A grande viagem!

Sep 26, 2004 22:23




O despertador tocou... Teresa mal conseguia abrir os olhos. Olhou para o relógio, eram 8 horas da manhã, a mesma hora de sempre. A hora a que Teresa se levantava todos os dias para ir trabalhar. Teresa dormia apenas 3 horas por dia, embora às vezes se deitasse um pouco ao fim da tarde, antes de jantar e de sair para a noite. Nessa manhã, Teresa levantou-se com um aperto no coração... e lembrou-se da visita oficial que tinha tido há 3 dias atrás. E, pensando no assunto, continuava a achar estranho o facto de ter sido ela umas das 11 pessoas escolhidas para fazer parte da tal lista, da qual apenas 5 iriam sobreviver ao ataque terrorista. Porquê ela? Logo ela... que embora levasse uma vida normal de dia, à noite transformava-se em Jannette, o tipo de mulher que, mesmo sendo desprezada pela sociedade em geral, era procurada por todos os homens, de diferentes classes sociais e de todas as idades. Jannette já tinha encontrado de tudo na vida de prostituta... homens bons, meigos, rudes e desprezíveis. Mesmo assim, ela não se podia dar ao luxo de recusar clientes. A vida era difícil e já se tinha habituado a um determinado nível, sem o qual não conseguiria agora viver, e que nunca levaria, se sobrevivesse apenas com o ordenado que ganhava na lanchonete.
Passando o dia inteiro com uma sensação estranha, quando Teresa saiu do trabalho, foi para casa, como habitual, e, como habitual também, foi à caixa do correio. Tinha lá uma carta oficial. Uma carta do CENA... agora percebia a sua inquietação durante todo o dia. Pegou no correio e dirigiu-se ao elevador para subir ao 1º andar, onde era o seu apartamento. Entrou em casa e, ainda de carteira ao ombro, a primeira coisa que fez foi abrir a dita carta. Leu-a com atenção... e ficou pensativa. Era aquele o segundo contacto por parte do CENA. “Hum...” - murmurou Teresa, “Dia 15 de Setembro? Quarta feira?” - interrogou-se, “não estou de folga...” - concluiu.Teresa teria de arranjar uma desculpa para não ir trabalhar. Não sabia o que a esperava. Aliás... ainda estava um pouco incrédula quanto a este assunto. Nem sabia sequer de quantos dias iria precisar... Teresa tinha agora um problema para resolver. E tinha poucos dias para arranjar uma solução.
Subitamente, uma série de questões assaltaram-lhe o pensamento. Será que o governo lhe pagaria as despesas de deslocação a Lisboa? Quantos dias iria ela demorar por lá? O que iria dizer às pessoas como desculpa para ir a Lisboa? Como iria para lá? Onde iria ela ficar uma vez que não conhecia nada nem ninguém? Questões para as quais, embora parecessem sem importância, ela não tinha resposta. Mas, enquanto pensava nestas questões, saltou-lhe à vista um pequeno papel que se encontrava ainda dentro do envelope e que dizia a seguinte mensagem: “Mandaremos um carro do governo buscá-la e levá-la até Lisboa. Para parecer uma situação normal e discreta, não chamando a atenção dos curiosos, o carro é um carro simples, um Fiat Punto preto. Vá ter às 6h45 da manhã à entrada do Porto de Leixões. Estaremos lá à sua espera. Por favor não se atrase! Assinado: Ministro da Guerra, João Guerreiro”. Pelo menos duas das dúvidas estavam tiradas.
Nessa noite, Teresa deciciu não sair, não se transformar em Jannette. Estava demasiado nervosa e ansiosa , por isso achou melhor não... iria perder uma boa quantia de dinheiro, mas mesmo assim preferiu não ir. Havia noites em que Jannette fazia à volta de 200 euros... metade daquilo que ganhava em meio mês de trabalho na lanchonete. Mas, mesmo assim, nessa noite prescindiu desse dinheiro.Tinha que pensar em algumas coisas e falar com algumas pessoas.
