Título: Caçando Borboletas
Banda: Gazette
Pairing: AoixUruha
Gênero: Romance/Drama/Comédia
Classificação: PG-15
Sinopse: Eu sei que a analogia é feita com a felicidade, mas a inspiração também parece uma borboleta que, para ser alcançada, exige que a esqueçamos para que ela pouse no nosso ombro. Poético, mas tem um problema: quem honestamente pode dizer que desistiu de correr atrás dela?
Nota: Magavilha. >> Eu tenho mil coisas em andamento mas decido começar outra. :D *facepalm* Sério, esta história surgiu do nada e implorou para ser escrita, então aqui está ela. É um experimento total, narrado em primeira pessoa, com recursos estéticos (utilização de itálico e outros) e com o narrador sendo trocado ao longo da narrativa também. Sem contar que é um universo alternativo que não gasta dois segundos para explicar o quê está acontencedo; acho que só lendo para ir se inteirando e entendendo a atmosfera da história. MUITO boa sorte a todos aqueles que se aventurarem. xD A fanfic está sendo bondosamente betada pela
jibrille_hell. ♥
Quer ser avisado quando esta fanfic for atualizada? Sarah emudeceu de repente, não acreditando no que seus olhos viam; o celular que ela estivera segurando próximo ao seu ouvido direito foi ao chão, fazendo um barulho surdo contra o carpete que cobria todo o cômodo. A sua mão havia ficado suspensa no ar, seus dedos congelados na posição de momentos recém-passados como se ainda segurassem o aparelho prateado que jazia ignorado no piso do seu escritório, o tom de ocupado da linha contrastando fortemente com o silêncio insuportável opressor ensurde... Ensurdecedor?
Eu mal tinha acabado de fazer o ponto de interrogação na folha pautada quando senti uma sombra ao meu lado, o aroma de café recém-preparado chegando às minhas narinas em segundos. Eu tentei, mas não consegui segurar o suspiro de pura frustração que escapou da minha boca; nada parecia estar dando certo. Nada. Absolutamente, inacreditavelmente, irremediavelmente... Hey, bom advérbio esse, "irremediavelmente". Parece drástico, bem poético. Preciso anotar isso.
- Shiroyama?
- Agora não. - eu murmurei, minha caneta rabiscando a palavra em que havia pensado segundos antes no canto da folha, junto a desenhos aleatórios de uma casinha e margaridas que eu havia feito horas atrás quando havia empacado em um parágrafo maldito... Que ainda não ficou bom, por sinal.
- Shiroyama, se você pensa que eu vou ficar segurando o seu bule de café eternamente...
- Eternamente não, eu só precisava escrever uma palavra. - eu repliquei, finalmente erguendo os olhos das minhas folhas espalhadas pela mesa e encontrando a expressão calma de Akira ao meu lado, pacientemente esperando que eu pegasse o bule. Ou não tão pacientemente assim, na verdade.
- Arigatou. - eu disse por fim, retirando o objeto das suas mãos e virando o líquido escuro e fumegante na minha xícara; deveria ser a minha décima dose de cafeína concentrada naquela sexta-feira nublada e chuvosa, mas é inevitável. A qualidade do meu trabalho é sempre proporcional à quantidade de café que eu tomo em um dia.
- Nada ainda? - Akira perguntou, finalmente saindo de onde ele estava parado e ocupando o banco que ficava do outro lado da mesa, exatamente na minha frente. Ele pegou algumas folhas que estavam largadas e tentou reunir as mesmas em um bloco, desistindo quando não identificou nenhuma ordem ou padrão nelas - Já vão quantas semanas assim?
- Obrigado por me lembrar desse detalhe. - eu repliquei com um olhar maligno que não fez absolutamente nada nele... A não ser abrir um sorriso condescendente e meio bondoso. Akira era uma pessoa difícil de se intimidar dentro do seu próprio local de trabalho; talvez porque ele sabia que o seu café tinha quase um efeito alucinógeno e viciante em mim.
