[Fic] Poção de Azevinho - Parte 1

Dec 31, 2011 02:37

Título: Poção de Azevinho
Advertências: Esta fic não se passa em Hogwarts D:
Personagens: ChiPe, um tiquinho de BrArg, e menções de Você-sabe-quem (Chile e Argentina genderbend)
Sumário: Manuelita finalmente recebeu sua carta de convite para estudar em Hogwarts. O(s) único(s) problema(s) é(são) que o convite não é para Hogwarts, a carta não é um convite e TUDO NÃO PASSA DE UMA ARMADILHA

Para a querida ilye_aru <33



A CARTA

Aquilo era tão exatamente o tipo de coisa que aconteceria a Manuela Gonzalez Rodriguez, Manu para os mais íntimos, que, no momento em que ocorreu, ninguém suspeitou que haveria alguma coisa errada. Que seria mais um truque (não muito bem aplicado, é verdade) da Subdivisão Sul-Americana dos Comensais da Morte.

Fazia muito sentido, o problema era exatamente esse, que a carta de matrícula de Manu tivesse sido extraviada. Quer dizer, o correio trouxa não era perfeito, era? Por que assumir então que o correio mágico seria? Humanos erram, mágicos erram, corujas não erram? Nunca? Então, considerando que esse tipo de problema poderia acontecer, não havia por que não chutar o balde de vez e acreditar que a sua carta só chegaria em meados de dezembro, às vésperas dos preparativos natalinos, quando a primeira turma da Escola Brasileira de Magia já estava fechando as notas.

Quer dizer.

Era exatamente o tipo de coisa que aconteceria a Manu.

(Mas, no caso, tratava-se de mais um plano maligno de Você-sabe-quem, que tinha acordado determinado a roubar o Natal)

Quando Manu recebeu a carta da Coruja Buraqueira (Cunicularia, uma escolha muito interessante, na verdade, já que se tratava de uma coruja cujo habitat era praticamente todo o solo brasileiro, com exceção da Amazônia. Mas Manu entenderia essa anomalia mais tarde), ela ficou tão feliz que chegou a esboçar um sorriso de lábios fechados. E então, como se lembrasse de repente que sua mãe poderia chegar a qualquer momento, parou de sorrir e correu fazer as malas. Este era outro momento em que ela poderia ter desconfiado de tudo aquilo, já que a carta não dava nenhuma boas vindas ou felicitações, mas partia direto para a ameaça:

“Caríssima Manuela

O quarto ainda está reservado para você, apesar de detestarmos desfeitas. Se não vai vir, prepare-se para receber uma intimação do Ministério da Magia, pois você será uma maga ilegal em solo chileno.

Isto não é uma brincadeira. Considere-se avisada.

Respeitosamente,

Equipe docente da Escola Brasileira de Magia”

No entanto, como Manu tinha começado a se preocupar com a possibilidade de sua mãe acabar com sua última chance de ser feliz, ela não pôde separar um tempo para fazer uma leitura detalhada da carta. Além disso, raios, não era como se ela não tivesse esperado esse tempo todo. Seus dons mágicos tinham se revelado há um ano e meio atrás, ela mesma já saíra pesquisando as escolas de magia mais baratas, e não se conformava por não ter recebido nada de nenhuma delas nesse tempo todo.

Quer dizer. Não se conformava de não ter recebido nada da EBM, já que em Hogwarts as coisas estavam tão feias que ela nem sabia se ainda estavam formando turmas.

Mas Manu não queria pensar nisso agora. Felizmente, Você-sabe-quem estava ocupado lá no Hemisfério Norte, então aqui com certeza seria um final de ano tranquilo.

Com certeza.

A INCRÍVEL JORNADA

Assim que terminou sua mala, Manu escreveu um bilhete às pressas (“Mãe. Estou indo para o Brasil. Finalmente fui chamada e você não pode me impedir de ser feliz. Volto no Réveillon, eu acho”) e correu para o aeroporto.

A carta detalhava todos os materiais que ela precisaria comprar, e Manu realmente teve a boa vontade de ler um a um. Porém, como não podia deixar de ser, estava tudo em português e não havia o endereço das lojas. Raios, não havia nem uma nota explicando se ela poderia comprar tudo no Supermercado Jumbo, ou se era só em alguma loja mágica perdida no Brasil.

