[Yu Yu Hakusho] Quebrando as Regras - Capítulo 3

Jan 30, 2016 02:14


Título: Quebrando as Regras
Autor(a): Madam Spooky
Fandom: Yu Yu Hakusho
Classificação: Livre
Personagens/Casais: Kurama/Botan
Gêneros: het, humor, romance, Universo Alternativo.
Resumo: Quando seu primo Touya decide fugir para Kyoto durante o semestre escolar, Botan acaba tomando o lugar dele no novo colégio. Mas espere... é um colégio exclusivo para garotos?
Notas: Novamente nenhuma mudança além de correções no texto. :)



Capítulo 3

O refeitório era um lugar espaçoso e cômodo. Por algum motivo, ao pensar nele, Botan esperara três fileiras de grandes mesas em uma sala escura, com um velho mal encarado distribuindo algum tipo de coisa branca e indigerível, exatamente como acontecia nos filmes de prisão. Para sua surpresa, o salão era bem iluminado, decorado com plantas e quadros de natureza morta. Três dúzias de mesas estavam organizadas em fila, cada uma sendo ocupada por cinco estudantes.

- Aqui! - ela ouviu alguém gritar assim que entrou.

Olhou para o lado e viu Yusuke acenando de uma mesa ocupada por mais dois garotos. Talvez devesse chamar Shuuichi para sentar com eles. O primo com certeza não gostaria, mas quem se importava com a opinião dele? Quanto mais contrariado ficasse, menos ele lhe dirigiria a palavra e mais tranquilidade ela teria.

- Há uma mesa com dois lugares bem ali - disse Botan, chamando a atenção do ruivo que procurava um lugar observando o outro lado do salão. - Você vem?

Ele sorriu assentindo e os dois caminharam na direção de Yusuke. Este os recebeu encarando Botan com um olhar duro, como se perguntasse o que ela pensava que estava fazendo. A garota o ignorou e exibiu um sorriso inocente. Olhou para os outros dois estudantes em volta e acenou com a cabeça. Kuwabara estava à esquerda do primo, olhando para o lado e resmungando para si mesmo sobre como a comida estava demorando. Ao lado dele, um garoto alto, cabelo escuro e usando óculos, tentava ler um livro de bolso, vez por outra lhe mandando olhares afiados, insatisfeito com o barulho que ele estava fazendo.

- Esse é o meu primo Yusuke - Botan apresentou, dirigindo-se a Shuuichi. Ela manteve o sorriso mesmo quando o primo a encarou com seu melhor olhar assassino. Gangues inteiras de rua corriam em disparada diante daquele olhar, mas não ela. Dezesseis anos de convivência a tornaram imune.

- Shuuichi Minamino, muito prazer - o ruivo acenou.

Yusuke abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Kuwabara o interrompeu, desmanchando-se em cumprimentos. Aparentemente ele levava a sério a política de fazer os alunos novos se sentirem bem vindos.

- Esse aqui é Yuu Kaitou - Kuwabara disse, batendo no ombro do outro com tanta força que quase o fez derrubar o livro - ele é veterano como eu. Já estamos aqui há três semestres.

- E o que vocês fizeram para ser mandados para cá? - Shuuichi perguntou, levemente aborrecido. Ainda estava se lembrando da voz na secretária eletrônica de casa.

Kuwabara corou e começou a brincar com os indicadores.

- Minha irmã me mandou para cá porque eu era um pouco esquentado, entendem? Vivia brigando e levando suspensões... Acho que passei dos limites ao bater no professor de ciências naturais do meu colégio antigo...

Ele riu, visivelmente envergonhado. Shuuichi estremeceu. A irmã de Kuwabara o tinha mandado para aquele lugar de modo a se corrigir e ele já estava ali havia três semestres. Eles ainda teriam outros três antes de se formar no colegial. E se tivesse que passar todo aquele tempo vivendo ali? Preferia nem pensar na possibilidade.

- E quanto a você? - Yusuke perguntou, encarando-o.

- Eu acho que andei brigando demais também - respondeu Shuuichi rapidamente. De jeito nenhum os deixaria saber que estava ali porque não conseguia passar um dia sob o mesmo teto que o padrasto sem provocar algum incidente.

- Isso é estranho - disse Botan. - Do jeito que vocês falam até parece que todos que estão aqui foram trazidos porque andaram aprontando alguma coisa - ela riu nervosamente. - Digo, isso é um colégio ou um reformatório?