- Disponha. - ele replicou com a mesma expressão angelical de antes - Mas você sabe que eu estou preocupado com você. Faz semanas que eu vejo você escrever, mas não noto nenhuma mudança de expressão no seu rosto. Você... - ele fez uma pausa, apoiando o rosto em uma das suas mãos e fixando o olhar em mim - ... Está com um bloqueio.
A caneta esferográfica que eu usava rolou dos meus dedos para o tampo da mesa, fazendo um meio-círculo sozinha antes de parar por completo. Só eu sei quanto me custou erguer os olhos de um ponto fixo qualquer que eu havia encontrado na madeira para encontrar os olhar penetrante de Akira, suspirando como quem admite uma derrota.
- Estou. - eu falei, finalmente colocando em palavras o pensamento que vinha me atormentando há semanas - Você não tem idéia de como isso é terrível, Suzuki.
- Não tenho mesmo. - ele confessou, jogando o corpo para trás contra o confortável sofá que ocupava. O modo como a sua franja havia encoberto seu rosto com aquele pequeno gesto havia sido muito interessante; ele não sabia, mas havia me inspirado nesses detalhes peculiares que ele possuía e outros maneirismos para descrever algumas cenas de um dos personagens centrais do meu último romance.
- Mas obrigado pela sua preocupação, de qualquer forma. - eu comentei por fim, pegando novamente a caneta de onde ela estava e girando a mesma entre os meus dedos - Inspiração é uma coisa complicada... Nunca parece vir quando precisamos dela.
- A vida é ingrata, não é? - Akira me presenteou com um legítimo sorriso melancólico, uma dessas coisas tão paradoxais e possíveis ao mesmo tempo que me assustava; eu nunca havia compreendido como a tristeza poderia ser bela até encontrar pessoas como ele, capazes de transformar figuras de linguagem em realidade.
- Nem me fale. Ainda vou ser fritado vivo pelo meu agente. - murmurei com uma expressão sombria, enchendo a minha xícara pela segunda vez e estranhando o fato de que o café já havia acabado; eu ainda não havia bebido tanto assim! - Suzuki, o quê houve com o café?
- Nada. Eu não fiz muito de propósito. Já passa das dez, Shiroyama.
- Eu não estou com sono, 'kaasan.
- Já se foram mais de dez horas desde que você chegou aqui, espertinho. - ele replicou com uma voz brincalhona, mas com o olhar mais ou menos sério. Ele realmente se preocupava comigo - Eu estou expulsando você. Já chega por hoje, vamos.
Ele mal esperou eu colocar a minha xícara de volta sobre a mesa para retirá-la dali, levantando-se do seu lugar e levando o bule vazio para a cozinha também. Aproveitando que ele não estava por perto, olhei meu relógio: onze horas e quarenta e oito minutos.
Merda. Ele estava certo... E Akira andava certo demais nos últimos tempos.
Foi muito a contragosto que eu comecei a reunir minhas coisas, praguejando em voz baixa e sem nenhum alvo em mente enquanto ouvia os sons característicos de louça sendo lavada nos fundos. Akira cantarolava uma música qualquer enquanto ensaboava os utensílios, estranhamente bem-humorado para uma sexta-feira onde ele havia trabalhado o dia inteiro e ainda tinha de lidar com fregueses abusados como eu.
Coloco as folhas dentro de uma pasta grossa e já meio remendada, não me preocupando com a ordem das cenas escritas; elas provavelmente não sobreviverão até a edição final do livro... Isso se o livro sair um dia, claro. Jogo a caneta, uma lapiseira, borracha e um maço de cigarros fumado pela metade para dentro da minha mochila, levantando em seguida com ela nas costas enquanto procuro meu casaco.
- Hikaru vai embora amanhã.
A voz de Akira veio da cozinha, ecoando estranhamente pelo café vazio. Eu me aproximo do balcão e me apóio nele, observando a figura do outro homem atravessar o corredor que liga a parte frontal da loja à área de serviço enquanto secava suas mãos em um pano de prato. Ele parecia triste, realmente triste.
- Hikki vai embora? Assim, de repente?
Ikeda Hikaru, trinta e um anos, jovem alegre, simpática e a óbvia inspiração para Sarah, a heroína do meu livro anterior. Ela trabalha aqui todos os dias, de segunda a sábado, no turno da tarde. Ela é de uma simpatia e energia contagiantes, sempre sorridente e atenciosa com cada freguês, até com os mais inconvenientes. Ela realmente faz este lugar brilhar.
