SOUTHERN ACCENT

Nov 01, 2008 17:49



Das coisas que me recuso aprender está o fato de que não importa o lugar, você não conseguirá fugir de si mesmo. Andar e voltar ao ponto de partida; buscar na inanimação a completude de suas inquietações. E foi assim, tentando fugir do eu que não me gosto e de todos os fantasmas que me assombram há pouco mais de quatro meses agora (e que ainda não tomei coragem para transformar em caracteres e deixá-los longe do alcance de minha melancolia nostálgica) -, que aterrissei no sul do Brasil. Terra mítica, de estereótipos bem marcados e lugares encantadores que meus olhos inicialmente desfocados tomaram como um pouco mais do mesmo de sempre. As mesmas ruas, os mesmos papos, a mesma chuva, as mesmas fotografias, os mesmos programas... Toda aquela velha história repetida em um cenário (teoricamente) novo; tudo traçado ao redor de um cansativo conceito que tem "I've Seen it All" como tema principal. Sorte a minha que há a poesia humana.

Não que de uma hora para outra eu tenha me tornado um amante inato dos seres humanos (pelo menos não sem umas boas doses de cachaça com coca-cola); mas me observo melhor através dos olhos alheios e me completo dentro desse mundo particular, que independe de todos. Aí você conhece a surpresa em forma de mãe; o gato que você (re)batiza; as velhas pessoas que você redescobre; as novas pessoas que parecem ser antigas. Aí surgem os filmes nos sofás das salas; os carinhos desinteressados nos quartos; os tropeços pelas ruas; os amassos na cozinha. As fotografias pelas cidades; as bobagens pelos shoppings; o tête-à-tête na TokStok; o silêncio na igreja; as risadas no cinema; a comilança à treze reais; as dressing-up-and-getting-drunk-lady-gaga nights. Porto Alegre, Nova Petrópolis, Gramado, Canela e tantas outras cidades pelo caminho. Então você conquista confianças, perde o respeito, releva desaforos, abstrai o que não te agrada, elogia quem merece e joga para debaixo do tapete o que descartável é. E quando você menos espera, você percebe que está completamente situado em uma nova realidade que, independente de ser melhor ou pior que a anterior, já não deixa você pensar tanto no motivo principal para você estar ali. Cintilância, finalmente, sobreposta à rotina.

E ainda que todas as palavras sejam ajustáveis para qualquer outra viagem, há um quê de novidade em tudo; experiências que elevam o entendimento que você sequer sabia que buscava. Resumindo, há um tempo pisei pela primeira vez no Rio Grande do Sul e não posso me queixar de nada. Se faltou alguma coisa, um brilho especial que me fizesse correr apaixonado pelas ruas das cidades, se algo permaneceu opaco ou não supriu as expectativas que eu sequer tinha, a culpa não foi dos lindos lugares que visitei e das pessoas que (re)encontrei ao longo do caminho; culpadas são as coisas que, assim como o fato de buscar a mim mesmo desistindo do eu que sou, acreditando que não mais me pertenço, sigo recusando aprender. E assim caminha a humanidade o Kinho.



* * *



Porto Alegre, RS.

"Enquanto capital", POA deixa um pouquinho a desejar. Ela tem - quase - tudo que se espera de uma cidade grande (teatros, violência, museus, panoramas, sujeira, prédios históricos...), mas mantém sem glamour (salvo exceções como Moinhos e toda aquela parte da cidade que quer desesperadamente ser européia) uma aparência de cidade pequena sem muitos atrativos. Os pontos turísticos não existem com naturalidade, então eles dão uma forçadinha aqui e acolá, desativando usinas, hotéis antigos and all that jazz, criando à força seus próprios postais. É o caso do Gasômetro, antiga usina de geração de energia de Porto Alegre movida a carvão, e da Casa de Cultura Mario Quintana, originalmente hotel de luxo, que eu adorei. Mas, calma, beleza natural existe e fica por conta dos parques (não menciono a população local porque essa é muito melhor no interior), que são mesmo o carro-chefe da cidade. A Redenção é realmente um desbunde e dá vontade de... ser uma pessoa melhor, caminhando, lendo e o caralho a quatro por lá. O clima é uma belezura, as baladas são muito boas e inventivas - o Beco (Alô, Teco, Rafa e os cabelos ensebados de suor, haha) é tudo aquilo mesmo - e, enfim, vale muito a pena se você não se prender à expectativas.



Canela, RS.

Já a Serra Gaúcha é um mundo à parte, tipo conto de fadas - e os governantes vão manter essa máxima nem que para isso eles tenham que esconder as mazelas e chutar toda a parte pobre das cidades para algum canyon aleatório. Tudo tão bonito, limpinho, organizado e europeuzinho que dá nojo! Tudo aquilo que você já deve ter ouvido falar por aí e que eu, que nunca sonhei em perambular por lá, constatei e me apaixonei. Aw. Em Canela, a igreja aí em cima (que vende cartões para celular pré-pago, veja só), gente bonita e os chocolates. Em Gramado toda a história do Festival, Sandy, mais gente bonita e mais chocolate! Vale até pagar de Cristo Redentor na Rua Coberta - e passar muito mal, no melhor sentido da palavra, com o ser que sai de dentro do boneco no fim da parada, haha.



Nova Petrópolis, RS.

Em Nova Petrópolis, a cidade do labirinto, a impressão que eu tive é que a galera de "Stepford" poderia aparecer a cada virada de esquina - isso quando havia esquina, porque dependendo da direção a cidade acaba sem mais ou menos, dando passagem ao final da serra cuja vista é uma paisagem (desculpe o clichê da palavra) deslumbrante. E em uma cidade colonizada por imigrantes alemães oriundos da Saxônia, Boêmia e do Hunsrück, eu soava tipo mulata carioca exportação, né? Nada contra, acho ótimo chamar atenção, observando os nativos cochichando ao pé dos ouvidos um dos outros sobre o forasteiro, ao caminhar pelas ruas da cidade, haha. Colonos de parar o trânsito, sobremesas de tirar o chapéu, caminhadas e noites solitariamente românticas no sofá do charmoso Chalé da Cida. :)



German Kirche.

Foi em NP, inclusive, que visitei o Parque Aldeia do Imigrante - aldeia história com construções (Where's Waldo?) do início da colonização da cidade. Escola de um lado, Cemitério de outro, Moinho no meio... Impossível não querer ter ascendência alemã. Ainda que todo esse papo ainda não colabore com minha saúde emocional, claro. :P

(...)



Fim.

worldwide, desventuras, photos, mem'ries

Previous post Next post
Up