Feb 17, 2009 15:47
Estive encostado à coluna do bar alguns minutos, por baixo do arco que se perfilava a partir desta até à parede lateral. De mãos nos bolsos, olhei-a enquanto dançava. Era o estímulo mais entusiasmante que por ali se afigurava, imiscuída no pequeno grupo de gente que se movia em ritmos destoantes. Vestia de preto dos pés à cabeça e sorria de olhos fechados, abrindo-os apenas quando um rapaz muito alto - e mesmo íngreme dir-se-ia - a procurava num abraço alcoólico. Ela ficava algo atrapalhada, talvez mesmo incomodada com estas manifestações ocasionais de carinho etilizado, e procurava-lhe as mãos. Parecia recear o caminho que elas queriam tomar. Quando me saturei da minha posição e do cenário, sinalizei-o silenciosamente com um suspiro e decidi vir sentar-me a um canto da divisão anterior.
Momentos depois, assim que terminou a faixa musical que passava a partir do disco de vinil até às colunas de má qualidade, vi-a a percorrer a divisão em direcção à casa de banho. Quando voltou, sentou-se no banco rasteiro ao lado do meu e acendeu um cigarro antes de me perguntar,
- Dás-me boleia?
- Boleia para onde?
- Onde vives?
- Do outro lado da cidade.
- Óptimo, é para lá que vou.
- Não sei se é uma boleia que procuras.
- Porquê, não gostas do meu aspecto?
- Não sei se é isso que está aqui em causa.
- Olha, eu posso ir-me embora. Mas sei que estiveste a olhar para mim enquanto eu dançava, por isso pensei que te podia vir aqui perguntar se me querias dar boleia.
- E o teu namorado?
- Ele não te conhece, tu não costumas vir aqui.
Senti que os segundos passavam lentamente, enquanto a via levar ansiosamente o cigarro à boca, e dar longas baforadas. Ela olhava-me nos olhos. Não lançava o fumo fora, deixando com que este fosse saindo enquanto falava, conforme os lábios descolavam um do outro. Era-me mais velha alguns anos, talvez se acercasse já dos trinta, mas estava em boa forma. Era endemicamente magra, o peito era pequeno mas vivo e as pernas tinha um ar forte, de quem caminha. Cabelo liso pelo queixo, o rosto de linhas finas, bem definidas, os pulsos eram finos e tinha apenas uma pulseira de metal no antebraço esquerdo. Usava o relógio fino no lado direito. A camisa preta estava bem colada ao corpo, com as duas primeiras casas desocupadas e as mangas um pouco arregaçadas. Podia ver a alça do soutien preto a percorrer um ponto médio do ombro, antes de descer para a omoplata. De perfil, quando se virava para olhar para a pista, era possível vislumbrar a copa do soutien, que continha a mama. Tinha um olhar triste, mas fazia-se confiante. Em poucos segundos, vi projectados imensos filmes à minha frente, daqueles film noir passados em Chicago nos anos 30 e 40. Procurando disfarçar a minha infantilidade, disse-lhe com um tom de voz seguro,
- Desculpa, mas não posso ajudar-te.
Sorriu e eu percebi que ela tinha ali, naquele momento, concluído algo muito importante sobre si própria. Só quando se levantou percebi quão bem cheirava, algo excepcional dada a cortina de fumo tabágico que se impunha. De pé, apagou o cigarro no cinzeiro que estava em cima da pequena mesa que nos separava, lançou a última baforada de fumo e foi-se embora.