- Bom... - Kuwabara bateu no queixo com o indicador, pensativamente. - Esse sempre foi um dos melhores colégios do país, mas pelo que eu sei, eles tiveram muitos problemas financeiros alguns anos atrás. O interesse por colégios internos ficou menor ou algo assim. Então eles começaram a divulgar o lugar como sendo capaz de recuperar qualquer tipo de jovem problemático... E deu certo pelo que sei.

Botan olhou em volta, para as outras mesas onde garotos conversavam e riam. Todos pareciam normais para ela. Mas levando em conta que Yusuke parecia normal e era capaz de fazer os piores estragos, uma impressão superficial não queria dizer muita coisa.

- Touya, por que você não fala sobre os motivos que levaram sua mãe a te mandar para cá? - Yusuke perguntou, com um grande sorriso.

- Quem, eu? - Botan ficou subitamente séria. O que ele estava fazendo agora, tentando se vingar por ela tê-lo contrariado quando a mandara não se aproximar de ninguém?

- Que eu saiba não há outro Touya na nossa mesa.

Kuwabara, Shuuichi e até mesmo Kaitou a estavam encarando. Precisava dizer alguma coisa.

- E por que você não fala os seus motivos primeiro? - ela perguntou a Yusuke, na tentativa de desviar a atenção dos outros de cima dela.

- Para que? Eu gosto de brigar e tornar a vida dos professores impossível, nada de especial. Por outro lado, eu tenho certeza de que todo mundo aqui ia adorar saber sobre sua maravilhosa banda que estará no topo das paradas no próximo ano. Como ela se chama mesmo...? Ah, sim, Os Shinobi.

Yusuke, infeliz! Ele tinha que tocar naquele assunto. Só porque sabia que se havia uma pessoa que odiava mais ouvir falar naquela banda do que ele mesmo, essa pessoa era ela. Sorriu sem graça para os outros que ainda estavam esperando e balbuciou:

- Os Shinobi...

- Então você tem uma banda... - disse Shuuichi.

- Isso é maravilhoso! - gritou Kuwabara, levantando os braços. - E o que vocês tocam?

- Rock... acho - Botan manteve um sorriso falso, ao mesmo tempo olhando para o semblante divertido do primo com sua melhor expressão de "vai ter troco".

- E quem são os integrantes? - Continuou Kuwabara. - Pena que eles não devem estar aqui ou vocês poderiam tocar um fim de semana desses.

- Pena, não? - disse Botan. - Os integrantes são alguns amigos que moram muito, mas muito longe daqui.

- E o que você toca? - Shuuichi perguntou dessa vez.

- O que eu toco?

Essa não; o que era mesmo que Touya tocava? Guitarra? Baixo? Contrabaixo? Aquele troço que funcionava com antena e os dedos flutuando no ar que ela não fazia ideia que nome tinha?

- Ah, o Touya toca qualquer coisa que tenha cordas - disse Yusuke. - Ele faz uns sons incríveis com a guitarra, não é mesmo Touya?

Ela mataria Yusuke mais tarde. Touya tocava mesmo guitarra ou ele estava inventando? Uma coisa era certa, tinha que concordar sobre os sons incríveis. Da primeira e única vez que Ayame emprestara a garagem de casa para ele ensaiar com o grupo, o som tinha agradado tanto a vizinhança que ela encontrara uma dezena de carros de polícia parados no jardim quando chegou da escola.

- Eu só arranho algumas notas... - respondeu entre dentes.

Yusuke alargou o sorriso.

- Ah, não seja modesto, você é ótimo. Lembre-se que a sua banda estará no topo das paradas até o fim desse semestre.

Kuwabara riu.

- Vai ser difícil você fazer isso estando trancado aqui.

- Ah, foi exatamente no que a mãe dele pensou - respondeu Yusuke.

- Então sua mãe não concorda com a sua banda? - perguntou Shuuichi, compassivamente.

Nem a mãe dele, nem a vizinhança, nem nenhum policial em um raio de vinte quilômetros, Botan pensou. Mas em resposta apenas deu de ombros, ansiosa por encerrar o assunto.