- Não é tão de repente assim... Eu já sabia.
- E não me contou por quê?
Akira abriu a boca para falar algo que parecia ser um protesto, levando em conta o modo como a indignação coloriu seu rosto... Mas ele mudou de idéia no meio do caminho, curvando os lábios em um sorriso e balançando a cabeça lentamente.
- Shiroyama, eu não sabia que você também era dono do café.
- Não sou o proprietário, mas a Hikki-chan... Kami-sama, Akira! Este lugar é literalmente parte da minha vida.
- Eu que o diga. É quase meia-noite e eu ainda não consegui fechar por sua culpa. - ele emendou com um olhar vivo e zombeteiro, estendendo o pano de prato em um gancho próximo a uma das pias que ficavam atrás do balcão, logo depois tirando o avental preto que utilizava e deixando-o também no seu suporte específico. Akira era muito organizado. Mas muito mesmo, a ponto de nunca faltar absolutamente nada no café, do açúcar às toalhas de papel para enxugar as mãos no toalete. Impressionante.
- Você deveria se sentir honrado... Um grande escritor como eu não faz de um simples café o seu reduto assim, à toa.
- Simples café? Shiroyama, você vai ser expulso a chutes se continuar assim. - Akira replicou em um tom semi-ameaçador, desligando o quadro de força do estabelecimento e deixando nós dois no escuro - Mas Hikki-chan vai embora sim. O marido dela é contador e foi transferido para uma empresa de auditoria em Kobe, com um salário melhor. Ela não tem como continuar aqui.
- Existe o shinkansen.
- Existe e-mail e telefone, Yuu. Ela não vai sumir da sua vida se você não quiser.
A iluminação que vinha do lado de fora era a única fonte de claridade no momento, mas Akira não precisava dela para se locomover ali dentro, conhecendo cada canto do seu café como ninguém. Até eu não tinha mais necessidade de luz para encontrar meu caminho; já havia perdido a conta de quantas vezes tinha saído naquela hora ou até mesmo mais tarde, sempre com o outro homem brigando comigo pelo meu descaso com os seus horários.
- Segunda-feira um rapaz começa no lugar dela. Quem sabe ele não vira o herói do seu livro? - Akira riu baixinho, me empurrando para a rua e saindo logo atrás de mim para passar a chave na porta principal e colocar o cadeado - Um dia eu ainda cobro alguma coisa por ter ajudado você a ganhar tanto dinheiro.
- Tanto dinheiro? Sabe quanto das minhas vendas fica comigo? Dez por cento! - eu expliquei, tentando fazer com que a indignação não subisse meu tom de voz; era um assunto... Espinhoso, para dizer o mínimo. Engana-se quem pensa que vida de escritor é fácil, a menos que você invente coisas mirabolantes com garotos que moram embaixo de escadas e descobrem ser bruxos um dia.
- Dez por cento de um livro que ficou no primeiro lugar do ranking dos best-sellers de ficção não deve ser nada mal. - ele replicou com um sorriso enviesado e me olhando de soslaio, guardando as chaves em um dos bolsos da calça e começando a caminhar na direção do metrô - E ainda por cima sobre um assunto árido.
- Não é árido, é intrigante.
- E esse é o problema, no final das contas. Se você tivesse escrito sobre casais que se encontram de uma forma mais normal, você não teria metade dos seus bloqueios.
- E qual a graça de ser autor de dorama? - eu repliquei com uma expressão negra, quase ofendido. Não que doramas sejam ruins, mas eles são tão... Previsíveis. E quem gosta de previsibilidade em uma trama?
Se bem que eu gostaria de saber o que iria acontecer no meu livro, eu admito.
- Preconceituoso. Eu só queria dizer que o fato de que você ter utilizado a teoria do caos no primeiro livro pode ter dificultado um pouco a sua vida agora. Mas me diga uma coisa... - ele fez uma pausa enquanto descíamos as escadas para o metrô, os dois procurando pelos passes e ficando em silêncio até cruzar as catracas e rumar para a plataforma correta - Quase perdemos o último metrô, Shiroyama. Mas então... - ele retomou o assunto, sossegado ao avistar o farol brilhante do trem chegando - Por que você está escrevendo uma continuação mesmo?
