Segundo dia

Nov 02, 2008 20:00


Passei os dois dias fora de casa, hoje tive de levar o macbook comigo e escrever no carro. Felizmente tenho conseguido acompanhar o ritmo da coisa, mas tive de saltar parte do primeiro capítulo, porque não andava com aquilo nem para a frente nem para trás. Assim vou escrevendo e, no fim, posso terminar o que ficou por terminar.

Aqui vai o que já tenho:

Espilce

Sofia Lemos da Costa

Conto de Fadas para quem já lê romances e já não acredita em fadas

Prólogo

Espilce sempre existira.

Já lá estava no início da história, mesmo da que nunca fora escrita, aquela de que apenas os elfos conseguiam falar. Alargara a sua protecção quando os piratas atacaram os mares levando muitas jovens sereias consigo, para as meterem nas suas camas e depois as imortalizarem nas proas dos seus navios. Sobrevivera ao desespero dos aldeões e camponeses quando Séram tentou destruir a harmonia do reino e os duendes tiveram de trabalhar a dobrar para fabricar armamento para as tropas. Aguentra-se quando crianças deixaram de acreditar em fadas e as fadas se iam apagando como o dia que finda.

Espilce existia desde que a primeira criança sonhara.

Os duendes eram pequenos e resmungões. Tinham grandes orelhas, narizes e pés, e gostavam de viver debaixo de terra, onde construíam as suas civilizações. Não gostavam de nenhuma outra raça, mas estavam sempre em festa; em qualquer dia do ano havia comida nas suas mesas e cerveja nas suas canecas. Eram imprevisíveis e tinham alguma magia no sangue, o que lhes permitia disfarçarem-se de rochas e de outras coisas da natureza, quando em perigo. Os duendes eram ferreiros de excelência e representavam o fogo.

Os elfos eram altos e perfeitos. Tinham longos cabelos brilhantes, orelhas pontiagudas, olhos claros e peles transparentes. Viviam em árvores ocas ou em grandes casas que construíam nas copas das árvores, não interferindo com a natureza. Gostavam da sua independência, dos deus livros, e da natureza, mas odiavam os humanos e cobiçavam a sua magia. Acreditavam que, se fossem prefeitos, eventualmente teria magia e poderiam ser eles a governar Espilce e não ser apenas Conselheiros. Os elfos conheciam o passado e previam o futuro, trabalhavam com ervas medicinais e representavam a terra.

As sereias eram belas, formosas, tinham bonitas curvas, peles douradas, olhos brilhantes e caudas reluzentes, como que feitas de pedras preciosas. Viviam em grutas submarinas ou em recifes de corais e não gostavam de roupas, que cobriam os seus corpos desejáveis. Amavam a música e as coisas brilhantes, gostavam de seduzir e de dançar, especialmente à luz da lua. As sereias conheciam os quatro cantos do mundo e todas as raças e os seus desejos mais profundos e secretos. Providenciavam o peixe ao reino e entretinham os pescadores nas longas noites e todos aqueles que as procuravam nos mares. As sereias eram ágeis, flexíveis e representavam a água.

As fadas eram pequenas e brincalhonas. Tinham covinhas e corpos de criança, cabelos finos e asas delicadas. Viviam em flores que passavam uma vida inteira a escolher e a cuidar, e eram tão egoístas que nem as partilhavam com os consortes. As fadas eram curiosas e gostavam de crianças. Eram criativas, habilidosas e inocentes, mas muito temperamentais. Adoravam todas as outras raças, até os duendes, e transportavam o amor com elas. As fadas eram mensageiras, forneciam os doces, e representavam o ar.

E depois havia os humanos, com as suas bruxas e magos... Esses eram os complicados de descrever. Cada um era diferente do outro, cada um tinha preferências diferentes das do vizinho, e cada um se achava superior que o outro, mesmo que não o admitisse. Os humanos eram a raça mais imperfeita: eram desastrados e desproporcionais, a sua linguagem parecia arranhar a garganta, os seus costumes eram básicos e pagãos, não eram grandes músicos, nem artistas, nem conhecedores, nem amantes. Mas tinham magia no sangue. Os humanos eram a raça mais importante, o centro do reino, o equilíbrio, o povo harmonioso. O Rei e a Rainha eram humanos.

