Olho-te de longe e dentro de mim reflectem-se imagens que não reconheço serem desta vida, mas que no entanto me parecem certas.
Há uma estranha predestinação nas tuas falsas águas paradas.Tudo faz sentido, sem que eu saiba qual é.
Mais que inconscientemente sei no meu intimo, que já fui mais do que sou hoje, hoje sou o acumular de existências que desconheço, sou o resultado de uma fórmula matemática espiritual que me escapa por entre os dedos como areia. Procuro encerrar em minha mão a minha existência e ela escapa-me por entre os dedos e isso inquieta-me.
Porque é que as tuas águas paradas me reflectem então?
Sou o reflexo ocre de algo que não sei o que é e no entanto me resume.
As leis kármicas reflectem sempre os mesmo- aprendizagem.
Pago hoje os erros do passado, sem saber em que errei, porque errei, e tento emendar nesta vida as acções viscerais e espirituais que desconheço que tive.
Vivo com um tesouro ou uma maldição escondida dentro de mim, nestas paredes ósseas encerro mais que matéria, e aprisiono mais do que uma alma, guardo existências sem fim. Reflectem-se nas tuas águas muitas faces que já usei e me são perfeitamente estranhas.
Procuro na espiral da Vida, na dimensão éterea, lágrimas e sorrisos esquecidos na porosidade do retrato de uma desconhecida, que se apaga no tempo. Por vezes encontro pistas que se cristalizam em nada, feixes de luz esporádios que se apagam na minha noite. Pela luz de velas espreito por de trás do espelho uma existência, procuro um caminho na imaterialidade do nada.
E nessa imensidão uma nuvem ocre se vislumbra, onde outrora passaram as primaveras da minha vida sem que eu tivesse notado, de onde se erguerão as vozes do meu íntimo em verões de sol acabado, nas paisagens tristes de sonhos enamorados.
Sigo as pétalas imaginárias de possibilidades irreais, olho o céu a procura de respostas e a lua da minha vida estende o seu véu de beleza surreal, como um trilho de migalhas a desfolhar-se.
Na lucidez de memórias fugidias procuro as certezas do incerto, de que não traio quem sou. Procuro na minha sombra o som dos meus passos e na surdez muda, um sonho meu flutua.
Não sei porquê mas hoje esta imagem reflecte-me e neste espelho a alma que olho está nua...