Jul 07, 2004 01:49
Nem sempre parece importante, isto de dizer que se está feliz. Há na felicidade algo de universal que faz com que por vezes a vistam com roupas deselegantes e desajeitadas, que faz com que a escondamos no bolso do casaco com a impressão de que não é justo, ou não parece justo, dizer que ela está cá, que a seguramos na mão como um bebé recém-nascido, que pensamos ter aquilo que tantos procuram. Não parece correcto ostentá-la como uma jóia valiosa, como se fossemos uma espécie de eleitos a quem a sorte sorriu.
Ao princípio não nos apercebemos, de como ela se instala dentro de nós, esta propensão para nos tornarmos algo mais ou menos ou apenas diferente do que somos hoje. Não é uma mudança total, é uma limpeza cá dentro, para arranjar espaço, espaço para mais um, para que mais alguém more dentro de nós.
Sempre confundi a felicidade com o amor e o amor com a felicidade.
É uma espécie de gravidez, uma gravidez interior que se quer perpetuar eternamente, ver todos os espaços intermédios entre camadas de pele, osso, veia, sangue e músculo, cobertos de felicidade, uma felicidade nova e tão surpreendente como assustadora. É estranho dizer que às vezes a felicidade assusta, que mete medo como um fantasma ou uma sombra não familiar num corredor interminável onde as portas se sucedem até se tornarem uma só, maior, entreaberta, misteriosa?
Como é que se fala de felicidade? Como é que se traduz em palavras isto que se sente cá dentro? Como é que se explica que é isto, estes nadas aparentes, estas coisas simples que fizemos tantas outras vezes e não tiveram qualquer significado. Como é que se diz, é aqui é agora, sabes, é isto, este sol, este gelado, este mar que parece contradizer que a terra é redonda, este céu ensolarado e estas duas toalhas amarelas estendidas lado a lado. É isto como podia ser outra coisa qualquer, outro cenário, outra lista de adereços, não importa, não é isso, é outra coisa, como uma bolha de sabão gigante que desce e nos envolve, como estar fora do mundo e ao mesmo tempo ser o mundo, como se não houvesse fronteiras entre nós e a terra, entre nós e o céu, entre nós e a água, entre nós e o tecido que cobre a pele, como se todas as extremidades do corpo tocassem em tudo o que nos rodeia até não haver qualquer distinção entre ele e o espaço que o envolve.
Felicidade é felicidade, não há ser mais ou menos feliz, ou se está ou se não está . Isso de ser feliz é outra coisa, essa condição perpétua de que se fala, um balanço individual dos bons e dos maus momentos, um medir a vida numa balança, uma afirmação final. É ainda cedo para finais, sejam de que natureza forem.
É que tem que ser breve , toda a perfeição tem que ser breve para que não nos queime por dentro, para que consigamos continuar a viver na ausência, na irremediável certeza de que ela não existe ou de que não nos pertence.
É que a felicidade não nos habita, visita-nos.