Beta

Dec 14, 2008 22:35


Subo no elevador do prédio e cheira cá dentro à Beta, que o perfume que usa é o mesmo desde há doze anos. É a minha vizinha do quinto, filha da Dona Fernanda, ela própria uma recorrência existencial, sempre com o mesmo feitio de saia-casaco desde que me lembro, no mesmo diálogo formal e cansado de fim de dia de trabalho. Ficou enquistada no momento em que o marido, cabo-verdiano, a deixou por uma preta lambona. A Beta deve ter uns vinte e nove, observei-a a crescer e a tornar-se numa das mulheres mais bonitas com quem tive oportunidade de estar ao vivo. Desistiu da escola no nono ano, já com dezoito, e foi trabalhar para a oficina do tio no Beato, onde este tinha a própria casa, por cima da oficina. Atendia os telefones. É diminuída, burrinha até ao fim dos dias, nem sempre se consegue perceber o género da pessoa de quem ela está a falar. Não obstante, de traços estranhamente finos para uma pele tão uniformemente morena, tem uma boca perfeita de cheia e ordenada, olhos pretos e cabelos encaracolado cor-de-violão, mornos de tão sedutores. Foi sempre a sua pièce de résistance, o cabelo. Já a vi com unhas de gel, maquilhada de modo fantasmagórico e cheia de anéis de pechisbeque, mas apenas conheci variações de comprimento ao seu cabelo.
Beta constituiu com Sónia, a vizinha do primeiro, uma das minhas primeiras fantasias masturbatórias. Sónia, já trintona quando eu ainda apenas despontava do seio da minha catatonia adolescentil, tinha dentes muito tortos, a pele era baça, a figura belfa e os braços negramente peludos. Contudo, transpirava sexo. Um sexo conspurcado, cheio de fluidos e cheiros acres e férreos. Beta não. Sempre prometeu, mais equatoriana naquele beleza ascética, e não menos africana nas voluptuosidades, uma redenção que ela própria nunca conseguiu cumprir. Aliás, mera ilusão. Em boa verdade, Beta correu os vãos de escada de todos os bairros sociais aqui da zona, e foi animal de estimação do tio do Beato, sempre se soube.
Hoje é operadora de telemarketing - a Sónia é adjunta da tipa que gere o museu de Sintra - e vejo-a por vezes chegar, no final do seu turno, pelas duas e meia da manhã. Mais frequente que não, apanho-a a fumar, solitária, à porta do prédio, como que a adiar o momento de regresso a casa. Ainda hoje, quando me vê chegar à noite, trata-me, como sempre o fez, por puto.
Nessas noites sonho-a lasciva, a fazer-me uma mamada no vão da escada. A ser maternal na deslocada lógica da cabeça dela.
Previous post Next post
Up