Oct 10, 2007 00:48
mas era apenas porque apreciavam a escuridão, sendo melancólicos e por demais pálidos, e já habituados aos sons produzidos por sofredoras fantasmagorias que insistiam em cair nas mesmas armadilhas armadas pelos dois, usando algodão-doce como isca e escondendo-se sob a mesa, sufocando sorrisos. não, não havia nada de errado; preferiam apenas a companhia um do outro, as janelas fechadas, as mãos sempre atadas, sustentando-se um ao outro como irmãos xifópagos. mas acima de tudo: estavam apaixonados.
era um pequeno lar de pesadelo-a-dois, suas teias de aranha e lustrosos corações palpitantes, sua falta de móveis, sua fumaça de cigarro ondulando ao redor dos corpos magros, seus suspiros inaudíveis, seus livros. as palavras sempre sussurradas, como as de crianças-defuntas que ocultam-se entre os móveis; os cabelos longos; os trajes, sempre os mesmos; e o sentimento constante de pertencerem um ao outro como se pertence à uma patologia incurável, minhas mãos são seus olhos, minhas escápulas, suas asas.
do lado de fora, o jardim erguia-se imenso, verdejante, soberano de toda a casa, os galhos enroscando-se nas paredes, perfurando a simetria das telhas, agigantando-se a cada dia mais, as aranhas e libélulas entoando cantos, a dançarem uma valsa permanente, mandando beijos às mariposas, renascendo de casulos impossíveis, cintilantes, fluorescentes.
ele e ela: definhando; vivendo de amor; tecendo ao redor de si grossos fios invisíveis. seus olhos iluminavam a casa escura como lâmpadas incandescentes, enquanto o dia após dia continuava linear, sem doer-se pela ausência deles.
meses depois, quando já não se podia mais distinguir concreto de folhas, e os vizinhos resolveram preocupar-se, já era tarde: tudo o que restava era uma imensa árvore oca, os galhos retorcidos em gritos mudos; em seu tronco uterino, dormiam os dois, confundidos em um apenas, alimentados via intra-venosa por sua ceiva e cinerícios sonhos de purpurina.
eles brilhavam.