- Porque meu agente pediu.
- Mas se o seu primeiro livro é uma obra-prima tão perfeita... É necessário mesmo fazer outra?
- Suzuki, você é incrivelmente tapado quando quer ser. - eu murmurei por entre os dentes, observando os vagões coloridos com propagandas pararem de deslizar sobre os trilhos e abrirem as portas, admitindo nós dois e poucas outras almas corajosas que se arriscavam a pegar o último metrô também - Eu tenho um contrato com a editora e o meu agente; não posso simplesmente desistir agora.
- Mas supondo que você saia agora e não termine o livro... Não é melhor agir assim do que fazer um romance ruim e manchar sua reputação?
Suspirei de novo. Só mesmo Akira para pensar que eu não havia considerado aquela opção antes de iniciar a rotina de horas de transpiração e nada de inspiração por todas aquelas tardes, dentro do café.
- Se eu terminar meu contrato agora... Eu nunca mais terei outro. Nenhuma editora vai contratar alguém que desiste quando tem bloqueios. Acontece com todos no ramo, Akira.
- Bom... Acho que não tem nada que eu possa fazer por você, então. - ele concluiu com um sacudir de ombros, esticando-se no seu banco e aproveitando o espaço que a ausência de passageiros àquela hora lhe proporcionava - Pelo menos você tem um emprego garantido no meu café, se desistir de ser escritor. Você até que é bonito o suficiente para trabalhar servindo os clientes.
- Sabe, declarações assim poderiam colocá-lo na cadeia por assédio sexual. - eu comentei com uma das sobrancelhas erguidas, acompanhando o exato momento em que ele deixou sua cabeça cair para trás, permitindo uma risada breve e cristalina:
- Shiroyama Yuu, a sua imaginação é fértil demais.
- Ossos do ofício. - murmurei baixinho, grudando os olhos na linha do metrô logo sobre a porta, sabendo que teria de descer na próxima estação - Eu preciso ir. Amanhã é outro dia e estarei de volta.
- Eu não tenho dúvidas. Lembre-se que como é o último dia da Hikki-chan, nós fecharemos mais cedo. - ele explicou, fazendo um gesto bastante explícito em direção ao seu relógio - Portanto...
- Já sei, já sei. Não posso ficar até altas horas... - respondi enquanto me levantava, jogando a mochila para trás nas minhas costas e me segurando em uma das diversas barras de metal que ajudavam os passageiros a manter seu equilíbrio - Eu acho que vou levar um presente para ela.
- Uma cópia autografada do seu romance. Ela ainda não tem.
- Sacrilégio! E pensar que ela é uma das inspirações da Sarah! - eu sacudi a cabeça negativamente, fingindo choque e tristeza - Não, sério. Ela realmente não tem uma cópia?
- Ela sabe que você se inspirou nela, mas nunca leu o livro efetivamente. E depois, quantas pessoas têm uma cópia autografada? O seu misterioso autor sequer revela seu nome... Muito menos seu rosto.
O sorriso malicioso que Akira me deu foi suficiente para que eu tivesse vontade de colocar um personagem bem malvado no próximo livro com o seu nome, de preferência destinado a uma morte dolorosa e violenta. Ele pareceu notar que eu pensava em alguma espécie de vingança obscura, diminuindo o tamanho da curva nos seus lábios apenas para acrescentar:
- Nunca contei para ninguém, Yuu. Você sabe disso.
- Eu sei que você sabe que será lembrado como um vilão odioso se fizer algo de diferente! - eu retruquei e caminhei para o outro lado do vagão, esperando as portas abrirem - Mata ne, Akira!
- Ja ne!
Atravessei para a plataforma e ouvi o silvo agudo do metrô, as portas fechando logo atrás de mim. O trem se movimentou logo em seguida, dando tempo apenas para que eu acenasse bem rápido para a figura do outro homem antes de subir as escadas e voltar ao nível da rua do lado de fora. Apesar de não ter passado mais do que vinte minutos no subsolo, o tempo havia esfriado consideravelmente; parecia que todos os ventos que sopravam durante a noite eram gelados.