Yusuke começou a perguntar mais alguma coisa, nem um pouco disposto a deixar a conversa esfriar, mas, nesse instante, uma mulher de meia idade apareceu distribuindo os pratos entre as mesas, e Botan aproveitou para se virar para Kaitou e perguntar:

- E você, Kaitou, o que está fazendo aqui?

Ele sequer desviou os olhos do livro. Kuwabara balançou a cabeça.

- Desista, ele não fala com ninguém quando está lendo alguma coisa, ou seja, ele nunca fala com ninguém. Acho que veio para poder passar vinte e quatro horas do dia estudando mesmo - ele riu.

Botan não insistiu na pergunta, mas não ficou inteiramente convencida. Aquele cara era muito esquisito.

* * *

- O que foi que eu disse sobre você se aproximar de outros alunos? - Yusuke puxou Botan pelo braço, fazendo-a andar mais rápido pelo corredor.

- Me solta, seu idiota - ela puxou o braço e o empurrou. - Eu não tenho que ficar isolada aqui por todo o semestre só porque você acha que pode ser ruim para a sua reputação. Ainda que tivesse uma.

Os dois continuaram andando, emburrados. Dobraram o corredor, na direção que levava aos dormitórios, quando ouviram a voz de Kuwabara que se aproximava correndo:

- Esperem, não vão para o quarto ainda!

Yusuke e Botan pararam e esperaram que ele os alcançasse.

- A diretora ordenou que fôssemos todos para o pátio, para que ela possa nos dar as boas vindas - disse Kuwabara alegremente. - Vocês vão gostar dela, é uma pessoa muito amável e...

- Isso não me interessa! - interrompeu Yusuke. - Eu vou cochilar que não tem nada melhor para fazer.

Ele se virou e já ia seguindo a diante quando Kuwabara continuou:

- Os novatos que faltarem às boas vindas pegarão detenção no primeiro dia.

Detenção era a palavra mágica. Significava horas em uma sala chata, fazendo atividades chatas, observado por algum professor chato. Pior ainda: provavelmente também significava um telefonema para os pais. Uma breve imagem de Atsuko aparecendo no colégio no dia seguinte preencheu a mente de Yusuke e ele praticamente correu de volta, passando rapidamente pelos outros dois jovens parados no corredor:

- O que é que vocês estão esperando?

Botan riu intimamente e correu atrás dele. Na metade do tempo que levaram para andar até ali, estavam no pátio. O lugar já estava repleto de estudantes, todos de pé, falando uns com os outros e esperando que a diretora aparecesse.

- Eu não estou vendo ela - disse Botan.

Yusuke ficou na ponta dos pés, olhando para frente, mas tampouco conseguiu ver ninguém.

- Vai ver está atrasada.

- Saia da minha frente!

Alguém empurrou Yusuke com força para o lado e ele balançou os braços freneticamente, tentando não perder o equilíbrio. Quando recuperou a compostura, olhou para baixo e viu um baixinho que quase não chegava a seu ombro tentando abrir caminho entre os outros alunos. O segurou pelo ombro e puxou de volta com uma mão só.

- Quem foi que disse que você podia me empurrar, seu mané?

- E quem foi que disse que podia segurar meu ombro, imbecil?

Botan olhou de um para o outro, vendo faíscas saltarem dos olhos furiosos de ambos. Essa não. Yusuke estava prestes a começar uma briga em pleno pátio, quando a diretora do lugar passaria por ali a qualquer momento.

- Esse ai é o Hiei - Kuwabara sussurrou no ouvido dela. - Ele está aqui desde o semestre passado e já esteve na detenção cento e quarenta e nove vezes. Dizem que vai tentar o livro dos recordes.

- Eu não preciso de permissão para segurar o ombro de quem eu quiser! - berrou Yusuke.

- E eu muito menos para empurrar os idiotas que insistem em ficar no caminho quando eu estou tentando passar - Hiei falou em um tom de voz controlado, mas mantendo a expressão de desagrado.

- Como se com esse seu tamanho fosse muito difícil abrir caminho por ai. Ainda que eu fosse um pigmeu.

- Você sabe o que é um pigmeu? Por acaso andou lendo uma enciclopédia antes de dormir?

Os dois avançaram, com os punhos fechados, na clara intenção de partir para a agressão, mas Kuwabara segurou Yusuke bem a tempo e, nesse mesmo momento, Shuuichi apareceu, se colocando na frente de Hiei.