Fez um jantar rápido e depois de arrumar tudo, Teresa sentou-se na cama, de pernas à chinês, a pensar... Lembrou-se da mãe que já não via há alguma tempo. E lembrou-se que, provavelmente, nunca mais a iria voltar a ver...vieram-lhe as lágrimas aos olhos... apoderou-se de Teresa uma nostalgia que não a deixou raciocinar por alguns instantes. Lembrou-se de tanta coisa da sua infância e adolescência. Da mãe e do pai... dos irmãos, que nunca mais viu. Será que estariam bem na vida? Será que já estariam casados? Lembrou-se que, quando tinha aí uns 8 ou 9 anos, sonhava com o seu príncipe encantado. Ela vestida de princesa e os dois de mãos dadas, a passear por um lindo jardim, coberto de flores, e com borboletas esvoaçando por entre elas. Teresa sempre sonhou em se casar e ter filhos mas, depois da vida dura que levou com a mãe, após o pai as ter abandonado, todos os seus sonhos foram esmorecendo, dissipando-se completamente da sua memória... Até ao dia em que conheceu Tiago. Tiago era um rapaz de 18 anos, por quem Teresa se apaixonou perdidamente. Ele era tudo para ela. Tiago fora o primeiro amor da sua vida. Fora o primeiro em tudo... Teresa tinha uma obcessão de tal modo excessiva que cometeu a maior loucura da sua vida, por Tiago. Tiago era filho de um viticultor rico, para quem a mãe de Teresa todos os anos, ía trabalhar, na altura das vindimas. Era sempre um dinheiro extra que entrava em casa e elas bem precisavam dele. Nessa época, Teresa ainda vivia em Travanca, uma pequena aldeia, pertencente ao concelho de Armamar. Tiago prometeu tirá-la daquela vida dura, e ela, tão cega de amor que estava, deixou-se levar pelas suas histórias. Tiago foi quem levou Teresa para o mundo da prostituição. Tiago fora o seu primeiro e último amor...
Por momentos, parecia que Teresa tinha estado a reviver tudo aquilo, mas depois deu-se conta de que estava apenas, em cima da sua cama, a tentar encontrar soluções e desculpas para a sua ida a Lisboa. O telefone tocou e Teresa assustou-se porque estava tão compenetrada nos seus pensamentos. Atendeu...
- Estou sim...
- Olá Teresa, daqui fala a Silvia...
- Oh... Sílvia... está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
- Não... não aconteceu nada. Estou a ligar-te só para saber se está tudo bem contigo. Já há tanto tempo que não falamos e tu nunca mais disseste nada.
- Está... está tudo bem sim... - Teresa fez uma pausa.
Sílvia era uma velha amiga e conheceram-se quando Teresa chegou ao Porto pela primeira vez. Sílvia sabia de tudo da sua vida, incluindo a sua vida dupla... mas agora Teresa não podia de maneira alguma, falar-lhe sobre aquela carta e sobre o seu conteúdo, e muito menos da sua ida a Lisboa. Era confidencial e Teresa tinha medo das consequências.
- Hum... - murmurou Sílvia... - está mesmo tudo bem Teresa?
- Quer dizer... mais ou menos.... vou ter que sair por uns dias, e não sei quando volto.
- Sair para onde?
- Vou ver a minha mãe. Ligaram-me a dizer que estava muito doente e por isso vou ter de ir lá. Não sei quando volto.
- Oh... que chatice... e é grave?
- Não sei... não me disseram. Apenas me disseram que ela quer que eu lá vá. Posso pedir-te um favor Silvia?
- Claro que sim... podes pedir o que quiseres. Diz lá.
- Enquanto eu estiver fora vens dar uma vista de olhos, de vez em quando, ao meu apartamento?
- Claro que sim... podes ficar descansada. E quando é que vais?
- Dia 15. É uma quarta feira.
- Tudo bem... não te preocupes. Só mais uma coisa.. hoje não foste sair?
- Não... estou com muitas dores de cabeça e não estava com disposição para aquele tipo de trabalho... tu percebes... além de que fiquei preocupada com a minha mãe...
