Essa era pra ser uma historinha atrasada baseada nas dramáticas experiências que alguém pode ter durante o período do vestibular.
Infelizmente, o que saiu mesmo não tem quase nada a ver com isso D:
Título: A Prova mais Difícil do Mundo
Personagens: PE/CE/SC
Rating/Warning: threesome again, ainda mais maluco
Sumário: SC tem que fazer uma prova e os outros dois bonitinhos decidem ajudar. Grandes influências
disso,
disso e
disso também.
Fora isso, recebi uma valiosa consultoria da
julia400, mas se essa fic tiver ficado péssima, a culpa não é dela ç___ç
Última coisa: essa fic não tem a intenção de ofender ninguém, afinal, somos todos irmãos debaixo deste céu azul...
Era uma vez uma reunião de família, dessa vez na casa de Paraná, onde a discussão central tratava de coisas tão chatas e sem graça que Catarina, a heroína desta história, foi se desligando pouco a pouco do que estava sendo dito. Primeiro ela bem que tentou disfarçar, manter a expressão neutra e atenta, mas o tédio - e o esmalte precisando urgentemente de um retoque - acabaram vencendo.
Como quem estava falando agora era Bahia, e ela conseguia falar sobre bem devagar sobre nada por muito tempo, Catarina tirou discretamente a necessaire de dentro da bolsa e a pousou sobre os próprios joelhos.
Ainda não tinha ninguém olhando.
Catarina disfarçou um sorrisinho para si mesma e abriu o zíper da necessaire bem devagar, puxando o esmalte cor-de-rosa sem fazer nenhum ruído.
Ja tinha pousado o pincel sobre a unha do dedo indicador da mão esquerda quando o corno de São Paulo meteu o maior tapa na mesa:
-É o seguinte - ele disse, depois que a mão de Catarina já estava toda cor-de-rosa - eu não tenho tempo pra perder com as palhaçadas de vocês, então eu só vou falar uma coisa.
Catarina murmurou um palavrão, pegando a acetona. Normalmente ela não gostava de falar palavrões. Ao contrário de muita gente que conhecia, ela tinha sua educação européia que tanto orgulho lhe dava- mas foda-se.
Paulo continuou:
-Seguinte. Na minha casa tem trânsito. Um puta trânsito, na verdade. Então - e ele precisou se apressar antes que a casa caísse - quem for prestar vestibular em São Paulo PELO AMOR DE DEUS chegue mais cedo. Porque eu não aguento mais esse dramalhão.
-Muito obrigada pelo toque, gato - Rio abriu um sorrisinho falso - mas eu vou prestar em casa mesmo.
-Ótimo - ele respondeu com um sorriso igualmente falso - então boa sorte pra você. Só lembra de conferir o dia da prova. Aliás, isso vale pro resto de vocês também.
-Só o que me faltava, ir prestar vestibular em São Paulo - Brasília resmungou enquanto Paulo saía da sala falando no celular. Claro que isso levantou a discussão se ele estava ou não na idade de pensar em vestibular, e então Minas disse que também não tinha a menor intenção de sair de sua casa, já Ceará (ou Piauí, ou Pernambuco) sorriu e disse que não só ia prestar lá como ia chegar mais cedo e roubar a vaga de todo mundo.
Essa discussão acabou desvirtuando toda a reunião, a maior parte do pessoal foi embora, alguns ainda ficaram para terminar de assaltar a geladeira de Paraná, para desgosto do anfitrião, e Catarina teve tempo de limpar o esmalte dos dedos.
-Você devia fazer isso na sua casa - Paraná disse, assim que viu o que ela estava fazendo - Eu tenho mais o que fazer do que ficar te pajeando.
-Não me deixe te segurar - Catarina sorriu, molhando com a acetona outra bolinha de algodão - Pode ir acompanhar suas visitas lá na cozinha.
Paraná fez uma careta, mas não respondeu. E, como Catarina não tinha mesmo a intenção de ir embora antes de terminar as unhas, ele acabou se distraindo com o jornal do dia.
Catarina inclinou um pouco o rosto para ler a manchete.
“Abertas as inscrições para a UFPR”
-Que dia vai ser?
Paraná baixou o jornal para olhar para ela, visivelmente irritado por ter sido interrompido em sua leitura:
-Vai ser o quê?