Espilce é o reino da harmonia, governado por humanos imperfeitos, onde as crianças se refugiavam nos seus mais profundos sonhos.

Espilce sempre foi e sempre será parte de cada um de nós.

A Batalha

Goodwin desviou-se de uma flecha e, dando meia volta, protegeu-se na muralha. Não conseguia compreender porque diabo estava ali. Nem sabia porque começara toda aquela confusão.

Puxou uma flecha das costas e esticou-a no arco. Sempre lhe fora dito que as fadas eram amor.

Respirou fundo, deu meia volta sobre si mesmo e disparou ao acaso. Sempre pensara que Espilce era o reino da harmonia.

Sem mover o pé direito voltou a proteger-se nas ameias da muralha. Não conseguia matar aqueles seres tão pequenos.

Esticou uma outra flecha, ouvindo o zumbido de um dardo inimigo que o falhara por milímetros. Eram apenas crianças; ou pelo menos era o que pareciam.

Com um som seco um corpo caiu inerte ao seu lado, levantando uma ligeira nuvem de pó. Por um segundo os olhos de Goodwin fixaram-se na figura imóvel e todo o barulho da batalha se dissipou. Um outro segundo, piscou os olhos, e tudo voltou à confusão anterior. Talvez estivessem apenas revoltadas; certamente tudo se resolveria com medidas menos drásticas.

Esticou a flecha no arco, rodou sobre o pé direito, apontou novamente ao acaso, fechou os olhos com força e disparou, retomando à posição anterior antes de inspirar novamente. Se ao menos soubesse que Benedita estava a salvo...

Alguém gritou apenas a alguns homens de distância e três flechas cortaram o ar, desfazendo-se no outro lado da muralha. Certamente que Benedita estaria segura numa das torres com a ama de companhia.

O corpo doía-lhe, parecia pesar pelo menos mais cinquenta quilos do que quando fora acordado nessa madrugada. Respirou fundo duas vezes, vendo mais flechas cruzarem o ar.

Para a confusão que o rodeava a sua respiração parecia-lhe lenta e demasiado alta. Tudo parecia demasiado lentou, demasiado alto, demasiado... qualquer coisa, como num sonho em que sabemos que estamos a sonhar. A única diferença era que Goodwin não sonhava. Aquela era a sua realidade, aquele era o seu reino, aquela era a sua tarefa.

Puxou duas setas de uma vez e disparou-as para o céu. O que dispultara a revolta? Como terminaria?

Um gemido, um som seco, dois corpos no chão. E quem sairia vencedor?

A Viagem

Goodwin chegara ao reino com o vento frio do inverno, com as chuvas e com as noites longas. Não tinha sido fácil dizer adeus, subir ao cavalo e virar as costas à mãe, que escondia as lágrimas teimosas com um sorriso forçado, agarrada ao braço do pai, como se se o largasse se afundasse na realidade, e ao pai, que o abraçara excitado, orgulhoso do filho, e o via partir com o coração calmo e esperançoso de grandes feitos.

Os irmãos haviam sido uma história diferente. Naomi e Jaime compreendiam a partida do irmão, ainda que desejassem que ele ficasse, mas eram pequenos o suficiente para explicar a Juliana, Benedita e Gladwin que Goodwin iria servir o rei, que os honraria a todos, que, um dia, se contariam histórias sobre ele. O primogénito contou a todos uma história de encantar, aconchegando-os nos lençóis, e beijou-lhes as testas frias, murmurou palavras de amor, e apagou a vela com um sopro.

Enquanto se afastava da quinta que sempre conhecera, concentrando-se no som ritmado da passada do cavalo, os seus olhos dourados registavam, uma última vez, os seus campos verdes, as searas reluzentes, as flores carmim, os céus azuis, a terra rude e os pequenos animais que se escondiam rapidamente à sua passagem.

Wood, o garanhão que montava, nascera naquela pequena cavalariça adjacente à casa, onde cheirava a feno molhado e a energia expectante. Goodwin assistira ao parto atentamente. Na altura tinha pouco mais de meia dúzia de primaveras, e ainda ambicionava ser rapaz de cavalariças, dormir no feno aquecido pelo bafo quente dos seus companheiros, e escolher o cavalo dos lordes, príncipes e mesmo o do rei. Aplaudira excitadamente quando Wood se pôs de pé pela primeira vez e, assim que o pai o permitira, subira sem ajuda para o seu dorso e troteara em volta da casa. Haviam sido amigos desde esse momento e, agora, Wood era o único autorizado a começar aquela aventura consigo.

