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Jun 18, 2010 17:22

O Saramago era o meu escritor.
Era-o desde o dia em que a minha professora de português do 8º ano, impressionada com a minha queda para a escrita (que queda? desconfio que seria por ser a mais calada das alunas, mercê dos porros que levava na cabeça para as aulas), me ofereceu o Memorial do Convento com uma dedicatória de Pessoa.
Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce. Era isto.
Tentei ler, não passei das 6 páginas. Tinha 13 anos e aos 13 anos não se consegue ler o Memorial.
Uns anos mais tarde, já em viagem, caiu-me no colo o Ensaio Sobre a Cegueira quando vivia na serra da Lousã - não o li. Devorei-o. Não parei sequer para comer. Voltei então a pegar no Memorial e mudou tudo. Nunca agradeci tanto um livro como o agradeci à professora do oitavo ano que sabia (porque no fundo ela só podia saber) que o meu coração ia bater diferente depois da Blimunda.
Pessoana wannabe que sempre fui, vi-me inundada com O Ano da Morte de Ricardo Reis - tive a certeza que tinha existido e que teria até privado com o próprio Saramago, partilhando em confidência a chatice de conversar com o fantasma que seria, de certa forma, não outro que o de seu pai, se é que um pai e um criador são a mesma coisa.

Mergulhei muito nos livros do Saramago.
Discuti muito e com muita gente por causa dos livros do Saramago.
Olhei muitas vezes para o lado daquela forma que só fazemos com quem amamos (e tantas vezes têm feito isso comigo, felizmente) quando o ouvia nas entrevistas, quando o lia fora do mundo das palavras, de onde nunca devia ser obrigado a sair.
Estou triste como se me morresse família.
Sinto falta de tudo o que não escreveu.

Hoje trazia na mala o Caim para emprestar a um colega. Esse gesto, de repente, tornou-se muito muito grande.
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