Afundando minhas mãos nos bolsos, eu iniciei a caminhada de seis quarteirões até o meu apartamento. A maioria das lojas e dos estabelecimentos comerciais já estavam fechados e quase ninguém caminhava àquela hora, mas eu sempre gostei da andar sem pressa pela cidade, admirando sua face noturna. Não sei se consigo explicar em palavras a sensação de intimidade que surge nesses momentos, entre Tokyo e eu. É quase como se ela se abrisse e contasse cada segredo seu para mim, murmurasse as preocupações e alegrias cotidianas de seus habitantes...
Parei automaticamente em frente à vitrine iluminada no meio do terceiro quarteirão. É de uma rede de livrarias bem grande e popular, sempre movimentada durante o dia. E logo ali, em um suporte prateado e em destaque entre tantas outras obras... Estava o meu livro. A minha obra-prima.
"O Efeito Borboleta", por Aoi.
A maioria das pessoas acha que se trata de um filme ou acredita que é aquela história de uma borboleta causar um tufão do outro lado do mundo, mas o efeito borboleta é algo um pouco mais complexo que isso, uma alegoria criada para explicar um fenômeno da teoria do caos. E nada me surpreendeu tanto quando descobri exatamente esse ramo da matemática: a teoria do caos. Para mim, o caos sempre fora algo que não obedecia parâmetros ou regras, uma coisa imprevisível por natureza... E uma teoria para explicá-lo era um paradoxo muito interessante.
A resenha do meu livro diz apenas que a terceira Guerra Mundial começou devido à queda de uma caneta no chão em uma sala de aula, envolvendo fatos e pessoas em um redemoinho de acontecimentos imprevisíveis e ao mesmo tempo, muito plausíveis. A história da jovem Sarah, a força propulsora de tudo no livro, acabou conquistando multidões e meu primeiro romance foi alçado à categoria de lenda.
Mas o sucesso todo do livro não é devido somente ao talento que gosto de acreditar que possuo, mas a um segundo fator: o meu pseudônimo. Confesso que, na época em que havia terminado o livro, eu não acreditava que ele iria vender mais do que uma dezena de exemplares, mesmo contando com todos os meus familiares que haviam se comprometido a comprá-lo. Para evitar que a minha carreira terminasse antes mesmo de começar ou que meu nome fosse associado ao fracasso iminente que eu esperava, eu decidi omitir meu nome e publiquei tudo com meu nom de plume, Aoi.
Eu não sabia que nome escolher, no início. Eu pensei em todas as variações do meu nome, todos os anagramas possíveis que fariam um bom apelido, mas não me ocorreu nada. Então um dia, sentado no café de Akira, eu vi um sujeito lendo um livro calmamente na outra mesa, acompanhado de um prato de cookies. A capa do seu livro tinha kanjis gigantes em branco, mas eles eram desnecessários tendo em vista o desenho da mesma: o selo da família Tokugawa, justamente a flor aoi estilizada.
Não sei porque me decidi pelo nome naquele instante, mas me pareceu um bom sinal. Os Tokugawa, afinal, haviam governado o Japão de uma forma que eu sempre entendi benéfica e o símbolo havia se eternizado. Além de tudo, o nome de uma flor era genérico e não dava pistas a respeito da minha idade, sexo ou qualquer crença. Era uma alegoria perfeita para o anonimato que eu desejava.
Mas o anonimato virou um mistério de proporções assustadoras. Conforme o livro foi subindo de posição nos rankings e a editora recebia mais pedidos de impressão, os meus recém-adquiridos fãs e comentaristas de livros discutiam a minha possível identidade. Um deles chegou a relacionar a flor com a família Tokugawa, insinuando que eu era de sangue nobre por tabela, mas ninguém chegou à conclusão de nada.