-As provas da UFPR. Você já sabe que dia vai ser?
-Ah, eu ainda estou definindo isso - e ele voltou a ler - Estou esperando o Paulo confirmar o da USP.
Catarina franziu a testa, já repassando o esmalte:
-Por quê?
-Pra marcar no mesmo dia. Aí eu garanto que ele e o Rio Grande do Sul não venham pra cá.
-O Rio Grande também?
-Ele gosta de prestar na USP. Pra desestabilizar o Paulo emocionalmente, sei lá.
Como Paraná estava escondido atrás do jornal, não teve o prazer de ver a testa franzida de Catarina.
Quer dizer que Rio Grande estava prestando a USP. Com a Universidade Federal de Santa Catarina ali do lado, estrategicamente localizada na cidade mais linda do Brasil, aquele viado estava indo prestar a USP.
E fazendo ela pensar palavrões de novo.
-Pois então eu vou fazer isso também - Catarina disse, resoluta - Aí nenhum de vocês vai vir encher minha casa de bitucas de cigarro e latinhas de cerveja.
Paraná nem respondeu (pelo menos não verbalmente), mas fez questão de virar uma página do jornal nessa hora, permitindo que ela visse num relance o seu sorrisinho orgulhoso.
-Quê? - Cat perguntou, irritada - Você acha que eu não sou capaz disso? Que eu não estou falando sério?
-Eu não disse nada. Na verdade, até te incentivo.
Mas ele ainda estava com aquele arzinho arrogante, então Catarina viu que marcar a prova no mesmo dia da UFPR não seria o bastante.
Não, para ensinar uma lição aos seus irmãos, ela teria que ser mais dura.
Ela teria que preparar a prova mais difícil do mundo.
Já era noite quando Catarina chegou em sua linda casa na beira da praia mais linda do Brasil e, numa olhada superficial, realmente não parecia ter nada de anormal.
E então, numa segunda análise, ela notou dois pares de tênis velhos espalhados pela sala, bem como um cinto marrom largado sobre o encosto do sofá e uma mochila verde musgo (que deveria ter sido interditada pelo ministério da moda, diga-se de passagem) no chão perto da cozinha.
Sem parar pra pensar, Catarina pegou no bolso da saia jeans o celular para ligar, nessa ordem, para Rio Grande, a polícia e o corpo de bombeiros, quando escutou alguém dar a descarga. O susto foi tão grande que ela acabou jogando o celular para o alto, erguendo as duas mãos e fechando os olhos:
-Por favor, por favor, leve tudo o que eu tenho mas não me mate não me estupre não me faça passar por um sequestro relâmpago!
-Eita - uma voz conhecida disse - boa noite pra você também.
-É impressionante o jeito que esse povo nos recebe - outra voz falou, dessa vez vindo da cozinha - E depois eles ficam reclamando quando a gente fala que pro sul só tem gente antipática.
-É por isso que eu digo. Vaia cearense neles.
Catarina abriu os olhos bem devagar, primeiro um e depois o outro, até que conseguiu reconhecer os dois.
Ou quase.
-Espera - ela franziu a testa, apontando para aquele que tinha acabado de sair do banheiro - eu lembro. Você é o… hmm, não fala, eu sei, é o…
Ele abriu um sorriso bonito, e realmente não falou nada. Não deu nem uma dica.
Fala sério.
-Ai, caramba, eu sei, claro que eu sei quem você é. Você estava na reunião hoje.
-Ele é o Ceará - o outro cortou, passando reto por ela e indo até a mochila verde - e eu sou Pernambuco. A gente veio passar uns dias com você.
-Eu ia lembrar - Catarina respondeu, amuada. E então, como finalmente entendesse a segunda parte - Vocês vieram o quê como onde hein?
-É que a gente vai mesmo prestar vestibular em São Paulo - Ceará explicou - E no Rio de Janeiro também, e provavelmente no Rio Grande do Sul também, então, como tivemos que vir pra cá por causa daquela reunião besta, achamos melhor ficar na região até a época das provas.
-Mas nem é a mesma região - Catarina disse, olhando perdida de um para o outro - E a reunião nem foi aqui. Por quê-
-São umas três ou quatro razões muito simples - e Pernambuco começou a contar com os dedos - primeira, nada contra a sua amiga, mas o sotaque dela me mata. Então só sob o meu cadáver a gente iria passar esse tempo todo na casa da Rio.
