(no subject)

Oct 04, 2006 19:51

sou sensível ao sol. percebi isso hoje enquanto andava na rua sem os meus óculos escuros. e prestes a atravessar, percebi que só sei falar de amor. só escrevo coisas de amor. é tudo uterino. está tudo amarrado: vermelho e roxo juntos. intensos. sou alérgica ao amor. e tudo o que eu sinto é só uma gota. é uma gota muito pequena perto das incontáveis noites sem dormir de tanta perturbação. eu sou uma pessoa perturbada. só descobri isso ontem. essa foi a semana das revelações sórdidas. vou falar o que fiz ontem. mas preciso respirar antes. acabei de abrir a janela. o caos de são paulo é seco e nada suave, mas eu preciso sentir um pouco de vento. eu preciso. se eu não abrisse a janela, me sentiria sufocada até o final do texto e já me basta o sufoco que é toda essa exposição barata a qual me submeto. os meus olhos estão pesados mesmo com o vento entrando no quarto. esse vento cinza de são paulo. só quem vive em são paulo sabe como é o vento aqui. é muito ácido. a vida aqui é muito ácida. você tem tudo o que quer, é verdade. você tem drogas, tem balada, tem prostitutas, tem arte, tem cinema. é verdade. você tem tudo. mas quando quer pouco, não consegue. aqui, tudo é muito. é gigante. é megalomaníaco. é enorme. eu, por exemplo, quero um pouco de ar. e tê-lo nunca me pareceu tão inalcançável.

ontem, no ápice da perturbação, fiz uma coisa inédita na minha vida. peguei um ônibus até o centro da cidade e entrei em um hotel barato de esquina. no começo, senti um pouco de medo, mas me controlei e aguentei firme até o final de toda a minha loucura. perguntei quanto era pra passar a noite e um homem de olhos tristes me disse que 30 reais bastavam. dei o dinheiro ao homem e ele perguntou meu nome. escreveu, então, com letras garrafais em uma folha pautada “débora”. eu me sentia uma psicótica forasteira, mas engoli os pensamentos e acompanhei o homem de olhos tristes até o meu futuro quarto. na mochila, levei chiclete de menta, dinheiro, um livro do paulo leminski e um cachecol xadrez. só. o homem me deixou sozinha no quarto e disse que caso eu precisasse de algo, era só ir até a recepção. é, não tinha telefone lá. mas não havia problema porque, na verdade, eu não precisava de nada.

era noite.

o quarto era pequeno e destruído pelo tempo. era branco, mas a parede por trás da cama, vermelha. os batentes das portas eram roxos. o edredon fedia a cigarro, mas isso só reparei quando deitei por alguns minutos. não me importei com o estado do quarto pois mal sabia o que fazia lá. na verdade, eu fui me encontrar. fui ao meu encontro. me olhei no espelho. o cabelo bagunçado, como sempre. nem liso, nem enrolado. o nostril, a tatuagem no braço. a mesma de sempre.

acendi um cigarro enquanto andava devagar pelo quarto. liguei o abajurzinho de lâmpada avermelhada e apaguei a luz do teto. tragava devagarzinho degustando cada partícula nociva do cigarro. me sentia uma prostituta à espera do próximo macho que fosse entrar pela porta. é. eu daria pra qualquer cara que entrasse pela porta. não. a minha fase de trepar com um cara e gostar já passou. não. não queria brincar de ser prostituta. fiquei quietinha esperando os minutos passarem. não sabia quantos. não sabia nem o que estava fazendo ali. espiei pela janela e vi milhares de carros. pessoas de todas as espécies passavam pela calçada. o meu quarto era no terceiro andar do hotel barato com edredon que fedia a cigarro. as pessoas estavam nas ruas, vivendo, acontecendo. as pessoas aconteciam. elas não desistem, pensei. apaguei o cigarro em um cinzeiro preto que estava perto da janela. janela, que era incrivelmente encardida. desisti de fumar.

sentei na cama. me sentia meio sem ar. estava sensível a realidade agora. não mais ao sol. de repente, senti uma febre violenta. a minha febre é assim. vem rápido como um espirro. é incontrolável. apertei os olhos, mantendo-os fechados. comecei a suar de tanto desespero. era desespero emocional… eu sentia. era a hora do encontro. via meu próprio corpo chegar e minhas mãos suavam de tão comovida e ansiosa que eu estava. a febre, então, foi embora e só restou uma sensação de anestesia. era muita adrenalina estar ali comigo, compartilhando minhas epifanias com o meu eu. me deleitei. me toquei. enfrentei uma busca sem fim até o ápice do prazer. fui fundo. endorfina, amor, contrações.

e depois da sensação-mãe de toda a loucura a qual me entreguei, saí correndo. peguei meu maço de cigarro, joguei dentro da mochila e saí correndo pelas escadas. passei pelo corredor do hotel. corri pra longe de deus. o homem dos olhos tristes gritava meu nome enquanto eu ultrapassava a porta em direção a rua. ficou, então, tudo em câmera lenta. o vento no meu cabelo, o meu corpo leve na rua. eu respirava em câmera lenta. eu estava em câmera lenta. completamente. ofegava. ofegava até me sentir a mais louca de todas as loucas. até estourar os pulmões. me prostituí. fui tudo o que quis. fiz tudo o que quis. e me sentindo doce até os ossos, peguei um ônibus e voltei pra casa, seca e muda. vivendo um filme erótico de horror com trilha sonora folk.
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