E Manuela até tinha tentado procurar os itens na internet, mas deu tanto trabalho que ela acabou desistindo e decidiu que ia se fazer de louca. Graças a isso, seu check-in transcorreu sem maiores incidentes (ela não fazia idéia de como teria explicado se por acaso tentasse embarcar com um caldeirão e um jarro de saliva de chupa-cabras) e Manu chegou sã e salva onde o Vento Faz a Curva, a cidade na divisa entre Brasil e Peru de onde partia o trem para a Escola Brasileira de Magia.

A plataforma de embarque não era em nada como Manu tinha esperado, mesmo que ela já não esperasse muita coisa. E ela estava sozinha, absolutamente sozinha, aquele tipo de solidão tão imensa que chega a dar medo.

Mas era nisso que dava querer começar o ano letivo pelo final, Manu pensou, respirando fundo e apertando sua mochila contra o peito. Todo mundo já estava lá, o problema era esse, então fazia sentido que ela entrasse sozinha naquele trem decrépito caindo aos pedaços.

Quer dizer. Era exatamente o tipo de coisa que acontecia com Manu.

SÓ QUE ERA UMA ARMADILHA

Assim que Manu entrou no trem e se sentou o mais confortavelmente que poderia, ela fechou os olhos e fez uma pequena prece para tudo dar certo.

Quando abriu os olhos, porém, o trem estava completamente escuro.

“Manuela”

Era uma voz praticamente telepática, e soou tão alto que Manu quase pulou no banco, arregalando os olhos na escuridão para tentar enxergar quem tinha falado.

“Não adianta”, a voz continuou, sibilante “Mas não se preocupe. Eu não ficarei muito tempo”

-Eu - Manu engasgou - quem- o que você…?

“Eu vim te dizer que você está perdendo tempo”, a voz riu “Já perdeu e vai perder mais ainda. O que você espera aprender em um mês de aula?”

Manu franziu a testa, mesmo na escuridão:

-E o que é que você tem a ver com isso?

“Oh, eu não queria ofendê-la. Minha intenção era só avisá-la.”

-Para a sua informação - Manu ergueu o queixo, petulante - eu sou assinante do Profeta Diário, tanto da edição normal quanto da edição educativa. Já aprendi uma porção de coisas.

“Aposto que sim.”

-Aprendi mesmo. Tanto que eu sei que não posso te mostrar nada, senão o Ministério iria vir me prender. - Manu sorriu vitoriosa, apesar de duvidar com as fibras de seu ser que qualquer pessoa iria se dar ao trabalho de se arrastar até aquele buraco sem nome só por essa pequena infração.

“Muito bom”, a voz sibilou em reconhecimento. Provavelmente era uma cobra, o que levou Manu a se perguntar se ela não seria uma ofidioglota. Ela tinha lido sobre isso no jornal “Mas mesmo assim. Todos lá estão anos-luz na sua frente. Como você vai lidar com isso?”

-Eu dou um jeito - Manu respondeu, apesar de não estar mais se sentindo tão bem. A voz deu outra risadinha e, por alguma razão, a raiva que ela sentiu serviu para ativar algo em sua memória. Então a consciência de que ela tinha a solução para o problema foi tão grande que Manu não conseguiu se segurar - Imperius Contextus!

“O quê? Isso foi um feitiço? O que aconteceu com o não posso te mostrar nada?”

-Claro que não foi um feitiço, sua cobra boba. Vai ser um feitiço quando eu chegar na EBM. E aí? O que você tem a dizer a respeito?

“Hmmmmmm”, a cobra pensou por diversos instantes, até que respondeu “É, certo, você me pegou. Imperius Contextus, muito bom. Mas nós nos veremos novamente, Manuela”

E desapareceu num facho de luz que iluminou todo o trem. O brilho foi tão intenso que Manu precisou estreitar os olhos, pois parecia que todo o vagão reluzia, bem como a sua mochila e suas roupas e até a sua pele.

Manu estava quase se convencendo de que a cobra tinha desviado o rumo do trem para o Sol quando um punhado de letras garrafais vermelhas se formaram à sua frente:

BEM-VINDA À ESCOLA BRASILEIRA DE MAGIA. FAVOR APRESENTAR SEU CARTÃO DE IDENTIFICAÇÃO.