Ao chegar ao cimo do monte puxou as rédeas suavemente, e voltou-se para o caminho de onde viera. Lá ao longe conseguia distinguir a casinha de pedra escura, o fumo que lentamente se erguia da chaminé, a roupa estendida, o riacho que passava ao lado da casa, a cavalariça agora vazia, e, se semi-serra-se os olhos, conseguia distingir a figura esguia do pai que vigorosamente cortava lenha à porta de casa.

Entretanto já o sol subira no céu e agora a sua sobra perseguia-o em vez de o anunciar e, corajosamente, Goodwin entrara na floresta que sempre evitara. Em criança ouvira as mais espantosas histórias sobre a floresta, ouvidas das bocas de sábios idosos, que juravam à lua e à fogueira que, certa vez, quando ainda eram jovens e vigorosos, haviam entrado na floresta e encontrado os mais horríficos animais, e elfos renegados. Por vezes, quando as moças se aproximavam, namorando este ou aquele jovem que ainda ouvia os contadores de histórias, os sábios juravam à lua e à fogueira que, certa vez, quando ainda eram jovens e belos, se haviam perdido na floresta e que haviam sido guiados a casa por um belo unicórnio de pêlo brilhante e corno cintilante, ou por pequenos dragões que tossiam fogo.

Goodwin nunca se atrevera a duvidar de homens com olhos púrpura como o crepúsculo, e agora seria ele mesmo quem entraria na floresta, de cabeça erguida, arco na mão e flecha esticada, vincado os joelhos no flanco negro de Wood.

Cinco batidas de coração e um passo para dentro da temida floresta encantada, e Goodwin viu o sol desaparecer, e a temperatura descer, deixando-lhe o nariz e as pontas das orelhas tão frias como nas vésperas do solstício, e sentiu a humidade da floresta nos seus cabelos, nas suas roupas e nos seus ossos.

O início do percurso, porém, fora silencioso, e já Goodwin baixava o arco quando, vinda de este, uma brisa gélida o arrepiou. Havia algo ali, e ele não tencionava vir a descobrir o que era. Rapidamente colocou o arco às costas, agarrou-se às rédeas, e incitou o cavalo para diante, encostando a face esquerda ao pescoço do animal, esperando não se magoar neste ou aquele ramo mais baixo.

Galopou às cegas, fintando árvores, saltando raízes, despistando possíveis predadores. O ar parecia tão gélido que as faces ardiam queimadas, os olhos brilhavam e uma ou outra lágrima solitária formava-se no canto do olho para se perder nos seus cabelos rebeldes. As mãos doiam-lhe e o cavalo vacilava quando, finalmente, conseguiu avistar claridade à sua frente.

Do outro lado da floresta encontrou um mundo diferente do seu. Aqui as casas que podia avistar ao longe eram de madeira e não de pedra, e as estradas de pó e lama, em vez da calçada de pedras simétricas a que se tinha habituado. O riacho em que se banhara tantas vezes, ali crescia para um rio largo que serpenteava entre montes e montanhas, campos de cultivo e campos baldios.

Goodwin desceu à vila e parou na primeira estalagem que encontrou, e falou com a dona da casa. Trocou um espaço pequeno onde pernoitar, uma caneca de cevada e um naco de pão por uma moeda de prata e sorriu à moça que foi enviada à cozinha para servir o jovem. A dona da casa, uma velhota antipática, de voz rude e hálito forte, indicou-lhe o quarto no primeiro andar, guardou a moeda que lhe fora prometida e desapareceu sem uma palavra.

A moça bateu à porta quando Goodwin retirava as calças de montar, e este abriu-lhe a porta com um sorriso matreiro. A rapariga era pequenina, frágil, com grandes olhos castanhos e um nariz pontiagudo. Os seus cabelos eram longos e estavam mal tratados, mas Goodwin ignorou tudo isso.

Retirou-lhe da mão a caneca de cerveja que bebeu de um só trago e depois puxou a moça para dentro do quarto, retirando-lhe o tabuleiro da mão e colocando-o ao lado da porta. A morena não se mostrou embaraçada ou arreliada e respondeu aos movimentos de Goodwin como se o que fazia fosse parte do seu trabalho.

