Apr 30, 2010 15:28
A pior dificuldade advinda do fato de se morar sozinha é a de não ter um homem que mate as baratas. Todo mundo sabe que as quatro funções masculinas básicas são procriar, deixar a toalha molhada em cima da cama, não abaixar a tampa da privada e matar baratas. Tinham me dito que o maldito lugar era dedetizado, que nem formiga apareceria, mas, né, vem a chuva e olha as amiguinhas dando tchauzinho com as antenas.
Eu herdei o medo doentio de baratas da minha mãe. O mesmo não se deu com a minha irmã, que mata qualquer baratão de chuva numa boa, mas, em contrapartida, morre de medo de grilo. Enquanto eu mato cem grilos, gafanhotos, pragas egípcias que sejam pra não chegar perto dessas malditas que nem as bombas nucleares dizimarão. Daí que eu estava no telefone por horas e, como o celular estava carregando, precisei ir pra perto da tomada. Taquei meu edredon no chão, afinal de contas, pra que eu passei mais de duas horas limpando esse pardieiro ontem? Sentei em cima e fiquei lá, tagarelando por tempos sem fim. Então eu preciso citar pra pessoa do outro lado da linha que no livro que eu estava lendo no feriado havia um parágrafo que havia sido escrito pra ela. Acendo a luz pra procurar o livro e lá. Está. Ela.
Cabe aqui uma digressão para dizer que eu acho que já tinha visto essa barata antes. Só que nesse dia eu não estava muito certa da posse das minhas faculdades mentais, então entoei um mantra que me dizia que não era barata, era sombra, era uma aura negra, era qualquer coisinha escura nas minhas vistas e deu certo, porque negação é uma arte.
Voltando ao thriller, paraliso e paro de falar ao telefone. Dou umas três chineladas que erram o maldito alvo móvel e resolvo avisar à minha interlocutora do alerta vermelho e que não vai rolar de conversar e iniciar o genocídio-de-uma-nota-só. Porque nessas horas a gente tem que ser macha, certo? Se fosse de dia eu saía correndo e ia procurar um dos meus primos pra fazer o trabalho de homem, mas a uma e meia da manhã uma mulher independente e madura (not) não faz um papelão desses. Desligo o telefone, mas nesse meio tempo ela se escondeu entre a parede e o pé da cama (e eu agradeço, agradeço a todos os deuses do mundo por ter arrumado o quarto ontem, porque se eu tivesse que caçar a barata na zona que prevalecia, hahaha, eu ia dormir na rua, na chuva, na fazenda e a barata podia descansar feliz na minha casinha de sapê). Arrastei a cama e ela veio correndo na minha direção, que as desgraçadas tem um puta GPS que só funciona com quem elas sabem que tem medo. É que nem cachorro, a gente deve excretar alguma substância que faz com que elas saibam que estamos com os joelhos trêmulos só de olhar aquelas centenas de pernas cabeludas. Ratei uma vez, mas na segunda meti o chinelo bem em cima dela. Aí bateu aquela dúvida acerca de baratas terem ou não exoesqueleto. Três segundos depois cheguei à conclusão de que, se são insetos, têm, sim e fiquei repisando o chinelo com os dois pés, dando uns pulinhos em cima dele e todo um ritual macabro de balé do assassino e tals. Próximo passo, lógico, foi ligar o telefone de novo e dizer pra Tati que eu matei a barata, que eu sou meio que a cruza da Sarah Connor com a Lara Croft, que como assim que nenhuma das forças especiais do mundo está atrás do meu passe, que eu tô tão fera no krav magá de barata que alguém deveria me dar uma medalha, colocar meu nome numa placa. Desliguei, pulei mais um tiquinho em cima do chinelo, só pra não dar moleza pro exoesqueleto alheio e aí tem início outro drama: deixo o chinelo em cima do corpo até amanhã, tiro na hora que for sair de casa e quando voltar já terei esquecido? Não ia funcionar, porque além de feder, a cena do crime estava ao lado da cama e super seria do meu feitio acordar, chutar o chinelo e enfiar o pé na gosmeleca. Encaro o chinelo, o chinelo me encara e eu resolvo pegar um rodo pra efetuar a operação porque E SE ELA SAI CORRENDO DE NOVO? Essas coisas meio que nunca morrem e tals. Cuidadosamente, pego as correinhas do chinelo com o cabo do rodo e a barata está grudada, desfeita, dizimada contra o meu solado. Pego a nojeira com a pontinha dos dedos, levo até a privada e sacudo a danada lá dentro, mas fica toda uma gosma e antena e partes corporais ainda no meu chinelo e minhas palavras proferidas nesse momento deveriam ficar na história da aleatoriedade humana: "Mas que nojeira, eca, eca, eca, PORRA, CLARICE LISPECTOR!". Da série piadas-prontas-literárias-muito-ruins.
Aí voltei pro quarto e todas as coisas escuras me assustaram e me deram arrepios e eu dei dois gritinhos gays, um roçando no cadarço de uma bota e outro vendo a minha própria sombra no chão. Também saltei como uma campeã olímpica pra cima da cama porque passei o pé (descalço, que o chinelo agora jaz numa bacia cheia de água sanitária e desinfetante - assim como o local em que a barata veio a falecer) num pedacinho de plástico que estava no chão.
Um adendo para contar rapidamente da única vez que eu tinha matado uma barata antes: eu tinha uns 11 anos e estava sozinha em casa. Ela veio alokaê voando, caiu no chão e eu saí correndo pra área de serviço, peguei um balde e coloquei em cima dela. Depois, com uma daquelas facas descomunais de cortar carne de churrasco, fiz um buraco no alto do balde e taquei todos os produtos de limpeza que tinha em casa lá dentro. Digno de Jack Bauer, né? Minha mãe, por algum motivo que ME É OBSCURO, ficou puta da vida, mesmo ela ficando histérica com a existência desses bichos asquerosos. Os pais não sabem reconhecer a genialidade nos filhos, viu, triste isso.
Mas, ai, tô muito orgulhosa de mim, apesar de agora pensar que tem um ninho de baratas em algum lugar da minha morada e saber que nunca mais eu vou dormir direito. Te cuida Schwarzenegger, que aqui é muita masculidade no lance, viu?
(Mas se aparecer outra barata eu acho que eu choro).
holy shit,
corleone,
epic win,
glamour de guerra,
morra,
wartime