uma crônica só pra não perder o costume...

Mar 25, 2004 14:57

-Ei-lo, chefe.
-Muito obrigado, Rodrigo. Por favor, senhor, entre.
-Meu nome é Marcelo e vim contar uma história para o senhor. Falarei sobre o que ninguém quase fala. Mas queria pedir, antes de mais nada, para não tachar-me piegas.
-Fale, meu senhor. Seu pedido é uma ordem.
-Muito bem...(suspiro)
Sempre fui uma pessoa sistemática. Eu tinha hora para acordar, hora para escovar os dentes, tinha gravatas com seus devidos nós já prontos para cada dia da semana, e, até dia para cortar as unhas. Moro sozinho e raramente saía de casa para ir ao cinema ou assistir uma peça teatral. E foi em uma dessas raras vezes que me apaixonei pela primeira vez. Sim, lindo. Porém, havia um problema: nunca tinha visto aquela moça antes. Seus cabelos lisos e claros e seu jeito de colocá-los atrás da orelha, seu sorriso flórido...tudo atraía minha vil amargura. Fitei os olhos nela e não conseguia mais voltar à peça. Eis que as cortinas se fecham e ela vai embora, sem ao menos retornar um olhar. Saí do teatro, errei por duas horas e voltei para casa. Desde então, não conseguia me concentrar nas tarefas. Uma semana depois, enquanto escrevia uma matéria para o jornal em que trabalhava, levantei a cabeça para descansar o pescoço quando lá estava ela parada em frente à sala do chefe. Eu era tão estressado e introspectivo que nunca tinha feito amigos por ali e nunca havia percebido que ela era a secretária do meu chefe. Graças ao amor perdi todo o meu jeito sério e fechado. Pausa:
-Posso pitar?
-Claro, fume.
(...)
-Passei semanas pensando em um jeito de me aproximar. Pensei em falar com o chefe mas, sempre que vou conversar com ele, sou evitado, pois pensa que vou pedir aumento ou folga. Flores? Chocolates? Sim, eu gosto desse romantismo chamado brega ou clichê.
Os dias iam passando e não havia achado uma solução. Numa quarta-feira recebi uma visita inusitada em minha sala. Ela veio dizer que o chefe queria me ver em sua sala dali a 10 minutos. Nesse pouco tempo em que passou na minha frente, pensei em convidá-la para sair; em falar sobre teatro, já que sabia que gostava; em pedir seu telefone...Em 3 segundos pensei em tudo. Pensei e não agi. Senti-me o mais ínfimo dos perdedores. No dia seguinte cheguei, sentei e vi panos pretos pendurados nas portas e lírios por toda parte. Ela havia sido atropelada na noite anterior, quando atravessava a faixa que dá de frente para a entrada do teatro. Nunca tinha sentido um gosto tão amargo na boca quando soube. Fui ao enterro e não pude deixar de notar os belos olhos azuis do lado oposto. Sua pele com sardas, seus cabelos escorridos nos ombros...
-Muito bem, seu tempo acabou. Rodrigo, mande o próximo.
-Sim, senhor.
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