Do (meu) sentido de orientação

Mar 01, 2012 19:53



Ao empurrar a porta de vidro que dava acesso ao WC mais próximo, estranhou a presença de um cheiro forte e desagradável no ar, uma vez que conhecia bem aquele centro comercial, que sempre primara por boas condições. Intrigada, inspeccionou o primeiro dos quatro cubículos disponíveis e, tendo achado que reunia os requisitos necessários, entrou e puxou o autoclismo, como era seu hábito. Era um daqueles finais de tarde típicos de Inverno, com frio e chuva, em que andamos apetrechados com casacos e chapéus, e, neste contexto, mais um ou outro saco. Ao tentar fechar a porta por dentro, reparou que o trinco encontrava-se defeituoso e que não existia um gancho na porta que possibilitasse pendurar o que quer que fosse. Sentiu uma leve impaciência, acentuada pela premência do odor desagradável envolvente, e apeteceu-lhe começar a mandar vir, mas que coisa estranha, é o mau cheiro, é o trinco estragado que obriga a acrobacias estrambólicas, é a falta de gancho na porta, ora bolas, resmungava por dentro, estamos num wc feminino, isso não constitui já um dos básicos? E mais: reparara, entretanto, que não havia qualquer caixote ao lado da sanita, o que também estranhou, voltando a resmungar com os seus botões, que realmente só numa situação de urgência uma pessoa atura com isto, que é incrível a falta de cuidado das senhoras que aqui vêm, parece que estamos no tempo das cavernas, bla bla bla. Acabou, enfim, por desvalorizar a situação, encolhendo os ombros.
Ao afastar a porta para sair, pára de repente. No seu campo de visão estão as costas de um homem que se encontra a lavar as mãos num dos lavatórios em frente. Fecha automaticamente a porta, com a subtileza possível, e, à medida que uma série de coisas começam a fazer sentido na sua cabeça e não obstante a barraca dada até então, pensa que, pelo menos, ficando ali até o senhor sair, a humilhação poderá ser minimizada. Enquanto aguarda que isso aconteça, sente vontade de rir ao pensar na sua própria figura. Por fim, o senhor sai, aparentemente sem dar pela sua presença. Com a casa-de-banho vazia, respira de alívio, mas não há motivo para ficar ali um segundo mais que seja e arriscar-se a encontros embaraçosos, é preferível lavar as mãos na casa-de-banho ao lado, essa sim, das senhoras. Precipita-se para a saída, com aquela adrenalina secreta de quem se safou por pouco, no entanto, antes sequer de tocar na porta, esta abre-se na sua direcção, e dá de caras com um homem engravatado. O homem estaca de repente, apanhado de surpresa, uma expressão de puro espanto e confusão no rosto. Dá um passo atrás, intrigado, olhando para a porta, com a intenção clara de verificar se não se tinha trocado. Ela elucida-o de imediato, dizendo apenas: não se preocupe, fui eu que me enganei. Sem esperar resposta, passa por ele rapidamente.
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