ELEIÇÕES 08

Oct 09, 2008 02:56

Acordar duas horas após ter interrompido com bocejos o teu doce telefonema, me fez pensar no sofrimento que seria enfrentar a vida real às seis da manhã. Interrompi o alarme do celular, perdi quinze minutos do tempo que havia estipulado, tomei um banho gelado e corri desvairado pelas ruas, seguido de perto por minhas olheiras de panda, em busca da sala de aula onde eu deveria bancar o mesário mais desestimulado - e desqualificado, porque o folheto que me deram li mal e porcamente enquanto fazia brigadeiro - da história das Eleições. Tudo isso, claro, agarrado de corpo e alma na energia contagiante que meu telefone me proporciona há uns dias agora; nas folgas adoráveis que irão bancar mais uma viagem no final da semana; na lembrança bem humorada da última eleição municipal, onde brinquei de ser fiscal de partido por livre e espontânea pressão. E cá entre nós, tudo surpreendentemente agradável.

A seção mais parecia uma colagem de várias, antigas salas de aula por onde passei. O presidente de mesa estudou comigo da última série do antigo primário até o final do ensino médio; os eleitores, pais de antigos colegas; a outra mesária, irmã de uma antiga comparsa do extinto ginásio, lembrava não só da ascendência do meu sobrenome como de minhas excelente maneiras; e uma jovem secretária, juntamente com uma fiscal de partido que estava cagando para o PMDB, não demoraram para entrar na orgia. Resumindo? Tudo puta e viado! Por isso não foi de se estranhar que os eleitores comentassem a mudança brusca de mesários ("Que mesa jovem e florida!" ou "Antes só dava velho carrancudo, bróder!") - e que todos queriam justificar o voto conosco, os mais animados do colégio, sempre fazendo coreografias com os braços, agradecendo a participação, a preferência e a cordialidade, desejando um ótimo domingo para as dezenas de Josés, Elisabetes e Emeraldinos que apareciam, ainda que estivessem bêbados e mal humorados (quanto mais mal humorados, mais sorrisos e frases de auto-ajuda). Tudo no mais sincero deboche.

No auge da palhaçada, minha mãe, uma aquariana falastrona e atualmente super politizada em seus próprios interesses, que perambulava para lá e para cá com pinta de primeira dama dos pobres esfomeados, em busca da famigerada zerésima, apareceu trazendo pão, mortadela e café para aquecer a tarde dos mesários - mesmo sabendo que além de nunca ter experimentado café, eu prefiro queijo. Era o que faltava para que os mesários de outras seções começassem a nos visitar! E entre tricôs, lanches duvidosos, nomes exóticos de batismo, bêbados, analfabetos, enfermos, empáfias e toda confusão característica, as horas passaram e eu consegui a minha declaração, tendo como único pesar o eleitor maligno, cheio de uma intensa energia negativa, que apareceu diante à mesa, anotou seu número de telefone num papel e me deu. Assim, do nada. Porque ele queria desesperadamente que eu o encontrasse atrás de um hospital para batermos um papo depois que eu terminasse meu expediente.

E a moral de toda essa história eu não sei, mas ao final do dia eu estava vazio e não pude evitar entrar em uma ladeira autodestrutiva que deixaria os melhores surtos de Brenda no chinelo. Fugir de mim mesmo, forçando sorrisos mortos que não preenchem minhas lacunas, antes de dormir pensando no poder de escolha; na tomada de decisões; nos discursos vazios; nas falsas promessas; na crença despropositada; na confiança depositada; nos erros cometidos; na influência que as pessoas exercem umas às outras; em você. Mas isso já não tem qualquer coisa a ver com política, certo?

six feet under, desventuras

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