Ceará assentiu, concordando, e Catarina chegou a abrir a boca para comentar o “sua amiga”, mas Pernambuco foi mais rápido:
-Segunda, nós até poderíamos ficar esperando em São Paulo mesmo, mas acontece que estamos de férias, então não tem por que ficar um segundo que seja naquele lugar abafado.
Quanto a isso Catarina concordava plenamente, então ela também só assentiu com a cabeça.
-Terceira, a gente até ficaria com o metidinho-cujo-nome-não-me-lembro, mas ele não tem praia, e sem praia não tem conversa. Então, como ao redor de buraco tudo é beira, decidimos vir pra cá.
Dessa vez Cat franziu a sobrancelha:
-O “metidinho”, você diz, o Paraná? Lógico que ele tem praia!
-Tem nada.
-Lógico que tem! Tá, eu sei que é um litoral minúsculo que nem se compara ao meu, mas que ele tem, tem. E ele fica muito chateado quando falam coisas desse tipo.
-Olha, sei não, hein - Ceará abanou a cabeça - Cara, confere isso nas nossas apostilas de geografia. Eu ia detestar errar isso numa prova. Pensa num desperdício de questão.
Esse comentário fez o cérebro de Catarina dar um estalo.
-Deixa de ser besta - Pernambuco respondeu - Que raio de questão é essa? “Marque verdadeiro ou falso: Paraná tem uma praia idiota da qual ninguém nunca ouviu falar”.
-Perfeito! - Catarina gritou - Quer dizer, tirando a parte que você xingou, mas, se vocês não sabem, com certeza o pessoal de lá de cima também não sabe! Alguém tem uma caneta?
Ela não esperou por nenhuma resposta (afinal de contas, como a sua casa era perfeitamente organizada, obviamente sabia achar canetas e o que mais precisasse em poucos segundos), correu para seu escritório e se sentou na frente do computador, ligando a fonte com o pé e anotando num bloquinho de notas antes que esquecesse.
Verdadeiro ou falso. Paraná tem litoral. Não, muito óbvia… qual o tamanho do litoral paranaense?
Catarina mordeu a ponta da caneta. Essa era uma pergunta muito boa e difícil e complexa, mas assim nem ela saberia responder. Riscou as duas frases e continuou rabiscando em outros formatos, tão concentrada que não reparou que Ceará tinha se aproximado e estava lendo as anotações por cima de sua cabeça.
-Talvez você devesse tipo que mudar a estrutura da pergunta - ele disse - qualquer coisa como “qual é o menor litoral do país”, ou coisa assim…
-Eu não sei se é o menor - Cat hesitou - os seus vizinhos, por exemplo. Não tem nenhum com um litoral menorzinho?
Por alguma razão, essa questão fez Ceará fechar a cara.
-É, sim, é bem capaz que o Piauí tenha, mas eu não vejo por que isso seria minha culpa.
-Claro que é sua culpa, ficar chateando o nosso inferninho desse jeito, onde já se viu - e Pernambuco puxou o bloquinho das mãos de Catarina - Mas que mal te pergunte, gata, pra que é que você está anotando isso?
Catarina virou-se para Pernambuco, levantando-se para pegar de volta o bloco. Aí o chato ergueu o braço para ela não conseguir alcançar.
-Eu estou pensando no vestibular. - ela disse irritada, perguntando-se se valia a pena atracar-se com ele para recuperar seu bloquinho - porque eu acho que está muito fácil. E isso tem que ser corrigido.
-Ah, mas então pediu ajuda pras pessoas certas - ele sorriu, puxando uma cadeira e sentando-se ao lado dela - Ninguém prestou mais provas que eu e o meu amigo aqui. Se tiver uma questão que eu não saiba, pode apostar que mais ninguém vai saber. A gente aqui é arretado!
-Lá isso é verdade - Ceará sorriu também - Eu corri esse Brasil inteiro fazendo todos os vestibulares que encontrei.
Menos o da UFSC, Catarina pensou, porque eu nunca vi os dois viados por aqui.
Mas, bah, que seja, ela acabou se resignando depois de pegar seu bloquinho num momento de distração de Pernambuco. Já que estava de noite e ela estava com sono, era melhor mesmo contar com um pouco de ajuda.