O CHAPÉU SELETOR

Manu piscou algumas vezes, até se dar conta do que estava sendo solicitado. E, mesmo que ela soubesse muito bem que não tinha cartão algum, procurou nos bolsos da calça e da mochila antes de responder:

-É, bem, acho que eu esqueci o meu cartão. - ela arrumou o cabelo atrás da orelha - Acho que eu nunca tive um cartão. Eu sou uma aluna nova.

As letras vermelhas diminuíram até se amontoarem num canto e formarem uma pequena bolinha vermelha. Após alguns instantes, formou-se a seguinte frase:

VOCÊ NÃO TEM UM CARTÃO?

-Não. Eu só tenho a carta que vocês me enviaram - Manu ergueu o envelope para provar que não estava mentindo.

SÓ UM MOMENTINHO, POR FAVOR.

Manu assentiu e ficou assistindo enquanto as letras se recolheram de novo e formaram outra bolinha. Dessa vez, elas ficaram assim por uns bons vinte, vinte e cinco segundos, até surgirem letras garrafais roxas:

BEM? O QUE ESTAMOS ESPERANDO?

Manu piscou algumas vezes, e chegou a abrir a boca para responder. Porém, antes que pudesse, as palavras vermelhas se adiantaram:

ELA DISSE QUE NÃO TEM CARTÃO, NEM NUNCA TEVE.

ENTÃO NÃO É PARA LIBERAR, FÁCIL ASSIM.

MAS ELA É UMA ALUNA NOVA, as palavras vermelhas ficaram um pouquinho menores, quase como se sussurrassem E VOCÊ LEMBRA O QUE FALARAM SOBRE ALUNOS NOVOS.

AH, ENTÃO VOCÊ ESTÁ ME DIZENDO QUE ESSA MOCINHA AQUI É A ALUNA NOVA? As letras roxas perguntaram e, sem esperar resposta, amontoaram-se até virarem um enorme olho roxo e foram para cima de Manu.

Elas não chegaram a tocar nela, certo, mas Manu não quis se arriscar. Quando aquela coisa horrorosa chegou perto de seu rosto, ela se encolheu e começou a gritar a plenos pulmões, até que escutou alguém escancarar a porta do trem.

-Ei, caiam fora daqui! - o seu salvador disse, espantando as palavras com as mãos - Qual é o problema com vocês, caras?

ELA NÃO TINHA CARTÃO, as letras vermelhas choramingaram.

ELA É A ALUNA NOVA, as letras roxas deduraram.

O cara, que estava para espantá-las de novo, deixou cair os braços e se virou para Manu, surpreso.

Manu fechou a cara, cruzando os braços, e esperou.

-Você é a- calma aí, só um segundo - ele enfiou a mão fundo no bolso da calça, e tirou um bocado de lixo dali. Depois de vasculhar um monte de papéis de bala, embalagens de chocolate e até preservativos, ele consultou uma pequena tirinha de papel para depois sorrir para Manu - Manuela Gonzalez Rodriguez? É isso?

-Isso mesmo - Manu respondeu, ainda desconfortável - E quem é você?

-Eu sou o Luciano, prazer - ele estendeu a mão para cumprimentá-la - O meu pai avisou que você ia chegar, mas eu não sabia que ia ser hoje. Seja bem-vinda.

Manu aceitou a mão dele e, para a sua surpresa, Luciano beijou as costas de sua mão.

Tinha sido tão gratuito e inesperado que Manu se sentiu enrubescer até o último fio de cabelo. Assim que Luciano a soltou, ela puxou qualquer assunto para tentar disfarçar:

-E por que você não sabia que eu ia chegar hoje? Quando você achou que eu iria chegar?

-Qualquer outro dia, ué - Luciano deu de ombros, encaminhando-se para fora do trem. Manu tomou a liberdade de segui-lo, ignorando as letras garrafais que tinham começado a falar dela por suas costas - Pelo tanto que a gente sabia, você podia acabar nem vindo. Pro caso de você não saber, as aulas começaram em fevereiro, assim que terminou o Carnaval.

-A minha carta extraviou - Manu respondeu, arrumando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

-Eu imaginei que fosse isso mesmo, mas aí o meu pai mandou mais trezentas cartas. Sem exagero, era quase uma por dia. Os meus dedos estão todos esfolados por causa dos bicos dessas corujas.