- Sim... claro que sim. Tudo bem... então quando quiseres combinamos para me entregares a chave.
- Sim, depois eu telefono-te.
- Ok... fica bem então. E as melhoras... beijinhos.
- Beijinhos e obrigada por teres ligado.
Teresa tinha conseguido arranjar uma desculpa rápida para dar à amiga. E seria essa mesma desculpa que iria dar na lanchonete, para se poder ausentar durante alguns dias. Hum... eram sem dúvida a única coisa que lhe veio à cabeça e a única desculpa capaz de convencer o patrão.
Entretanto começou a pensar como seria o encontro com as outras 10 pessoas. Como seriam elas, quem seriam, o que iriam pensar quando soubessem que ela era uma prostituta, que critério teria sido utilizado para a escolha das 11 pessoas. Tantas dúvidas lhe passaram pela cabeça... e tanta coisa que ela tinha a fazer antes da viagem a Lisboa. A viagem... será que o tal carro que a ía buscar a levava ao local certo ou a deixaria em algum lugar para não levantar suspeitas? De qualquer maneira podia sempre ir de taxi... de certeza que os taxistas conheciam bem o local de encontro, e a levariam lá direitinha. Depois era o problema da roupa. Teresa achava que não poderia ir muito extravagante. Além de dar mau aspecto, daria também muito nas vistas. Optou então por escolher uns jeans azuis. Jeans dão sempre um ar descontraído. Uma camisola vermelha com decote redondo, não muito acentuado. E sapatos desportivos, também de côr vermelha. Apesar da vida que levava, Teresa era uma mulher bonita. Não muito alta, mas de média estatura, tinha uma cintura delgada, com contornos do corpo bem delineados. Tinha olhos verdes, e cabelo comprido aos caracóis, castanho claro. Era, por assim dizer, uma mulher que chamava a atenção.
Após alguma reflexão, Teresa deitou-se e adormeceu quase de imediato. Além do cansaço diário, este assunto tinha-la deixado bastante inquieta e nervosa.
Nos dias que se seguiram, Teresa continuou a sua rotina normal de vida. Numa das vezes em que apanhou o patrão bem disposto aproveitou para lhe falar na ida a Travanca, a casa da mãe. Este demonstrou compreensão e até achou uma boa atitute da parte dela em se preocupar com a mãe e lhe prestar talvez a sua última homenagem. Sabendo a situação em que estava o País e toda a Europa não lhe negou o pedido. Teresa agradeceu e ficou contente por ter conseguido convencê-lo, sem que este, sequer, desconfiasse de nada do que se passava. Depois telefonou a Sílvia e combinaram ela passar pela lanchonete de tarde. Quando Sílvia lá chegou estava pouco movimento e Teresa pode sentar-se com ela a tomar um cafezinho.
- E então, já sabes a que horas vais?
- Apanho o comboio das 7 horas da manhã.
Teresa não podia, de maneira alguma, dizer a Silvia que ía para Lisboa, e muito menos que um carro do governo a ía buscar.
- Sim... fazes bem... quanto mais depressa chegares lá melhor para a tua mãe.
Teresa anuiu com a cabeça. Despediu-se da amiga e agradeceu-lhe, profundamente, tudo o que estava a fazer por ela. Não sabia se voltaria a ver a amiga também, e isso fê-la chorar outra vez. A segunda vez em tão pouco tempo...
E Teresa contava os dias que faltavam para a grande viagem. Sim... para ela era uma grande viagem. A segunda de toda a sua vida. A primeira tinha sido quando saiu de Travanca e foi para o Porto.
E o dia chegou... Teresa mal conseguiu pregar olho a noite toda. Virava-se para um lado e para o outro na cama e não havia maneira de conseguir dormir. Finalmente após algumas reviravoltas lá conseguiu adormecer por breves instantes. Breves pois, quando isso aconteceu, estava quase na hora de se levantar. Teresa tinha posto o despertador para as 5h45 da manhã. Era suficiente, pois ela arranjava-se rapidamente e depois apanhava um taxi até ao local combinado. Teresa morava perto, por isso a viagem era curta e àquela hora não havia quase trânsito nenhum.