Tirou-lhe a camisa suada e beijou-lhe os músculos delineados, correndo as mãos pelas suas costas. Depois deixou que ele a explorasse, oferecendo-lhe o seu corpo com risadas infantis, antes de subir para a barulhenta cama e descer o vestido branco, expondo à luz da vela um ombro e um seio pequeno e redondo. Goodwin enrolou-se nela e perdeu-se nos seus cabelos emaranhados e nas suas formas pequenas e patéticas até que, perto do pico da noite, a levou a outro mundo onde a moça gemeu alto e chorou ingenuamente. Não fora a primeira nem seria a última vez que a rapariga fora levada lá, sob o corpo suado de um qualquer cavaleiro de quem nunca saberia o nome, e não era a primeira nem seria a última vez que, depois disso, o deixaria ainda a estremecer e sairia discretamente do quarto, levando consigo uma moeda de estanho, que guardou no vestido amarrotado, que encontrara num dos cantos do pequeno quarto.

Goodwin deixou-se dormir o cheiro do almoço, vindo da cozinha, lhe bater à porta. Sentia-se dorido, gostaria de chamar a rapariga patética mais uma vez, mas não podia esperar nem mais um segundo. Se fosse rápido o suficiente chegaria à próxima vila ainda a tempo de encontrar uma moça melhor para levar para o quarto, se tivesse suficiente dinheiro para lhe pagar.

Da parte do rei fora-lhe entregue, como a todos os outros aprendizes de guerreiro, uma bolsa com três moedas de estanho, duas de prata e uma de ouro, que o rapaz deveria fazer durar até chegar ao castelo e se apresentar ao serviço. Só depois do juramento receberia o medalhão que substituiria todas as moedas e dinheiros.

Wood rapidamente decidiu que preferia o caminho de terra batida ao de pedras escorregadias, e movimentava-se mais velozmente do que no dia anterior. Goodwin decidiu então não parar na vila seguinte, a qual encontrou ao pôr-do-sol. Passou as casas baixinhas e castanhas, acenou a uma ou outra garota, e deixou para trás os campos de cultivo, incitando o cavalo. Mais uma hora e estaria a cavalgar noite dentro, sem ter a certeza de para onde ia.

Nessa noite não chegou a outra vila e teve de acampar perto de um lago, comer o naco de pão e metade da bola de queijo que trazia consigo e beber a água gelada. Acendeu uma fogueira e se deitou sob as estrelas, contando-as lentamente, relembrando histórias de outros tempos. Não tardou a fechar os olhos e a deixar que a sua mente vagueasse entre o mundo em que vivia e aquele em que apenas sonhava.

No terceiro dia de viagem parou numa pequena vila onde não viviam mais de vinte camponeses, incluindo as duas crianças que correram atrás do seu cavalo quando as passou, e comprou duas maçãs que guardou para mais tarde, uma caneca de caneca de cevada, uma cenoura para Wood e comeu uma tigela de aveia moída com leite de cabra, que ainda vinha quente do animal.

Cavalgou o resto do dia e durante a noite, abrandando o passo para comer o que havia comprado, e ao romper do dia encontrou a vila que lhe fora indicada como sendo a mais próxima do castelo, antes de passar a muralha. Perguntou a um lavrador onde encontrar um quarto, e parou pouco mais à frente numa casa robusta, feita de madeira grossa e escura, e com janelas de vidro. Tinha três andares e um pequeno jardim na frente, com rosas brancas e escarlate e delicadas tulipas púrpura. À porta estavam já dois cavalos que esperavam que os moços da estrebaria os viessem buscar para os cuidar, e Goodwin deixou o seu ao lado deles e subiu dois a dois os degraus de pedra para a casa. Bateu à porta e foi recebida por uma bela rapariga de olhos púrpura e longos cabelos doirados. Sorriu-lhe um momento e depois desviou o olhar, mirando o chão quando lhe pediu um quarto para ficar e perguntou se podia comer algo antes de se deitar.

