Apr 14, 2011 16:23
Quando era míudo passava o verão inteiro na aldeia em casa dos meus avós. Não havia muita gente a viver naquele sítio mas lá tinha um ou outro míudo com quem brincar. Num desses verões, eu e o meu primo (que era bem mais fino que eu) descobrimos o mundo dos negócios. Nós tínhamos brinquedos que interessavam ao míudo do café, e ele dava-nos gelados em troca. Não era um mau negócio, estava muito calor, e os brinquedos já não nos prendiam a atenção. E isto lá foi continuando e a parada foi subindo, que nem bola de neve a descer a montanha. Comecei a ter um feeling que a coisa não ia correr bem, porque os gelados desapareciam, mas dinheiro a entrar na caixa registadora que é bonito, nem vê-lo. Não era nada comigo, negócio é negócio, e o míudo lá devia saber o que andava a fazer. Pensava eu, a ignorar o meu gut feeling. Um dia apareço com um brinquedo todo xpto, confesso que não me lembro o que era, mas acho que tinha vindo de Londres, por isso só podia ser coisa chique muito moderna. O míudo do café mete na cabeça que aquele brinquedo tinha de ser dele, e oferece-me 5 contos. Carago, uma nota de 5 contos, não me lembrava de alguma vez ter tido uma nota daquelas na mão, e já só imaginava as coisas fixes que podia comprar quando chegasse ao Porto. Mais uma vez, cheirava-me a esturro, mas ignorei novamente o meu gut feeling. A transação acabou por acontecer, o míudo levou o brinquedo xpto de sangue azul, e eu vim para casa com 5 contos. Mas algo não estava bem, o meu estômago não me deixava em paz, e eu sabia bem lá no fundo que não devia ter feito aquela troca milionária. Não se passaram 30 minutos, e tinha a dona do café à porta de casa a fazer grande escandaleira, a dizer que ia matar o míudo. O cenário dantesco (para um míudo daquela idade) era o seguinte: o míudo do café em pânico dentro de minha casa a segurar a porta, a mãe aos berros e aos pontapés do lado de fora. No momento em que ouvi o berreiro (o gut feeling é lixado) percebi que era comigo, e quando cheguei à entrada já levava o dinheiro na mão para entregar ao míudo. E ele lá foi embora, com o negócio estragado, e nem a moeda lhe serviu de troca pela asneira quando devolveu os 5 contos à mãe, que foi o caminho todo a levar tabefes e chutos no cú. Jurei para que nunca mais. Nunca mais ignorar o meu gut feeling. E nunca mais entrar num negócio que me pareça altamente vantajoso se tiver a mínima suspeita que vá trazer sofrimento a terceiros.
rants randomizados