- Mas o que esses dois pensam que estão fazendo? - perguntou a Botan.

Ela deu de ombros e olhou novamente para frente, na direção que os estudantes fitavam, esperando a diretora aparecer. Felizmente a contenda não atraíra muitas atenções e não havia nenhuma autoridade escolar a vista.

- Esse idiota estava caçoando do meu tamanho! - resmungou Hiei.

- Esse infeliz quem estava fazendo pouco do meu cérebro! - protestou Yusuke.

Os dois readquiriram contato visual, mas Kuwabara se interpôs entre eles, ficando ao lado de Shuuichi.

- Eu não sei por que vocês insistem em brigar por causa de coisas que nenhum dos dois tem!

Hiei e Yusuke desviaram a fúria para Kuwabara, que só então entendeu o que acabara de dizer. Foi a vez de Botan auxiliar Shuuichi na tentativa de aplacar os ânimos.

- Fora daqui, Kuwabara, ou você vai acabar levando a pior - disse Botan.

O garoto sorriu amarelo. Ainda tentou balbuciar uma explicação, mas acabou desistindo. Só conseguiria piorar ainda mais as coisas.

- Parece que o anão de jardim não é o único querendo levar hoje - disse Yusuke, alto o suficiente para que algumas cabeças se virassem em sua direção.

- Do que foi que você me chamou? É bom que saiba que até uma samambaia tem mais cérebro do que você - Hiei respondeu.

Yusuke não estava bem certo do que era uma samambaia, mas vindo do baixinho, certamente era coisa ruim. Os dois recomeçaram a tentar se acertar, mas Botan e Shuuichi os empurraram com força em direções opostas.

- Me solta, Kurama!

- Me deixa arrebentar essa coisinha!

- Chega! - Botan e Shuuichi gritaram ao mesmo tempo.

Silêncio. Quieto demais... Os dois olharam para trás, para todas as cabeças viradas na direção de ambos, inclusive as de dois homens altos que tinha aparecido nenhum deles sabia quando no pátio. Os estudantes abriram espaço e uma mulher de idade já avançada e de estatura ainda menor que a de Hiei apareceu. E pela fisionomia, não estava feliz.

- É a velha... - disse Hiei irritado; mas Botan podia jurar que havia um leve tom de estremecimento na voz dele.

- Eu posso saber por que os dois estavam gritando enquanto eu falava? - ela perguntou a Shuuichi e Botan, ignorando completamente os outros dois garotos.

O ruivo e a menina se entreolharam, sem saber o que responder. Nenhum dos dois tinha sequer percebido a presença de Genkai, menos ainda ouvido a voz dela.

- Senhora...

Shuuichi começou a falar, mas foi interrompido pelo grito dela:

- Silêncio quando eu estiver falando! - olhou dele para Botan, parando nela por alguns instantes a mais, como se estivesse estudando seu rosto. - Por que está usando esse boné? - perguntou.

- Eu gosto dele - a garota levou as mãos à cabeça instintivamente. - E o meu cabelo é um tanto ralo, eu tenho complexo, sabe como é... - começou a rir baixinho, da maneira que sempre fazia quando ficava nervosa.

Genkai pareceu dar-se por satisfeita. Virou-se para voltar para frente dos estudantes e tanto Botan quanto Shuuichi já respiravam aliviados quando a ouviram dizer:

- Espero que gostem de estrear a sala de detenção esse semestre.

* * *

- Eu não posso acreditar que ela nos deu uma detenção - disse Botan. - Nós só estávamos tentando impedir Yusuke e o baixinho de matarem um ao outro, certo? Ela não deveria nos agradecer por isso?

Shuuichi não respondeu. Estava se sentindo realmente mal por causa daquele castigo. Se sua mãe ficasse sabendo que ele se metera em confusão antes mesmo que as aulas começassem, podia dar adeus a seu retorno para casa. Ela provavelmente assumiria que ele precisava de muito mais tempo no lugar para voltar a ser o garoto tranquilo e gentil que ela conhecia.

- Eu vou matar o Yusuke, se vou - Botan continuou. - E de preferência o baixinho também. Em todos os meus dezesseis anos de existência eu jamais tinha pisado em uma sala de detenção. E tudo por culpa daquele asno, idiota, cujos punhos e o cérebro estão completamente fora de sincronia...