A jovem respondeu-lhe, alegremente, que tinha outros dois ou três hospedes que iam ao encontro do rei, fazer o juramento e juntar-se às suas tropas, e que a sua casa se orgulhava de os receber a todos, alimentar, e oferecer as suas raparigas que, fez a moça questão de mencionar, eram melhor do que as flores de estufa que viviam dentro das muralhas.

Goodwin foi levado a uma sala de jantar, onde três rapazes barulhentos namoriscavam com uma ou outra moça entre risos e troças. A jovem de olhos púrpura indicou-lhe que aqueles eram os seus companheiros, e disse-lhe que alguém o guiaria ao seu quarto assim que tivesse terminado. O camponês agradeceu-lhe e apresentou-se aos rapazes, que puxaram uma cadeira para ele o o apresentaram a uma moça rechonchuda e com covinhas, de cabelos sedosos e olhar brilhante.

Comeu tanto quanto conseguia, bebeu tanto quando se permitiu e depois chamou a moça de covinhas e pediu-lhe que se sentasse ao seu colo. Não demorou muito até que a rapariga lhe tivesse dado a volta à cabeça e que ele a seguisse até ao seu quarto, onde a atirou para a cama fofa e se rebolou com ela nos lençóis, brincando com as suas formas redondas e inspirando o seu doce perfume. Mordeu-lhe os lábios e lambeu-lhe o corpo, mostrou-lhe um, dois e três mundos onde ela nunca tinha estado e impediu-a de deixar o seu lado enquanto ele dormia aninhado na sua pele quente. A moça arrancou-o de um sonho bom, avisando-o de que se ela não ajudasse com o jantar lhe teria de cobrar uma outra moeda, e deixou que ele a tomasse outra vez, ainda mais vigorosamente, antes de vestir de novo o vestido e descer as escadas a saltitar.

Ceou com os rapazes que conhecera nessa manhã, e combinaram partir na manhã seguinte, assim que o sol se levantasse. Foi até à cavalariça ver Wood e pedir para lho prepararem para a manhã seguinte. O rapaz da cavalariça gabou-lhe o garanhão e garantiu-lhe que estaria preparado e à sua espera quando descesse.

À medida que as horas passavam o seu coração ganhava velocidade e o seu estômago contorcia-se, excitado. Nunca se afastara tanto da quinta em que nascera e fora criado, e nunca imaginara que cruzaria a muralha para a vila do castelo.

Os quatro rapazes encontraram a passagem ao início da noite e pasmaram face à silhueta recortada da muralha no céu tingido de azuis, dourados e rosas. Tinha uma beleza inigualável, uma calma, uma certeza, uma harmonia inimaginável. Era imperfeitamente perfeita e rudemente pura, feita de rochas marinhas, com gradeamentos de metal forjado, os portões de segurança delicadamente recortados da madeira mais antiga, e coberta por jovens trepadeiras.

Um a um os jovens apresentaram-se aos guardas, mostraram as missivas que lhes haviam sido entregues, e miraram a fealdade da vila do castelo. Aí as casas eram de madeira e pedra, de todas as formas e tamanhos, como se cada pessoa que ali habitasse tivesse vindo de um lugar diferente e, de alguma forma, tivesse tentado trazer um bocadinho de tradição para ali.

As ruas tinham sido calcetadas e alguns cavalos experimentavam-nas incertos. À direita uma rua descia para uma estalagem de aspecto acolhedor, e à esquerda uma outra rua subia para uma taberna onde já se reuniam vários aldeões. A rua principal estendia-se à frente dos jovens a cavalo, ladeadas pelas casas encavalitadas.

Uma senhora estendia a roupa à janela, e o padeiro varria a entrada para o seu estabelecimento, enquanto a mulher de um camponês despachava os últimos clientes. Os rapazes olhavam à volta estupefactos - tudo ali parecia mágico. Goodwin acenou a uma pequenita que brincava com uma boneca de trapos no degrau da casa, e ela sorriu-lhe com os seus olhos púrpura.

Goodwin arrepiou-se e desviou o olhar. Era a primeira vez que via uma criança de olhar púrpura. Tentou perguntar aos companheiros se já tinham visto, mas estes haviam-se perdido em admirações próprias, maravilhando-se com outras coisas que nunca tinham encontrado antes, como a velhota que escutava o gato que lhe contava uma história de terror, ou como o velho que ensinava um grupo de crianças a criar chamas coloridas.

<3

espilce

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