May 21, 2010 17:05
Dos dois anos que vivemos juntos, guardo sobretudo uma impressão sensorial dos fins de tarde solarengos. Lembro-me da forma como, quando chegavas a casa do trabalho, fechavas as persianas, puxando os cortinados das janelas. Era justamente num ângulo que protegia o olhar da incidência directa do sol que àquela hora do dia passava justamente entre os dois prédios em frente ao nosso. Os cortinados, curtos e amarelos, permitiam que a imensa luz entrasse e colorisse toda a marquise e a entrada da casa, até ao corredor interior.
Sempre achei que este teu gesto era cheio de intenção estética, mesmo sem nunca termos falado sobre isso. De resto, não sei se te recordas ou sequer se prestavas atenção, mas eu adorava ficar ali uns segundos depois de entrar em casa. Ficava a sentir na pele aquela luz e aquela cor, aquele amornecimento chegar-me aos ossos frios através do algodão da camisa e saber que aquilo, aquele calor, já era o teu e eu tinha chegado a casa. Sentia-me cozer por dentro de contentamento durante aqueles breves momentos e via, já então, a mossa tão grande que o teu amor deixava em mim, e o modo como me animava ainda mais o desejo de ti.
Por mim, teria feito amor contigo todos os dias, mal entrasse em casa, mesmo à luz acanhada do Outono e do Inverno. Lembro-me - e podes imaginar a minha razão a rir-se, condescendente - até da diferença entre o cheiro da casa nesses e nos dias demais, que resultava de um qualquer efeito que aquela mobília de madeira já antiga de porosa, sofria. Via-se o ar nesses dias, o espaço entre as coisas era menos transparente à luz daquele sol, menos entre nós. Como perguntava alguém*, quando estamos no mesmo lugar, perto um do outro, quando entre nós o espaço está cheio de ti, de nós, merecerá ainda o nome de espaço?
* Eugène Guillevic