Quando eu comia arroz

Jul 26, 2004 09:18

De repente eu me lembro de uma vez que almocei na casa de uma cliente e grande amiga, a Cristina, artista magnífica, escultora e joalheira, que me deu o prazer de comer risoto ao fungui com haddock cozido com batatas em seu apartamento-atelier. Era a primeira vez que eu comia haddock - nunca mais na minha vida eu comi haddock, mas eu não me importo em não repetir comidas, existem pratos e receitas que combinam com uma única ocasião na sua vida, repetir o prato é quebrar o encanto e estragar a memória - esse haddock foi único, estará sempre na minha lembrança associado com o apartamento dela e com uma pintura maravilhosa de David Hockney, A Bigger Splash.




Confesso que eu nunca entendi por que eu tenho esse amor curioso por esse quadro, mas desde que comecei a estudar arte e o vi pela primeira vez em um livro, eu me apaixonei, tenho uma teoriazinha pessoal dos porquês desse amor meu com essa pintura, mas... talvez mais tarde.

A essa altura dos meus babblings, vocês devem estar se perguntando o que é que eu quero, onde eu vou chegar, falando de Pop Art, das preciosas e lindas esculturas de mulherzinhas da Cris Koelle ou do arroz - na verdade o assunto é um só, e a base do assunto é o arroz.

Eu descubro de forma surpreendente e decepcionante que eu sei pintar, eu entendo esculturas, eu sei fazer arroz - mas eu não sei amar direito.

Continuem lendo.

No ano passado coisas aconteceram do nada e eu me vi repentinamente questionada sobre o amor por uma pessoa que adorava instigar e perguntar. Não, não entendi até hoje o que essa pessoa veio fazer de passagem na minha vida, mas tanto tempo depois, consegui ficar com o que era importante e útil e descartar o que não vale a pena ser lembrado.

Na lista de coisas-importantes e coisas-sem-importância, as pessoas costumam definir o amor uma vez na vida, escrevem essa definição em uma nota mental e arquivam lá no fundo do cérebro, muitas vezes carimbando e emoldurando essa definição para nunca mais esquecê-la ou modificá-la.

Eu e o meu amigo Alessandro temos levantado alguns questionamentos sobre amor. Tentando manifestar uma mudez obrigatória e imposta, andei pesquisando a web toda atrás de textos e esculturas.

Não, a gente não nasce sabendo amar. Amar é uma coisa que se aprende. Amar não é apenas admirar com o cérebro e gostar intensamente com o coração, é saber-se responsável, é saber que sua vida inteira acaba de ser irremediavelmente modificada e que você acaba de modificar completamente uma vida alheia.

E às vezes, falhamos miseravelmente em amar.

Ainda tenho saudades dos meus gatos. Eu sei que eles estão bem, sei que estão com pessoas que estão cuidando deles, mas eram muitos anos de convivência e amor. Eu aprendi a amar esses gatos desde o primeiro minuto que cada um deles entrou na minha vida. Não há consolo possível, porque eu estou aqui desterrada e não pude continuar a cuidar deles. Fiz o melhor que era possível fazer? Sim. Isso me consola? Não. Eu detesto o conceito de "eu estou fazendo o meu melhor". Eu já disse isso uma vez.

Depois de questionar a mim mesma até o desespero e exaustão, depois de desmontar toda a vida como eu a conhecia, eu preciso aprender a amar outra vez.

Há pratos que se comem uma vez na vida e são inesquecíveis, como o haddock. Há pratos que se comem todos os dias e podem ser cada vez melhores, como o arroz.

Amar é encontrar e perder todos os dias. Amar é um verbo de exercício diário.

current music: David Bowie - Buddha Of Suburbia
So I'll wait until we're sane
Wait until we're blessed and all the same
Full of blood, loving life and all it's got to give
Englishmen going insane
Down on my knees in suburbia
Down on myself in every way...
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