- Eu acho que é melhor deixarmos que eles se matem da próxima vez - Shuuichi suspirou.

Botan percebeu a face desalentada dele e suavizou a expressão.

- Tudo bem, foi só uma detenção, não pode ser tão ruim, não é?

- Desde que eles não avisem os nossos pais, eu acredito que não.

A garota gelou. Se eles avisassem à mãe de Touya e ela fosse até o colégio, tudo estaria perdido. Provavelmente a mulher faria um escândalo e Ayame e Koenma estariam de volta em um piscar de olhos.

Aquela detenção não seria nada perto do que a irmã e o cunhado fariam com ela se chegassem a descobrir.

- Touya, você está bem? - perguntou Shuuichi.

- Estou. Só gostaria de saber por quanto tempo...

Os dois continuaram andando até chegar à biblioteca. Um dos homens que viram no pátio já esperava por eles lá dentro. Os encarou por um instante, se demorando um pouco mais em Botan, assim como Genkai, então começou a falar no que parecia um discurso ensaiado:

- Eu sou Shinobu Sensui, seu professor de história. Pelas próximas horas vocês vão ficar aqui e organizar todos os livros em cima das mesas pela classificação decimal de Dewey. Os alunos fizeram uma verdadeira bagunça no último semestre - ele olhou em volta com ar de censura, então continuou: - Os dois têm até a hora do jantar para fazer isso. Caso não terminem hoje, estarei muito satisfeito em escoltá-los de volta amanhã no final das aulas. Qualquer dúvida estarei na minha sala, terceira porta a direita nesse mesmo corredor. Divirtam-se.

O professor saiu em passos rápidos e Botan respirou fundo, feliz por ele não ficar para observa-los. Da mesma maneira que a diretora, ele pareceu ter desconfiado de alguma coisa com relação a ela. Talvez tivesse achado seus traços demasiado delicados para um rapaz... De qualquer maneira ela estava suficientemente parecida com um para que nenhum dos dois dissesse nada a respeito.

- Escapei por hora...

- Você disse alguma coisa? - Shuuichi, que estava olhando para as prateleiras da biblioteca, se virou para ela. - Você conhecia esse tal de Sensui?

- Quem, eu? - Botan balançou a cabeça. - Foi a primeira vez que o vi.

- Engraçado, eu podia jurar que ele estava olhando para você como se o reconhecesse.

- Jura...?

- Sim. Ou deve ter sido por causa do seu rosto.

Botan gelou.

- Meu rosto?

- Não se ofenda, mas... - ele deu um meio sorriso, pesando as palavras. - Você não tem o aspecto convencional de um garoto da sua idade.

- N-Não tenho?

- Ah, mas não precisa se preocupar. As pessoas vivem falando que eu tenho traços delicados... E eu não me tornei uma garota por causa disso.

Ele riu, começando a caminhar na direção da estante de literatura universal, deixando Botan parada no mesmo lugar, pensando quanto tempo mais ela conseguiria continuar por ali sem ser descoberta.

Olhou para Shuuichi que já organizava os primeiros livros e sorriu um pouco. Ele não parecia uma garota. De jeito nenhum. Seus traços eram certamente mais suaves que os dos outros garotos, mas isso só o deixava acima do padrão convencional de beleza.

- Touya, você vem me ajudar ou vai ficar ai olhando? - ele abriu um sorriso largo e Botan suspirou. Muito acima com toda certeza.

- O que é esse negócio de Dewey mesmo?

* * *

- Esse é o último dessa prateleira - disse Botan, passando a mão pela testa. Já estava começando a ficar escuro lá fora e eles nem mesmo estavam perto de terminar. Felizmente Shuuichi conhecia o sistema de classificação, porque se dependesse dela ainda estariam tentando se situar.

- Três prateleiras mais e...

- E nós vamos ficar alérgicos a literatura pelo resto de nossas vidas - ela cruzou os braços, emburrada.

- Não foi tão ruim - disse Shuuichi com um sorriso. - Eles poderiam ter nos mandado arrumar a biblioteca inteira.

- Nesse caso nós teríamos que ter trazido as malas e acampado aqui pelo resto do semestre.