Como o computador já estava ligado, Catarina abriu um arquivo de texto e colocou as mãos na posição de início.
-Certo. Qual vai ser a primeira pergunta? Alguém tem uma idéia?
-Bom, eu tenho uma pergunta muito boa - Ceará disse, olhando em volta com a testa franzida - Você não tem mais cadeiras por aqui? Por que é que os dois bonitos estão sentados e eu sobrei de pé?
Cat estava pra mandá-lo sentar no chão quando Pernambuco lhe estendeu a mão:
-Pode sentar no meu colo, meu nego. Não canse suas pernas à toa.
Ceará atirou-lhe um sorrisinho murcho, segurando a sua mão mas continuando de pé, e Catarina pensou que talvez essa ajuda fosse realmente muito boa…
Três horas mais tarde, porém, ela achou que talvez tivesse se precipitado em seu julgamento.
-Pelo amor de Deus, Ceará, eu estou com sono - Cat disse, esfregando os próprios olhos - Dá pra você falar de uma vez onde é que quer chegar?
-O que eu estou dizendo é que o futebol é uma coisa supervalorizada - e agora ele estava realmente sentado no chão - E, já que você quer ser criativa nessas suas perguntas esquisitas, era só perguntar qual foi o estado que inventou a Vaquejada.
-Inventou o quê?
-A Vaquejada - e Pernambuco franziu a testa - e desculpa chover na tua parada, tabacudo, mas quem surgiu com a Vaquejada foi o Rio Grande do Norte.
-Desde quando?
-Desde sei lá quando, mas foi ele. Deixa eu te mostrar - e ele esticou os braços para digitar no computador de Catarina.
Ela se reclinou na cadeira, abrindo-lhe mais espaço. Não era como se ele não tivesse feito isso antes, ou como se não fosse fazer depois. Estavam aqui há horas discutindo coisas e eventos e não chegando a lugar nenhum, tudo pra inventar apenas umas três ou quatro perguntas de merda.
E Catarina ainda estava se sentindo boca suja.
-Viu só? - Pernambuco voltou ao seu lugar, radiante - Aqui diz que a Vaquejada começou com as pegas de gado, que aconteciam no Rio Grande do Norte.
-E você lá conferiu se esse site é confiável? Com certeza foi aquele otário que escreveu isso.
-Foda-se, Ceará. - Cat disse, fechando a página da internet - EU não sei o que é isso, então não vai cair na minha prova e ponto final. Pensem em outra pergunta.
-Eu acho que devia cair umas vinte sobre a colonização holandesa. - Pernambuco disse - Esse é um ponto muito pouco abordado nos vestibulares.
-E vai continuar assim, pelo menos do que depender da UFSC. Todo mundo sabe que a colonização mais legal que tivemos foi a alemã.
-Ah, claro - e Ceará abriu um sorriso falso - foi mesmo trilegal.
-E foi mesmo. Só que eu também não posso perguntar nada sobre ela, porque senão o Rio Grande do Sul vai acertar. E aí perde-se todo o sentido da coisa.
Ceará encolheu os ombros, desviando o olhar. Provavelmente ele tinha ficado chateado com o lance da Vaquejada, mas, francamente, se não tinha nem sido ele quem inventara a coisa, pra que tanto drama?
Sem contar que Vaquejada parecia nome de churrasco.
E se Catarina comentasse isso eles a achariam muito tola, então era melhor mudar de assunto.
-Certo - ela disse, tentando quebrar o gelo - Vou reler as perguntas que já formulamos. Primeira: quanto tempo faz desde que o povo cearense vaiou o sol.
-Eu ainda acho que devia mudar pra por que é que os cabeçudos fizeram isso, mas deixa pra lá.
-Segunda - Catarina ignorou o comentário de Pernambuco e o dedo que Ceará mostrava pra ele - Qual a praia pernambucana com o maior índice de aparições de tubarões. Eu tenho medo dessa pergunta.
-É pra ter mesmo, mas só se você for pra Boa Viagem.
-Terceira: que raios ser Vassourinha.
Ceará franziu a testa:
-Ah não, rebole no mato essa pergunta. O pessoal vai falar da vassoura objeto de limpeza mesmo e aí você vai ter que anular a pergunta depois.
-Não, então muda de Vassourinha pra Galo da Madrugada. Aí não tem desculpa.