Manu encolheu os ombros, sem responder. Sinceramente, ela não ia pedir desculpas por uma coisa que não tinha sido sua culpa, se era isso que Luciano estava esperando. Sem contar que ela não acreditava que tivessem sido tantas cartas assim.

Luciano ainda estava falando:

-Mas você chegou mesmo em boa hora. Claro que a gente vai ter que correr pra ver em que casa você vai cair e tudo o mais, mas, se der sorte, você vai ficar na Grifinória junto com os legais, então vai poder entrar pro time.

Com essa, Manu até parou de andar:

-Desculpa, com sorte eu vou ficar aonde?

-Na Grifinória - Luciano sorriu - São as quatro casas da EBM. Você não conhece?

-Na verdade não. Eu só tive tempo de pesquisar o sistema de Hogwarts.

-Sem problemas, dá praticamente na mesma. Como a EBM é uma escola muito nova, nós adotamos o sistema deles. Mas aí o meu pai (o meu pai é o diretor, mas eu não ganho nada com isso) fez tanta alteração que mais parece que nós adotamos o primeiro rascunho do que o sistema deles nunca deveria ser.

-Sei.

-Aí nós temos quatro casas, que são praticamente as mesmas que você estudou: a Grifinória, dos mais legais; a Sonserina, dos que vao mudar de time assim que as coisas esquentarem; a Corvinal, dos nerds sem namorada e a Lufa-Lufa, dos que não encaixaram em nenhuma outra.

-Sei - Manu assentiu, sentindo pontadas de pânico na espinha - E em qual você está?

-Em qual você acha?

Ele perguntou com um sorriso muito bonito, nada hostil, e Manu percebeu que sua pergunta tinha sido meio estúpida. Essa percepção a deixou irritada, então ela se apressou em responder:

-Não sei. E onde estão os professores, o diretor e todo o resto do pessoal? Onde nós estamos indo?

-Os professores estão dando aula, o diretor deve estar matando trabalho em algum lugar e o resto do pessoal você vai conhecer agora. Respira fundo.

Luciano parou de andar de repente, e Manu acabou batendo contra as costas dele. Isso a irritou um pouco (os assédios não paravam!), mas ela conseguiu se controlar e desviou dele, avistando o resto do pessoal.

E, diga-se de passagem, não era àquele pessoal que Manu se referia. No caso, ela estava pensando no corpo docente, e não nos outros alunos tagarelas da EBM.

-E aí, galera? - Luciano sorriu para os recém-chegados - Estão matando aula?

-Claro que não - um deles, de óculos, respondeu - E você também não está, porque agora nós temos aula de Poções.

-Sim, mas eu tenho uma missão - Luciano respondeu, alegre - No caso, eu estou levando a nossa amiga para a sala do Chapéu Seletor.

O cara de óculos ergueu as sobrancelhas, sem responder, e ele e os outros desviaram a atenção para Manu.

Foi um momento extremamente embaraçoso, porque eles não fizeram nenhuma pergunta e nenhum comentário, só observaram-na em silêncio como se ele fosse um brinquedo novo ou um animal muito raro que Luciano tivesse encontrado. Suas olhadas eram tão diretas que Manu se irritou de novo:

-Certo, muito prazer em conhecer todos vocês também. Podemos ir?

Infelizmente, isso também não causou a reação esperada.

-Muito prazer - a única menina, uma loira, sorriu sem abrir os lábios - Aposto que você vai cair na Sonserina. Você sabe jogar Quadribol?

-Começou… - o cara de óculos comentou, ao mesmo tempo em que Luciano franzia a testa:

-Nem escuta, Manuela. Lembra o que eu falei. Nessa casa só tem gente pagando pra virar um mago ou maga do mal. Ah, antes que eu me esqueça - ele se virou para os amigos de novo e, apontando um a um, apresentou - Sebastián Artigas, Miguel Prado e Martina Hernandez. Mas você pode chamá-los de Sebas, Miguel e Quero-Ser-uma-Comensal-da-Morte.

Manuela assentiu, buscando uma forma de decorar tudo aquilo, enquanto Martina tentava acertar um tapa no braço de Luciano. E então, como ficara faltando a sua apresentação, sentiu-se forçada a dizer:

-E eu sou Manuela Gonzalez Rodriguez. Mas vocês podem me chamar de Manu.