Ele assentiu e sorriu outra vez. Estava sorrindo muito para quem estava em uma detenção e Botan estava começando a prestar atenção demais em seu novo amigo. Shuuichi não era o tipo de pessoa que gostava de falar de si mesmo, ela nem mesmo acreditava que ele tinha dito a verdade sobre o motivo de estar ali quando foi questionado durante o almoço. O fato de ser reservado e estar sempre calmo contribuía para torná-lo ainda mais interessante. E os olhos dele...

- Touya?
Tão incrivelmente verdes...

- Você está bem?

Ela nunca tinha visto olhos assim tão bonitos...

- Touya! - Shuuichi gritou.

- O que...?

- Você está me encarando.

- Não estou - disse Botan rapidamente.

- No que estava pensando?

- Bem, eu... - era sobre aquilo que Yusuke vivia falando. Tinha que se lembrar de que era um garoto pelos próximos seis meses e que não podia ficar pensando se os colegas de escola eram ou não bonitos. O que eles iam pensar se a pegassem dando bandeira daquele jeito? Touya a mataria se ela passasse uma imagem... errada usando a identidade dele. - Kurama.

- Como?

- Hiei chamou você de Kurama lá fora. Estava pensando o que isso significa - ela prendeu a respiração, torcendo para que ele acreditasse nessa explicação.

- Ah, isso... - Shuuichi relaxou, voltando a prestar atenção nos títulos dos livros. - É só um nome de rua, nada mais.

- Nome de rua? - perguntou Botan, ocupando-se em passar para ele uma enciclopédia da segunda guerra.

- Você sabe, quando se vence algumas brigas de rua, você acaba ficando conhecido por alguma coisa. Onde eu moro, eles me chamam assim.

- E por que não pelo seu nome?

- Eu não gosto que o meu nome seja envolvido nesse tipo de coisa. Acho que eles sabem disso e preferem não me provocar.

A mãe dele ficaria horrorizada se soubesse que seu filho, ótimo estudante e personificação da paciência, costumava se irritar de vez em quando a ponto de fazer com que meia dúzia de garotos problema voassem pela calçada. Da última vez que alguém dissera ter brigado com Shuuichi Minamino, ele certificara-se de fazê-lo experimentar um segundo round envolvendo um voo só de ida por cima de um muro. Desde então, na rua ele era apenas Kurama.

- E você é bom? - Ele não parecia o tipo de pessoa que ela imaginaria brigando na rua, mas quem poderia saber? Era a prova viva de que aparências não eram assim tão confiáveis.

- Eu acho que sim - Shuuichi respondeu. Ele era bom, mas nunca fora exatamente apaixonado por lutas. Ultimamente podia-se dizer que ele tinha entrado em brigas bem mais do que o normal. Mas quem poderia culpá-lo? Não podia bater no padrasto, tinha que descarregar a frustração em outro lugar. - Por que o interesse? Você gostaria de lutar comigo?

- Não! - gritou Botan. - Digo, eu não sou bom com lutas.

- Ah, claro. Desculpe, eu esqueci que você é um artista.

Essa não, aquela conversa de novo. Quando voltasse ao dormitório teria dois motivos para esganar Yusuke: se não bastasse tê-la obrigado a falar na banda de Touya, ainda começara o estúpido bate boca que a fizera acabar na detenção. Pelo menos estava com Shuuichi ao invés de algum idiota.

- Um artista, claro - Botan disse desanimadamente.

- Para quem vai estar no topo das paradas no final do semestre você não parece muito animado.

- Pois é... Deve ser a emoção.

* * *

- Me devolve isso!

Kuwabara deu duas voltas no quarto, correndo atrás de Yusuke, antes de parar para conversar.

- Você não tem nenhum interesse nele, por que está fazendo isso comigo?

- Eu só estava curioso com o que você escondia tanto debaixo desse seu travesseiro - disse Yusuke, erguendo ainda mais o urso de pelúcia marrom, com uma fita vermelha amarrada no pescoço. - Já tinha ficado sabendo do seu medo de escuro, mas eu não pensei que chegasse ao ponto de precisar dormir com um bichinho desses. - Olhou pensativamente para o urso. - E agora, o que eu vou fazer com essa informação...?

- Você não vai fazer nada! - gritou Kuwabara. - Porque não é nada disso que está pensando. Eu trouxe o ursinho porque foi um presente da minha querida Yukina - ele adquiriu um olhar sonhador que durou apenas alguns segundos. - Devolve logo! - Saltou na direção de Yusuke que desviou, fazendo-o cair de cara no chão.