Salvo por Akira, claro. Ele reparou em um cara que escrevia compulsoriamente no seu café, todos os dias; reparou que a heroína do livro tinha muito de uma de suas funcionárias; reparou na semelhança entre alguns acontecimentos retratados no livro e aqueles vividos na sua loja. Um belo dia, enfim, ele junto dois com dois e obteve quatro.
Retomo meu caminho, sentindo pingos grossos de chuva caindo sobre os meus ombros. O problema de chuva à noite é que simplesmente nunca sabemos se o céu está escuro devido às nuvens carregadas ou pela falta de luz solar, então sempre sou pego de surpresa. Apertando o passo para terminar o resto do trajeto que me falta, eu finalmente chego em casa, subindo rapidamente os degraus até o quinto andar e destrancando a porta que faz um rangido absurdo ao abrir.
Eu preciso consertar esse negócio antes que alguém coloque essa porta abaixo quando a abro perto da uma da manhã. Deveria fazer uma lista de coisas a serem feitas ou algo do gênero; eu sempre tendo a esquecer de tudo aquilo que não me incomoda o suficiente para ser resolvido.
Mal coloquei os dois pés para dentro de casa quando fui cumprimentado por um ser peludo, sedento por atenção e dono de um ronronar inconfundível. Sorrindo no escuro, eu tateei pela parede até achar o interruptor, acendendo a luz da minha pequena sala enquanto fechava a porta.
- Já vai, já vai... - murmurei, largando a mochila no chão e descalçando os sapatos com alguma dificuldade, já que o gato circulava as minhas pernas com miados ininterruptos - Pronto, estou aqui, Tolkien. Não demorei tanto assim, vai.
Tolkien me olhou de uma forma muito acusadora, quase como se ele me entendesse, antes de voltar a ronronar e se esfregar contra as minhas pernas. Dei-me por vencido e ergui o animal do chão, aninhando-o nos meus braços enquanto sentava no sofá:
- Pronto, pronto... - murmurei enquanto acariciava seu pelo macio, observando seus olhos fecharem em razão do contentamento que sentia - Você sente falta do Lewis, não sente?
Tolkien e Lewis foram criados juntos, desde filhotinhos. Encontrei os dois tremendo de frio em uma noite chuvosa como essa e não consegui ignorá-los na calçada, miando tão baixo que mal dava para ouvi-los. Trouxe os dois pequenos gatos sem raça para casa, alimentando-os e cuidando de ambos até eles ficarem fortes o suficiente para estragarem o antigo sofá, rasgarem toda a cortina do meu quarto e, claro, serem adoráveis e receptivos quando eu chegava em casa.
O problema é que o Lewis foi seqüestrado sem dó nem piedade por uma bruxa maligna, gananciosa e sem qualquer sentimento bom no coração dela. E hoje eu sequer sei onde ele ou a bruxa moram para poder visitar e matar as saudades do meu outro companheiro fiel.
Watari Seri é o nome da bruxa e da minha ex-noiva... E qualquer semelhança entre ela e uma das vilãs de "O Efeito Borboleta" não é mera coincidência, mas acho que ela sequer percebeu isso; ela não é do tipo de mulher que saber juntar um ideograma com outro para apreciar a beleza da formação de uma palavra.
Foi só quando o relógio cuco do meu vizinho debaixo tocou que eu me dei conta de quão tarde estava realmente; quase fazendo contorcionismo para olhar meu relógio de pulso sem incomodar o Tolkien, vi que eram de fato uma e meia de manhã... E o dia seguinte, apesar de ser sábado, era traduzido como "trabalho" na minha mente. Se por um lado é bom ser escritor para não ter um chefe bufando no seu pescoço e dando ordens, por outro lado isso é péssimo por transformar todo dia em dia de trabalhar.
Carreguei o gato até meu quarto, onde troquei de roupa rapidamente e coloquei o pijama, rumando depois para a cozinha onde eu comi meio pacote de bolachas com leite. Finalmente satisfeito, escovei os dentes, apaguei as luzes, chutei um objeto não identificado que se encontrava no meio do caminho para a minha cama e quase tropecei e, finalmente, deitei a cabeça no travesseiro.
Amanhã seria mais um dia... Um longo dia atrás da borboleta da inspiração que insistia em não pousar no meu ombro.
Continua...