Catarina seguiu a orientação de Pernambuco, sem fazer nenhum comentário. Não era como se ela soubesse a resposta, ou mesmo entendesse o que Ceará tinha dito que ela deveria fazer, ou soubesse por que é que de repente Pernambuco tinha ficado na defensiva, mas que seja.
Depois de corrigir, olhou a tela patética do computador.
-Tá, mesmo assim nós só temos três. Vamos, gente, pensem em alguma coisa.
-Eu tenho uma pergunta - Pernambuco disse. Os outros dois viraram-se para ele, que continuou - Afinal de contas, com qual deles você está namorando? O loiro ou o da boina?
Catarina sentiu o rosto esquentar:
-Que raio de pergunta é essa?
-Não, sério, é uma dúvida sincera. Qual dos dois?
-Bom - Cat disse, ajeitando o cabelo atrás da orelha - eu achei que todo mundo já soubesse, mas eu e o Rio Grande estamos num relacionamento praticamente estável, só que somos cabeça aberta o bastante para deixarmos o outro sair com terceiros, desde que não fuja muito do controle.
Ou seja, nada justificava o fato de ele nem ao menos prestar o vestibular da UFSC. Catarina só o perdoava porque achava lindo quando ele e Paraná ficavam (o que normalmente acontecia quando eles achavam que ela não estava olhando).
Pernambuco arregalou os olhos:
-Você e o Rio Grande?
-Do Sul.
-Arre, que susto.
-É, pensa num cabra que come quieto.
-Ei! - Catarina se indignou - Mais respeito aí! No caso de vocês terem se esquecido, eu sou uma dama.
Ela estava para dizer “e aqui não é o Rio de Janeiro não!”, mas Ceará foi mais rápido:
-Tá, desculpa, eu tenho uma pergunta também - e ele franziu a testa - Qual dos dois é o RS? O loiro ou o da boina?
Com essa, a raiva de Catarina até passou.
-O loiro. O da boina é o Paraná. Bom - e ela suspirou, conformada com o fato de que sua prova não sairia hoje - e vocês? Estão namorando com alguém?
Ceará chegou a abrir a boca, mas Pernambuco foi mais rápido:
-EU estou namorando com a Paraíba. Essa é a única relação oficial que você pode colocar na sua prova.
Catarina esperou Ceará dizer qualquer coisa, mas ele tinha fechado a cara e desviado o olhar de novo.
Eu, hein.
-Na verdade… - ela disse devagar - eu não vou perguntar isso no vestibular. Era só curiosidade mesmo.
-Mas pensa numa pergunta legal - e Pernambuco se acomodou melhor na cadeira - Assinale os casais que nunca vão rolar. E aí você coloca uma lista.
-Outra questão pra rebolar no mato - Ceará respondeu, ainda sério - Como é que você pode ter certeza de que nunca vai acontecer?
-Alguns simplesmente não vão. O que é que eu posso fazer?
-Dá um exemplo.
-Dou três - e de novo ele começou a contar nos dedos - Primeiro, Paraíba e São Paulo. Só por cima do meu cadáver. Segundo, Brasília e Piauí. Pensa numa falta de química. E terceiro, desculpa aí, Catarina e Ceará. Você bem que está querendo, mas nunca vai rolar.
Cat ergueu uma sobrancelha, mas Ceará sorriu de boca fechada:
-Muito bom. E Pernambuco e Rio de Janeiro? Não faltou esse não?
-Não, esse até pode ser. Mesmo que o sotaque dela me mate.
-Até parece. Ela vai ficar com o Acre antes de ficar com você, e olha que ele nem existe.
-Quer apostar?
-Tá, pessoal, FOCO. Essa não é uma pergunta válida. Só vai irritar todo mundo e, pior, vai acabar dando idéias pro pessoal, aí algum dos casais vai acabar ficando e eu teria que anular a questão. Pensem em outra coisa.
-Eu tenho uma pergunta muito válida - agora era Ceará - Se você fosse um cara, com que menina você ficaria?
-Você deve estar com muito sono se acha que vai ganhar uma resposta - a voz de Catarina era tensa e fina como as camadas de gelo nos ringues de patinação sulistas.
-Ah, vai, que é que dói? Com quem seria?
Catarina apertou a base do nariz, fechando os olhos. Dai-me paciência.
-Vocês sabem que, se eu responder, vocês vão ter que falar também, né?
