Apr 03, 2009 09:08
"Canto Impassível à Solidão"
Hoje estou só,
perfeitamente só.
No vazio apartamento, nada desejo senão esta solidão
receio mesmo encontrar-me e surpreender-me com os restos de algum naufrágio cotidiano.
Não serviria vinho ao amigo que nesta hora fosse apenas um intruso
não sorriria ao amor, cujo carinho seria apenas um irritante contacto,
fechei todos os livros, silenciei-os como túmulos
nem desejo ressuscitar fantasmas em meu branco pensamento.
Hoje estou só,
deixei que o tempo passasse para que pudesse encontrar-me
sem perturbação,
preparei-me para abrir a janela sobre abismos sem perturbar-me a vertigem
das alturas.
Nem mesmo a música, essa alma da criação, esse halo das coisas
poderia chegar aos meus ouvidos, sem bater como uma estranha.
Hoje estou só, perfeitamente só, conscientemente só
como um rochedo no alto mar
orgulhoso do meu egoísmo e da minha força, satisfeito como um deus,
criando a minha música e me divertindo.
E percebo deslumbrado
que nunca estarei só
nem nunca temerei a solidão
como o resto dos homens.
(Poema de JG de Araujo Jorge extraído
do livro A Outra Face - 1949)
poesias