Oct 19, 2008 17:51
Pelos vastos bosques da minha mente, pelos vastos arquivos da memória. Olho para cima, e as nuvens acumulam-se, formando colossos, montanhas que se erguem para lá do campo de visão. O Sol matinal brilha, docemente, por detrás delas. Não oiço a bela canção de Apolo, mas sinto a sua presença pelos campos que se desenham suavemente à minha volta. As planícies verdejantes tomam forma, agregando-se pequenas partículas de matéria. A sua impermanência, a primeira aparição da manhã. Quero escolher um caminho, o passado é o rumo estabelecido. A última vez que estivemos juntos, perdeu-se num dos sombrios e confusos arquivos. Mnemosine, a bibliotecária da memória, corre em meu auxílio. Setecentos e setenta segundos no passado, perco-os. A paisagem transforma-se: a substância de que são feitos os sonhos é altamente moldável. Transforma-se sem qualquer esforço, desenha-se um lago de águas límpidas e calmas, árvores cujos ramos crescem para tocar o céu. É noite. A Lua brilha, e as estrelas pontilham o céu. A linha do horizonte ganha consistência, os meus sentidos informam-me que é este o local. Quantos segundos? Poderia passar aqui o resto da minha vida, prisioneiro de Mnemosine. Privar-me de qualquer estímulo sensorial: deixar os meus olhos cegar e os ouvidos ensurdecer. Tudo o que preciso vive aqui, no intervalo que separa cada pequena unidade neuronal, que me trazem, docemente, os cenários que apenas podem ser vistos com os olhos da mente. Naqueles dias...há saudade, há nostalgia. E tudo se precipita ao meu redor, depressa. É uma rua solitária. Perco mais sentecentos e setenta segundos do meu passado recente, doce amnésia. O ruído branco invade agora os meus sentidos. Sei que devo subir. E subo, a velha escadaria, que geme e range, queixando-se. Tropeço num comboio de brincar. É uma tarde de outono, o quarto está cheio de folhas amareladas. Vejo a menina que já não existe, e passeio pelos outonos. Os outonos, de chuva mansa e nuvens cinzentas, e de tardes doiradas. Tudo se volta a transformar, com a plasticidade inerente das paisagens oníricas. É uma clareira. Sim, reconheço-a e ofereço mais setecentos e setenta segundos do meu passado recente. Quando se foram as vozes que antigamente ecoavam nesta clareira? Há muito, muito tempo. É Inverno. As razões para ir são suficientes. Uma tempestade destruiu esta frágil casa. Duas metades de uma linha divisória, que se desenha até ao infinito. Ruínas, e toda a cidade está contra nós. Foge! Foge para a Estação. Os corações que viajam, perdem-se e não querem voltar. Mas, para baterem, terão de voltar. Estes locais são, agora, apenas ruínas.