-Claro.
Os sorrisinhos deles eram tão descarados que Cat acrescentou:
-Mas vai ter que ser alguém que eu conheça. Melhor, eu vou dar as opções e vocês vão ter que escolher.
-Aí você já está pedindo demais.
-Então tá bom. Eu não respondo e vocês também não.
-Não, tá, pode ser - Ceará se adiantou, estendendo a mão para segurar o braço de Pernambuco - Não tem problema, homem, é só você admitir que ficaria com o da boina que está tudo bem.
Os olhos de Catarina brilharam:
-Então você queria ficar com o Paraná? Jura? Posso ligar pra ele agora?
-Claro que não! - e ele livrou o braço num tranco - Eu sou um cabra macho!
-Ai, que lindo, eu adoro quando o Paraná fica com alguém! E você, Ceará, com quem você ficaria?
-Esse viado não tem critério - Pernambuco respondeu - Você nunca notou que cearense dá por toda parte? Taí.
-Não, mas tem que ser uma pessoa específica. - e Catarina lhe fez um gesto com a mão para que ele ficasse quieto - A primeira. Qual seria?
Ceará sorriu de lábios fechados:
-O Paulo. E eu nem precisava ser mulher pra ficar com ele.
-Você não está falando sério.
-Claro que estou.
-Escuta aqui, seu cabeça chata - e, num movimento rápido, Pernambuco estava apertando o rosto dele e falando a milímetros de sua boca - Não sei se você se lembra, mas aquele cara é um fresco abestado. E sempre que te vê, ele te manda de volta pra casa.
-Correção, ele me manda voltar pra casa. - os olhos de Ceará ainda sorriam - E ele nem é o único, então qual é o problema?
Catarina mal respirava. O computador mesmo já tinha entrado no modo de espera a um bom tempo, mas ela não estava nem aí. Estava mordendo a ponta da caneta de novo e tentava não piscar para não perder nenhum detalhe, Pernambuco sentado na ponta da cadeira e Ceará aos pés dele.
-O problema é que você tinha que ter mais orgulho de quem você é - Pernambuco apertou um pouco mais - Primeiro você nem cuida da sua cultura direito, e agora isso.
-Eu acho que você está levando as coisas pro outro lado…
-E pra que lado é pra eu levar?
-Lado nenhum. Você não tem nada a ver com quem eu fico ou deixo de ficar. 'Cê mesmo falou que está namorando sério com a Paraíba, então-
-Então que uma coisa não tem nada a ver com outra, tabacudo.
-Eu já falei pra você não me chamar assim, fedido. E como que-
-Não é porque eu estou com a minha nega que eu não vou cuidar do que é meu.
Os olhos de Ceará faiscaram e ele afastou a mão de Pernambuco com um tapa. Ainda estava pra responder quando o outro pulou por cima dele, derrubando-o de costas no chão e beijando sua boca.
Ceará arregalou os olhos, debatendo-se por alguns segundos, mas Pernambuco não se afastou, segurando o rosto dele com as duas mãos e tentando imobilizá-lo com as pernas. Catarina tinha ficado de pé com o susto, e agora não sabia o que fazia para acabar com toda aquela barulheira na sua casa no meio da noite.
(e, bom, não era como se ela quisesse que aquilo parasse)
Depois de alguns segundos, Ceará acabou desistindo de se livrar de Pernambuco e o abraçou de volta pelo pescoço, fechando os olhos.
Assim que o beijo terminou, Pernambuco apoiou as mãos ao lado da cabeça de Ceará e disse:
-Cansou de ser ignorante? Eu posso te deixar ficar de pé ou você vai continuar com essa palhaçada?
-EU estou com palhaçada? Você não parou de falar na Paraíba e na Bahia desde que a gente chegou!
Catarina poderia jurar que Pernambuco não tinha mencionado Bahia em nenhuma hora, mas ainda não queria interromper o casal.
E, de qualquer forma, o que Pernambuco respondeu foi ainda mais absurdo:
-Ninguém mandou você ficar dando em cima da Catarina. Era pra essa ser a nossa viagem pelo sul, porra!
-Como é que é? - ela perguntou.
-Essa é a nossa viagem - e Ceará começou a rir - E tá vendo como você não é cabra macho coisa nenhuma? Faz umas quatro horas que a loira tá dando em cima da gente e você pula em mim!