E esse era um momento muito grande, muito intenso, porque era a primeira vez que Manu estendia seu apelido para outras pessoas fora de sua cabeça. Porém, claro, não tinha como eles saberem disso, então essa abertura, esse chamado da amizade quase passou despercebido, pois Martina ainda estava tentando acertar Luciano e Sebas estava consultando seu relógio de pulso para ver se não ia acabar perdendo a aula de Poções.

No entanto, Miguel estava olhando para ela. Olhando e sorrindo, o que deixou Manu desconfortável.

-Manu - ele repetiu - Seja bem-vinda. Quer escapar desses retardados e ir até o Chapéu?

Manu assentiu em silêncio e Miguel contornou o grupo, indo até ela e segurando sua mão para guiá-la até a Sala do Chapéu Seletor.

Manu se surpreendeu com o toque, e avermelhou até a raiz dos cabelos pela segunda vez naquele dia, seguindo alguns passos atrás de Miguel sem pronunciar nenhuma palavra. O outro não percebeu, ou fingiu que não percebeu, e continuou a tagarelice praticamente de onde Luciano tinha parado:

-Você vai gostar daqui - ele disse, levando-a por um labirinto de corredores e portas que davam a outros corredores e outras portas - É tudo uma desorganização sem tamanho, mas é bem legal. A única coisa triste é o fato de estarmos tão longe da Sede.

Manu pensou por alguns segundos, até decidir arriscar:

-A Sede, você diz, Hogwarts?

-É. Eles estão tendo uma batalha por lá, e ninguém daqui pode ajudar. Eu ainda acho que a direção devia fazer algo a respeito.

Ou seja, Manu pensou, ele também deveria ser da Grifinória. A não ser que estivesse pensando em ajudar o lado de Você-sabe-quem, caso em que seria da Sonserina. Manu sentia que estava quase pegando o raciocínio.

Nessa hora, Miguel parou e abriu a porta de uma sala absolutamente escura. Era um negrume tão intenso que, só de esticar o braço, alguém deixaria de ver os próprios dedos. Na verdade, Manu reparou, não era como se a sala fosse escura só porque não havia nenhuma luz acesa, não, a escuridão ia muito além disso. A sala era praticamente feita de trevas e sombras, e nem um farol teria forças ou energias o bastante para vencê-las.

Manu limpou a garganta:

-Hmm, e o chapéu vai vir pra cá? Por que eu certamente não vou entrar aí.

-O chapéu deve estar em seu sono de beleza, mas eu resolvo isso rapidinho - então Miguel deu um assobio muito fino que ecoou na escuridão.

Alguns segundos depois, uma luz bem fina cortou a sala até chegar no teto, onde uma lâmpada brilhou incerta e balouçante.

-Tem um jeito que você assobia e essa droga funciona, mas ninguém sabe muito bem como é. Só os professores, mas eles também são um bando de inúteis. Enfim, dá pra enxergar o chapéu agora, né?

Manu fez que sim, sem se mover. Miguel olhou para ela e, como Manu não dava sinais de que iria tomar coragem, ele pigarreou:

-Hmm, bom, se você quiser, eu posso entrar com você. É que o chapéu é meio arisco, mas acho que ele vai entender se você estiver com medo.

-Não precisa - Manu respondeu, ofendida, percebendo que ainda não tinha entrado - E eu não estou com medo.

Então, depois de juntar muita coragem, deu os cinco passos decididos que a separavam do chapéu e parou à frente dele.

-Agora você coloca na cabeça - Miguel disse, ainda parado na entrada da sala - Ele vai te fazer umas perguntas e depois escolherá a sua casa.

Certo, Manu pensou, respirando fundo e seguindo as indicações dele. O tecido do Chapéu Seletor parecia reagir ao seu toque, quase como se estivesse ligando alguns sistemas ou ronronando para ela. Manu, que tinha se perguntado se esse seria mesmo O GRANDE CHAPÉU SELETOR, chegou à conclusão de que isso era muito pouco provável. Afinal de contas, como é que ele ia ficar trocando de continente assim? Quem é que pagava a passagem dele?

“Certo, ok, vamos lá”, o Chapéu pensou dentro de sua cabeça, e a sua voz era bem mais simpática que a da cobra “Vamos ver, vamos ver, hmm… Manuela Gonzalez Rodriguez, certo?”