Teresa chegou ao destino e viu o dito Fiat Punto estacionado no parque que tinha próximo da entrada do Porto de Leixões. Entrou no carro... disse bom dia e o sujeito que estava ao volante retribuiu. E uma sensação de nervosismo apoderou-se dela. Ela ía com destino ao infinito e ao desconhecido. Sim... o infinito poderia ser a morte, ou então a sobrevivência. Mas também uma coisa era certa. Se não fosse uma das 5 pessoas escolhidas que diferença é que iria fazer? Se todos, excepto os tais 5, iriam morrer no ataque terrorista, não faria qualquer diferença se ela estivesse no Porto ou em Lisboa. Não faria qualquer diferença, pois ninguém escaparia ao ataque. A sua vida não era propriamente um prototipo de vida feliz. O que quer que fosse acontecer depois daquele encontro, até poderia vir a ser positivo. Poderia dar-lhe mais ânimo para a vida futura, caso fosse uma das 5 pessoas. Poderia ajudá-la a largar a vida nocturna, a vida de prostituta. Podeira, afinal de contas, fazer alguma diferença sim. Teresa começava a ver aquela situação com outros olhos. E começava agora a achar que tinha mesmo algumas hipóteses de mudar de vida, caso sobrevivesse à catástrofe.
Durante a viagem apreciou a paisagem e viajou no tempo. Mais umas quantas memórias lhe vieram à cabeça, tanto da sua vida passada como da sua vida actual. Teresa, entregue aos pensamentos, acabou por passar pelas brasas. Era uma viagem longa, de 3 horas, e era inevitável o não adormecer além de não ter dormido quase nada de noite. Habitualmente, Teresa nem sequer tinha tempo para ter sono, embora, por vezes, sentisse necessidade de dormir.
Quando estavam quase a chegar à entrada de Lisboa, o sujeito disse: “D. Teresa, vou deixá-la nas imediações que dão acesso ao Aeroporto LXA. A senhora, depois, vai ter que andar a pé... mas pouco”. “Sim senhor” - concordou Teresa. O nervosismo havia aumentado agora que estavam próximos do local. Quando chegaram, Teresa saiu do carro e agradeceu. O carro desapaceu do alcance da vista... apenas ficou no ar uma nuvem de pó... Teresa estava agora, e de novo, por sua conta.
Levava um saco pequeno de roupa, apenas para o caso de ser necessário permanecer lá uma ou dua noites. Era a primeira vez que Teresa ía a Lisboa. Não conhecia nada nem ninguém. E num local abandonado como aquele era ainda pior... Agora mais calma, aparentemente, sentia um friozinho na barriga que a deixava pouco descontraída. Teresa caminhou na direcção que o sujeito lhe havia indicado. Andou alguns metros, e ao longe, avistou o dito edifício. Continuou a caminhar... sempre com a sensação de estar sozinha. Não se apercebeu que estivesse por lá mais ninguém, ainda. Era cedo... faltavam ainda 15 minutos para as 10 horas. Teresa aproximou-se, finalmente da entrada do edifício e reparou que estava um carro estacionado. Era um Citröen AX. “Hum... será que já cá está alguém das 11 pessoas?”, interrogou-se. Entrou por uma porta ao lado de outra que tinha um cartaz a dizer “Chegadas/Arrivals”. Essa porta dava acesso directo ao andar de cima. Teresa subiu as escadas e quando chegou ao cimo viu uma série posters comerciais ainda colocados e alguns balcões de check-in. Mas não via ninguém. Faltavam ainda 10 minutos para a hora marcada e Teresa reparou numas escadas que havia, e que davam acesso à zona de embarque. Teresa olhou outra vez e pareceu-lhe ver uma pessoa. Sim... era sem dúvida uma pessoa... um homem. Um homem com trinta e poucos anos, embora com um ar cansado, mas assim ao longe parecía-lhe um homem charmoso. Teresa, hesitou... não sabia se haveria de lhe falar ou não. Caminhou na sua direcção...
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