Se eu soubesse que aquele seria meu último gole em uma cerveja, meu ultimo telefonema para minha mãe, e a ultima vez que seguraria nas mãos de Maria, talvez eu teria sido mais romântica.
O calor do dia me derretia dentro da jaqueta de couro, meu suor escorria pelas costas e minhas mãos molhadas deixavam marcado o balcão do bar. Calor ou nervosismo?, talvez os dois. Maria no banheiro tentando esconder as cartas dentro do vestido floral. Seus cabelos armados e negros estavam leves hoje, seu batom vermelho era vivo e chamativo, mas eu estava tão concentrada no que íamos fazer, na causa e em quantas pessoas no futuro nos agradeceríam, que mal percebi a beleza de minha namorada. Lamarca nunca saberá ao certo o quanto amamos o que ele nos propôs, o quanto sofremos, e o quanto somos gratas por morrer assim.
Antes de me pegarem e me jogarem nesse cubículo úmido de paredes rabiscadas com frases de liberdade e os nomes de camaradas mortos, eu dei o ultimo gole, liguei para minha mãe de um velho telefone público dentro do bar, e com poucas palavras disse que estava bem e que ficaria um tempo longe de casa. Orientei a ela que caso Stuart Angel aparecesse, ele poderia passar aquela noite em meu quarto. Maria saiu do banheiro, mas antes que minha mãe se despedisse, a ligação caiu, eu só tinha uma ficha. Maria segurou forte em minha mão e me olhou fundo nos olhos. Naquele segundo, um cantar de pneus a derrapar em frente ao Bar encheu o ambiente, militares saindo aos montes da Veraneio em pleno movimento, pessoas se jogando ao chão, e uma voz rouca a me intimar.
A mão de Maria suava junto a minha, e aos poucos foi escorregando e deixando um frio em seu lugar.
Isabella Martinez.
Texto Fictício
_________________________________________________________________________________________________________
Se hoje os jovens escrevem o que querem na Internet, como homens livres da opressão militar, é ao preço do sangue de jovens que lutaram por essa conquista, numa época em que a liberdade de expressão era expressa livremente apenas nas paredes das celas do Dops.
Aos mortos na ditadura de meu país.. O meu mais sincero agradecimento.
Rodrigo Damião