“Isso mesmo”, Manu pensou, sem saber muito bem se ele poderia entendê-la.

“Claro que posso”, o chapéu respondeu, ligeiramente ofendido “Não seja tão prepotente, mocinha, senão eu posso te colocar na casa que você mais odeia. Por falar nisso, qual exatamente seria a casa que você mais odeia? Apenas por curiosidade.”

“A Grifinória”, Manu se apressou em dizer/pensar “Por favor, pode me colocar em qualquer uma menos nessa”

“Sério? Por quê?”

“Não sei. Mas eu não quero”

“Bom, para a sua informação, eu não ia mesmo fazer isso, a não ser que estivesse bêbado. E chapéus não bebem, então não precisa se preocupar. Agora, vamos pensar no seu caso…”

Manu esperou e o Chapéu não disse mais nada, só murmurando coisas como “hmmmm”, “interessante” e “ora vejam só” de vez em quando. Estava começando a dar nos nervos de Manu quando ele finalmente disse:

“Certo, e que tal a Corvinal? Pode ser?”

Manu, que estava se conformando com a idéia de que ir para a Sonserina, se surpreendeu. De forma positiva, no caso.

“Pode sim”, ela respondeu “Você está falando sério?”

“Claro que estou. Eu nunca brinco. Agora, se puder sair daqui e apagar a luz, vou gostar ainda mais de você”

Manu não se dignou a responder a isso, tirando o chapéu da própria cabeça e pousando-o sobre a cadeira. Perguntas, ora pois sim. Que chapéu mais preguiçoso.

Enfim, ela ainda estava se perguntando qual seria o processo agora, se deveria contar para Miguel ou se era para ir direto à diretoria, quando o Chapéu, como se lembrasse de repente do que estava esquecendo, gritou para a escola inteira ouvir:

“CORVINAL”

IMPERIUS CONTEXTUS

Quando Manu saiu da sala, Miguel estava batendo palmas para ela:

-Muito bom - ele sorriu - Isso significa que você é bem esperta, porque o Chapéu detesta mandar gente pra Corvinal.

Manu sorriu de lábios fechados, sem responder. Falsa modéstia também não funcionava bem para ela.

Miguel continuou sorrindo, e virou as costas para voltar pelo corredor. Manu pensou em segui-lo, porém, antes que começasse, percebeu que não tinha um bom motivo para isso.

Quer dizer, agora ela estava oficialmente matriculada, certo? O que faltava era apenas comprar o seu material e achar a sua casa, mas nem Miguel nem Luciano tinham mencionado isso (o que não era de se espantar, já que, se eles fossem inteligentes, não teriam caído na Grifinória). Portanto, o que Manu precisava agora era encontrar alguém que fosse da Corvinal, ou então um professor que estivesse disposto a trabalhar.

-Você vai ficar aí? - Miguel perguntou, virando-se para trás.

O sorriso dele não ia mais embora, Manu pensou, sentindo o rosto esquentar de novo.

-Eu estou pensando - ela respondeu, virando o rosto - Agora eu preciso encontrar a minha casa.

-Eu posso te levar até lá.

-Não, obrigada. Duvido que você saiba onde é.

Miguel ergueu as sobrancelhas, surpreso:

-Claro que sei. Eu tenho uma porção de amigos na Corvinal.

-Mesmo assim. Eu sei me virar.

-Bom, eu não posso te deixar aqui sozinha. Vai saber se Você-sabe-quem não tem comensais infiltrados aqui na EBM.

Manu achava isso muito pouco provável, mas, como só de pensar ela já sentiu um arrepio gelado descendo por sua espinha, ela acabou concluindo que talvez já fosse a hora de utilizar a sua cartada final.

-Não, não precisa. Na verdade, eu vou precisar da sua ajuda para outra coisa. Para um feitiço.

E o que aconteceu? Que raio de plano era aquele? Quem é Você-sabe-quem? Onde exatamente fica a EBM (isso ainda não foi explicado, certo?)?

E, mais importante do que tudo isso…

Por que é a Coruja Buraqueira quem entrega as cartas?

Todas essas respostas nos próximos capítulos da GRANDE POÇÃO DE AZEVINHO.

chi/pe, genderbending, fanfic, br/arg

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