, a pretendida, na verdade o disfarce feminino de Jerry, personagem do Jack Lemon.
A seqü
Daphne: Não, Osgood. Nós não podemos nos casar.
Osgood: Por que não?
Daphne: Em primeiro lugar, porque eu não sou uma loura natural.
Osgood: Isso não tem importância.
Daphne: Eu fumo muito.
Osgood: Eu não me importo.
Daphne: Eu vivo com um saxofonista há três anos.
Osgood: Eu lhe perdôo.
Daphne: Eu não posso lhe dar filhos.
Osgood: Nós podemos adotar um.
Daphne / Jerry: Mas você não compreende, Osgood. Eu sou homem.
Osgood (imperturbável e ainda apaixonado): Afinal, ninguém é perfeito.
Bom, perdoem-me minhas reminiscências, mas não consigo evitar. House afirmando que “se você não quiser sexo, isto está legal pra mim” é bem diferente de afirmar que não havia interesse por sexo. E isso é gay demais pra mim!!! Voltemos.
Apple ainda está doente. Coração ou cérebro não se sabe ao certo. Momento de diferenciais e... ops, quem é aquele cara ali??? PI!!! Você apareceu! Private investigador disfarçado de técnico da cafeteira e, “Oh, the guy doing manual labor can't have an opinion?”, defendendo o seu direito de emitir opinião, fazendo com que os outros tenham que escuta-lo... uma coisa tão House que eu me apaixonei não importa se as meias dele sejam ou não horrorosas. A risada-espirro enche cada ambiente de vida que eu perdôo as meias! Mas falando sério, é evidente o contraponto entre House e o nosso PI, um detetive que não sabe mentir. Alguém que deveria viver de dissimular, mas que não consegue nem mesmo dissimular o interesse por uma mulher bonita. Talvez, essa sua incapacidade de esconder-se seja o preço a pagar por sua habilidade de perceber o escondido: “You're the type that doesn't care if you're right or wrong because they've hired me to investigate the wrong person.” Ou seja, todos nós sabíamos que as missões que o House pedia para o PI realizar nada mais eram do que um teste antes de chegar o momento da grande missão: ver o que o Wilson anda aprontando sozinho por aí. House é um ciumento. Ele não suporta não saber. Mas antes dele incumbir o PI da importante tarefa, o nosso intrépido detetive confronta House com a inquestionável verdade: “You want me to check out wilson. [...] You want to find out if there's something about him that will tell you he's gonna come back or something you can use to make him come back.”. O que fazer quando atiram a verdade assim, de supetão, “in your face”? No caso do House, o que vimos através da interpretação magistral do Hugh Laurie foi um “Is there?” em uma voz tremida, acompanhado por um olhar baixo que fez-me mais uma vez questionar o resultado do Emmy de domingo passado. Bom, nesse momento o pacto é firmado. PI investigará Wilson porque House precisa saber. Mesmo distante, Wilson se faz presente pela ausência. E, os produtores da série, ao colocarem o PI ao lado do House em várias das cenas desse episódio, enfatizam ainda mais essa ausência. Ela torna-se física e materializa-se quando vemos ao lado de House aquele outro homem que não é o Wilson, mas que é a ponte de contato do House com o Wilson nesse momento em que a ele é interdita uma aproximação.
Mas, com o mistério médico desenvolvendo-se sem que House consiga solucioná-lo [sim, Apple continua doente, alucinando e afirmando que virou professora de matemática porque o mundo era feio], torna-se necessário que o nosso médico receba sua epifania. Mas House não gosta de mudanças e, em meio ao diferencial, ele percebe que lhe falta alguma coisa e saí em busca dela: “But I need you. Let me describe the symptoms, problems, issues, and say whatever you feel like saying, until something triggers an idea in my head. You have a way of thinking about things. It's sloppy, it's undisciplined, it's not very linear. It complements mine.”
Wilson. Epifanias são algo que Wilson proporcionava a House. Em momentos em que o seu raciocínio chegava a um ponto limítrofe, Wilson surgia proporcionando uma iluminação instantânea. Mas agora Wilson recusa-se a contribuir. É a única cena em que ambos estão diretamente envolvidos ao longo de todo o episódio. E é flagrante o quanto a saudade é recíproca. Wilson não é capaz de encarar House. Ele sabe que não seria capaz de resistir a um olhar azul. Porque nos olhos de House estariam revelados aqueles mesmos sentimentos que antes ele optara por ignorar. Como forma de manter a sanidade que ele acredita ter conseguido, Wilson faz a única coisa possível: ele opta por continuar sua fábula “o House nunca gostou de mim”. Mais uma vez ele seleciona aquilo que ele quer escutar, mas a interpretação mais uma vez perfeita do RSL deixa bem claro o quão martirizante é esse último esforço.
House saí massacrado desse confronto. Mas quem o espera? PI! Lucas está por perto para confessar o quanto House o assusta um pouco, mas, mesmo assustado, o mais importante é que ele está disposto a ouvir. Só que isso tem um preço: ele também quer ser ouvido. E dessa forma eu chego a um dos aspectos da personagem que mais me impressionou: ele é extremamente sincero em relação a suas opiniões e a suas idéias. Ele faz questão de fazer com que as pessoas saibam o que pensa delas. Sem artifícios, sem disfarces. Sem acreditar em "cancer, but not cancer thing”, ele chama atenção do House de que “And everything else is everything else. If is not, nothing is nothing” e proporciona ao House o momento de epifania que ele buscara junto ao Wilson. Uma pista? Bom, digo somente que o problema transformava a forma da Apple ver o mundo.
Problema resolvido, chega o momento da Apple encarar o mundo com outros olhos [trocadilho infame, mas infame eu também sou]. House, tal e qual Virgílio, a conduz nesse caminho para o que é o seu primeiro vislumbre da realidade. Em mais um momento carregado de epifania, Apple constata o óbvio ao ter como sua primeira visão o rosto de House: “You look sad.”
A verdade patente. Sem disfarces. Sem máscaras. Wilson está longe. A ausência flagrante. O que resta a House é contentar-se com o que tem a mão. PI! Isso porque só um detetive com um extremo poder de observação é capaz de chegar a conclusão que o fato do Wilson está ignorando o House nada mais é do que uma prova a mais sobre o quão ampla deve ser a dor da ausência. Afinal, todos nós fugimos dos sentimentos com os quais não sabemos lidar, não é?
Enfim, Not cancer revelou-se um dos mais bem acabados episódios de House M.D. que eu um dia assisti. As cenas médicas cruas de um jeito que a muito eu não via. E um lirismo a permear ainda o que é o arco desse início de temporada: House/Wilson. E se a interpretação do RSL em DCE (5.1) foi memorável, não menos se pode dizer do trabalho do Hugh Laurie nesse episódio. Mais uma vez Hugh dá ao House a expressão certa no momento exato. Nada mais claro para ser lido do que pálidos azuis. Nada mais audível do que a incerteza de uma voz ao tentar uma nova amizade. Que venha o 5.3 porque eu não imagino o que pode ser feito para superar a carga emocional de Not Cancer.