Pernambuco fechou a cara e se inclinou para morder a orelha de Ceará, que começou a rir e gritar e aquilo já estava virando uma barulheira infernal então Catarina decidiu intervir.
Sem contar que agora eles tinham ofendido.
-Ô gente, a minha casa não é motel não. Se vocês querem fazer isso, vão pra casa de vocês.
-Desculpa aí, gata - Pernambuco disse, ficando de pé e estendendo a mão para ajudar Ceará - Eu vou ficar de olho nele. Isso não vai mais acontecer.
Catarina ergueu uma sobrancelha, mas não comentou. De qualquer forma, assim que ficou de pé, Ceará abraçou Pernambuco pela cintura:
-Você estava mesmo com ciúmes?
-Claro que não.
-Aposto que estava.
Pernambuco respondeu com outro argumento igualmente válido, mas Catarina nem estava ouvindo mais. Porque, devido à diferença de alturas, Ceará tinha erguido o rosto e, como eles estavam abraçados, cada palavra que falava era praticamente outro beijo no pescoço de Pernambuco e, gente, eu não posso ser a única que percebeu, mas Pernambuco mesmo estava perfeitamente à vontade.
À vontade demais, na verdade, porque agora era Ceará quem não percebia as mãos bobas dele descendo por suas costas.
E em algum lugar de sua consciência Catarina escutava uma vozinha dizendo que a sua casa não era nenhum motel.
Aí Pernambuco tinha acabado de enfiar a mão dentro da calça de Ceará quando Catarina explodiu:
-Ah, não, desculpa, é muita informação para um dia!
Os dois pararam, ligeiramente confusos, e olharam para ela, que devia estar mais roxa que uma batata roxa:
-Isso- vocês dois são ótimos, eu mal acredito na minha própria sorte, mas não dá, é muito pra mim! - e ela respirou fundo, tentando se recompor - Por favor. Vamos voltar às minhas perguntas, pode ser?
Por alguma razão, os dois sorriram. Catarina ficou sem saber se dizia qualquer coisa ou se simplesmente se sentava e fingia que nada tinha acontecido.
Ceará lhe estendeu a mão.
Ela a segurou sem parar pra pensar ou medir consequências.
Então Ceará puxou o braço num rompante e Catarina voou em sua direção, caindo contra seu peito. Ela abriu a boca para reclamar, mas agora já era tarde, pois Ceará já estava beijando seus lábios, a mão afundada em seus cabelos.
E Pernambuco estava beijando sua orelha. Então ele provavelmente tinha superado o ciúme.
-Só pra constar - Cat disse, o rosto vermelho, depois que os três já tinham tirado as camisas (no caso deles) e blusinha (no caso dela) - se era isso que vocês estavam planejando, vocês deviam ter perguntado antes. E não ir chegando assim.
No mínimo, porque assim ela teria se programado para colocar um tapete ali no escritório. Sentir aquele piso gelado nas costas não era nada agradável.
-Eu pensei em perguntar - Ceará respondeu, beijando afastando seu cabelo dourado para beijar-lhe o pescoço - Mas achei que você não iria querer colocar isso na sua prova.
-Sem contar que ela não ia responder - e Pernambuco sorriu, mordendo o ombro nu de Ceará - Afinal de contas, a gente nem ficou sabendo com que menina ela ficaria se fosse um cara.
É verdade, ainda tinha isso.
-Eu acho que vocês deviam focar mais no que está acontecendo agora - ela respondeu, esticando o braço por cima da cabeça de Ceará até segurar o rosto de Pernambuco, que estava deitado por trás dele - Não é como se isso fosse acontecer mais vezes.
Não quando ela estivesse sóbria, pelo menos. Sem contar que Cat nunca tinha sido muito fã dessa idéia de caras ficarem conversando enquanto ela estava sem roupa.
-Só responde isso - Ceará, que também tinha acabado de lembrar da pergunta, insistiu - Aí a gente muda de assunto.
Muda de assunto, a mente de Catarina ecoou. Ou seja, ia ter falação a noite inteira.
Ela suspirou, e estava começando a se arrepender de tudo aquilo quando sentiu Pernambuco beijar seus dedos. Depois ele passou para a palma da mão, então o pulso e o braço, e Ceará sorriu quando viu sua expressão, aproveitando essa hora para acariciar de leve a sua barriga, e então a sua mão desceu até a bainha da saia e então-
-Amazonas!