Nesse instante, a porta se abriu e uma Botan cambaleante entrou. Andou lentamente pelo quarto até deixar-se cair na cama.

- Por que as pessoas têm que escrever tantos livros? Não seria mais fácil passar as informações na base da conversa?

Kuwabara sentou-se no chão, massageando o nariz machucado, e Yusuke olhou para a prima, momentaneamente esquecido da comoção com o urso.

- Como foi na detenção? - perguntou, sorrindo tolamente.

- O que é que você acha? - Botan o fuzilou com o olhar. - O tal professor Sensui nos mandou organizar todos os livros deixados fora de lugar no último semestre de acordo com um sistema que eu nunca ouvi falar. - Tinha que admitir que nunca fora exatamente um rato de biblioteca. - Levamos a tarde inteira para fazer isso e ainda tivemos que deixar boa parte deles para amanhã, depois das aulas. E tudo por culpa sua, que não sabe manter esses seus punhos abaixados por mais de cinco minutos! - Ela terminou de falar quase gritando.

- Vocês pegaram detenção e eu nem dei o soco que aquele baixinho merecia - disse Yusuke, compenetrado.

Botan suspirou, se perguntando se ele tinha ouvido uma palavra do que ela acabara de dizer.

- Bata em quem você quiser - disse - mas, por favor, faça isso bem longe de mim. - Ela ergueu-se na cama e olhou para as mãos e braços cobertos de poeira. - Preciso de um banho.

Levantou-se e saiu do quarto. Menos de um minuto depois, apareceu de volta.

- A propósito... Onde é que eu devo ir para tomar banho?

- Ah! - Kuwabara estalou os dedos. - Eu esqueci de mostrar a vocês. O vestiário fica no final do corredor, naquela porta onde está escrito... Vestiário?

- Vestiário!? - Botan e Yusuke perguntaram ao mesmo tempo.

- Isso mesmo.

- Você quer dizer aqueles lugares onde há vários chuveiros, onde os garotos tomam banho todos ao mesmo tempo? - Botan perguntou, já temendo a resposta.

- Eu sempre espero para tomar banho à noite, quando há menor movimento, mas, basicamente, a ideia é essa. Por quê? Você é do tipo envergonhado?

Botan estremeceu. Como ela não tinha pensado naquilo? E agora, o que faria? Não podia passar os próximos seis meses sem tomar banho. Olhou suplicantemente para Yusuke, mas este apenas devolveu um olhar completamente desinteressado. Aparentemente estava muito mais preocupado em analisar o urso de pelúcia de Kuwabara que em ajudá-la com o novo problema.

- Então parece que vou ter que tomar banho assim mesmo... - ela provocou.

- Não se esqueça do sabonete - disse Yusuke, sem tirar os olhos do urso.

- Essa hora pelo menos meia dúzia de estudantes devem estar tomando banho, mas como não tenho vergonha de nada...

- Leve a toalha também - Yusuke a interrompeu. - Ou vai acabar tendo que vir sem roupa até o quarto.

Botan apertou as mãos, furiosa. Como faria para tomar banho se Yusuke não a escoltasse e ficasse na porta, impedindo as pessoas de chegarem perto?

- Se precisar de ajuda para ensaboar as costas - Yusuke sorriu debochadamente - você pode pedir a seu novo amigo. Afinal, os conselhos de seu primo não servem para nada, não é mesmo?

Ele ainda estava zangado por ela ter desobedecido à regra de não fazer amizade com desconhecidos. Raios! O que ele esperava que ela dissesse? “Oh, eu sinto muito, mas não posso conversar com você. Na verdade com ninguém enquanto estiver fingindo ser homem.”

Pegou a toalha e roupas limpas e saiu do quarto pisando duro. Ia tomar banho com ou sem a ajuda de Yusuke. Nem que para isso tivesse que fazer plantão no tal vestiário durante o resto da noite.

Kuwabara observou a discussão em silêncio, sem entender nada. Quando se viu novamente sozinho com Yusuke, voltou a avançar na direção dele.

- Devolve meu urso!

Yusuke apenas jogou o bicho de pelúcia de volta no travesseiro dele e foi para sua própria cama. Não dava cinco minutos para ver Botan aparecendo de volta a fim de pedir para que ele a ajudasse.

Daquela vez ela teria que implorar.

Continua...

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