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May 29, 2009 23:44

Havia um vento forte naquele dia, daquele tipo que estremece os galhos mais fracos e leva tudo o que não estiver seguro embora. E depois do intervalo eu parei para simplesmente observar aquela brisa mais forte, como se o ar quisesse provar que tinha força e mostrasse seu poder levando tudo que podia consigo, inclusive a luz do sol. O corredor já estava escuro, e eu tinha consciência disso apenas sentindo meus olhos se acostumando com o dia que se tornava nublado. Não conseguia desviar o olhar para notar o que acontecia a minha volta, mesmo algo tão bobo quanto a falta de luz.

Desculpa, estou me desviando. Você não quer escutar minhas bobagens sobre como eu penso ou deixo de pensar.
Forçando a memória eu me surpreendo ao perceber que não guardei quase nada dos momentos que antecederam sua saída da sala. Eu nem tinha entrado para assistir a aula, o professor pediu que eu me dirigisse a diretoria e não aparecesse mais, mas eu simplesmente fiquei parado na frente da porta da sala, me faltava ânimo até para ir embora. Não consigo me lembrar de muita coisa até que ouvi o barulho da porta batendo atrás de mim e senti sua presença irritada sumindo do meu lado. Você saiu e se jogou contra a parede tão rápido que só consegui perceber quem era quando vi seus cabelos sumindo nas sombras enquanto você se deixava escorregar até sentar no chão. Achei engraçado ouvir você bufando, pareceu tão fingido que não pude deixar de pensar como você era adorável até quando queria ficar bravo. E eu mordi meu lábio inferior com força quando pensei nisso
A partir daqui as memórias se tornam dolorosamente nítidas, consigo lembrar até da luz rasgando as núvens e iluminando alguns fios mais claros que insistiam em fugir do seu penteado. Eu me prendo em detalhes bobos, e você vai ter que me perdoar por isso. Não é fácil lembrar de coisas que eu nunca vou poder sentir de novo sem sentir uma certa nostalgia.
Eu me lembro de ter comentado alguma coisa e de você responder ríspido. Não tirei minhas mãos dos bolsos da calça, não movi minha cabeça para baixo para te encarar com a minha habitual máscara de indiferença mas podia perceber que você estava ofendido, e era comigo o problema. Eu não conseguia perceber o que eu tinha feito para te deixar assim, e a curiosidade sobre isso sumiu tão rápido quanto cruzou minha mente. Parecia que eu sabia que tinha que deixar certas coisas acontecerem, mesmo sem querer. Deixar a caravana passar.
Agora eu estava com o pescoço rígido, forçando toda a musculatura do meu rosto a não virar para baixo, tentando fixar o olhar em um ponto qualquer, esperando para ver se você ia demorar a fazer alguma coisa, qualquer coisa. Você fungou algumas vezes e pude ouvir você coçando a cabeça fervorosamente. E finalmente senti sua mão puxando a barra do meu terno enquanto você se apoiava para erguer o corpo.
(Finalmente consegui me lembrar do porque que fui expulso da sala: alguma besteira sobre responder ao professor ou coisa assim, algo bobo que eu não entendi o porque de tanto estresse mas não ia dar o gosto da discussão e resolvi ir embora. As lembranças estão vindo rápidas demais, demoro para organizar os pensamentos)
Você me acusou de ser um inconsequente, grosso, egoísta e diversas outras coisas que eu já vinha aceitando a culpa. Me acusou de fazer uma cena apenas para ter o gosto da atenção da sala, afirmou que meu ego tinha uma semelhança incrível com um daqueles monstros de desenhos animados que precisam ser alimentados com frequencia, se perguntou porque continuava tentando se importar com minhas atitudes infantis. Você esperou uma resposta e depois virou o rosto murmurando que sabia que era um idiota por insistir em mim. E apesar de eu ter ouvido com clareza tudo que você despejou sobre mim, minha mente só acordou com o seu murmuro, com o tom certo de voz que dava aquela sensação deliciosa no meu corpo, um misto engraçado de melancolia com uma alegria finita. E como uma daquelas folhas que estavam sendo levadas sem destino pelo vento lá fora, meu rosto se virou na direção do seu implorando por mais. Tal como uma mariposa precisa chegar perto da luz.
Meu corpo inteiro se inclinou para perto do seu e suas mãos me empurraram para longe. Você me chamou de idiota e criticou minhas atitudes estranhas, suspeitas. Eu já não parecia o mesmo. E eu não podia discordar. Devo ter falado qualquer coisa sobre como você estava sendo bobo por descontar toda a raiva de ter sido expulso da sala em mim, afinal eu nem estava lá para causar tanto transtorno, e isso me pareceu perfeitamente racional. Que culpa eu tinha se você tinha causado a confusão sozinho?
E a luz se apagou. "Seu idiota, eu te defendi depois que você saiu."
O sangue que circulava para a minha cabeça deve ter parado, eu não conseguia sentir as extremidades do meu corpo e podia perceber que meu rosto se contorceu em uma expressão de choque. A pouca luz do dia dava ao seu rosto uma expressão sombria, ou eu estava finalmente percebendo seus sentimentos aparecerem por debaixo daquela máscara de controle que você sempre manteve? Pisquei atordoado uma ou duas vezes antes de repetir a frase na minha cabeça. E provavelmente eu parecia um idiota, porque você me encarou como se estivesse olhando um lunático.
Acho que sua voz baixa tem um efeito tão devastador no meu organismo que eu não consigo pensar direito depois que ouço você falar assim.
Você deu uma risada nervosa, seu rosto se tornou histérico e você andou alguns passos na direção da sala antes de parar e virar seu corpo de frente para o meu. Um espelho invertido, suas mãos nos bolsos, seus olhos vidrados, seu rosto contorcido por sentimentos que te consumiam por dentro, mas, ah lamento! Lamento tanto por sentir que você pensava coisas tão diferentes dos pensamentos que cruzavam minha cabeça! (Caso você queira saber agora: dias de sol, uniforme de verão, aulas de educação-física, seu rosto suado, suas mãos molhadas erguendo a água na direção do seu rosto, o sorriso que você me dava quando eu chegava atrasado na sala de aula)
E o tom amargurado que saiu da sua boca me deixou paralizado

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