A mão de Ceará não parou:
-Que tem? Ela está atrás da gente?
-Seria a Amazonas - Cat fechou os olhos - Eu sei que vocês estavam pensando que eu ia falar a Rio de Janeiro, mas acontece que eu adoro o cabelo da Amazonas.
-Aí, legal - Ceará disse, puxando sua saia para baixo - Eu nunca ia adivinhar.
-Pois eu já imaginava - Pernambuco respondeu - Na próxima vez a gente chama ela também.
Catarina não se animou a responder e, francamente, exatamente agora ela tinha coisas mais importantes para se preocupar.
Na manhã seguinte, Cat demorou a entender onde estava, deitada sem roupa nos braços de Pernambuco. Ela se sentou piscando diversas vezes até se acostumar com a claridade e, depois que viu Ceará já de bermuda comendo um ovo frito e mexendo no computador, a memória começou a voltar.
E, junto com a memória, a consciência de que estava pelada.
E do que tinha acontecido na noite anterior.
-Oh, meu Deus - ela se levantou de um salto, saindo correndo do escritório e batendo a porta de seu quarto. Tomou uma ducha, escovou os dentes, secou os cabelos, vestiu a primeira coisa que encontrou e passou um pouco de base e pó para disfarçar a vermelhidão do rosto.
Quando foi para a cozinha, onde os dois já estavam acordados e garantindo que não sobrasse nada comestível em sua geladeira e armários, Catarina se esforçou ao máximo para parecer normal e segura de si:
-Bom dia - disse, sentando-se à mesa e cuidadosamente evitando olhá-los nos olhos - Espero que vocês tenham dormido bem.
-Eu dormi muito bem - Ceará abriu seu sorriso amável - E você, Pernambuco?
-A noite foi ótima, mas dormir mesmo eu dormi mal. - e ele se virou para Catarina - Hoje a gente vai ficar num colchão, né?
Catarina estreitou os olhos:
-Hoje um de vocês vai dormir no sofá. E o outro vai ganhar um colchonete. Eu já falei que a minha casa não é motel e vamos mudar logo de assunto entenderam?
Ceará se serviu de um pouco de café:
-Tudo bem, eu fico com o colchonete. As minhas costas estão podres.
-Isso porque você é um frouxo. - Pernambuco se espreguiçou - Você pode perguntar isso, gata. Qual é o estado mais frouxo?
-Sabe, eu estou quase desistindo dessa idéia - Catarina suspirou - Eu não sei a resposta pra maioria das bobagens que vocês falam. Acho que vou fazer a prova inteira sobre a Revolução Juliana e deixar por isso mesmo.
Pernambuco e Ceará ficaram em silêncio profundo.
Catarina franziu a testa:
-O que foi? Vocês sabem como foi a Revolução Juliana, não sabem?
Ainda nada. Catarina não sabia se ria ou batia neles:
-Alo-ou? Vocês não conhecem Canabarro e Garibaldi? República Catarinense? A Tomada de Laguna? Já ouviram falar?
-Ah, nem vem, isso nunca caiu em nenhuma das provas que eu fiz - Ceará respondeu num tom defensivo - Eu não preciso estudar mais essa.
.É, sem contar que tá na cara que essa revolução não deu certo. - Pernambuco acrescentou - Senão você seria uma república.
Catarina nem se incomodou com o comentário deliberadamente maldoso, correndo como o vento para o computador e formulando de cabeça as questões mais mirabolantes sobre a Revolução Juliana, a Guerra do Contestado, O Boi-de-Mamão, a Festa Nacional do Pinhão e mais uma porção de coisas igualmente catarinenses.
Ela estava tão absorta nessa tarefa que nem se incomodou quando Ceará e Pernambuco saíram para a praia, e também não se perguntou onde raios eles tinham guardado as duas pranchas.
No final do dia, sorriu satisfeita para a sua prova cheia de perguntas misteriosas a seu respeito. Eram referências tão específicas de sua linda e querida cultura que, na pior das hipóteses, só Rio Grande do Sul e Paraná saberiam responder.
Mas até aí, sem problemas. Com uma ou duas perguntas sobre a Vaquejada, nem aqueles dois iam passar.