A sociologia do sociólogo

Aug 25, 2009 16:46

Algumas vezes eu tenho sérios problemas de concentração. Especialmente no computador. É, isso atrapalha bastante.

Uma vez eu li uma parte de uma entrevista que dizia que o problema das gerações que nasceram tendo acesso ao computador é que elas sofrem de atenção parcial permanente, ou algum nome parecido. Isso é diferente de fazer muitas tarefas ao mesmo tempo (o famoso multitasking). Significa que seu cérebro nunca se desliga de algumas coisas. Enquanto você faz a tarefa X, a tarefa Y continua ocupando seu cérebro, mas em segundo plano. Ou seja, seu cérebro continua trabalhando em duas coisas ao mesmo tempo; trabalhando em dobro. Isso, é claro, se forem apenas duas coisas. Se forem mais, isso significa que seu cérebro ficará sob um efeito muito maior de estresse. E veja só o tamanho do problema: seu cérebro destina atenção parcial a todas as coisas, em vez de destinar atenção integral a determinadas coisas. Este é o fundo de todos os meus problemas.  Certo, vou explicá-lo melhor logo mais.

Para dizer a verdade, como a entrevista não falava do processo que o cérebro utiliza no multitasking, não sei exatamente qual é a diferença para a atenção parcial permanente, mas eu entendi como o processo desta funciona. E eu entendi que ela se aplica totamente a mim. Totalmente.

A internet é uma porta para milhares de coisas, e para milhares de coisas ao mesmo tempo. Alguém como eu, que se envolve em diversas tarefas na internet desde que tem internet em casa, ou seja, há quase 11 anos, pode ter certa dificuldade em organizar o tempo. Explico-me. Atualmente ando regularmente --e voluntariamente-- empenhada em algumas atividades: essencialmente o HIM BRASIL e o LibraFANS. Mais recentemente, voltei a me dedicar ao meu longevo blog. Recentemente larguei o Dazzling Promocionais e Take That Brasil e daqui a pouco paro novamente de me dedicar ao Red Carpet & Rebellion. Ou seja, como costumo levar as coisas a sério, são(eram) atividades que demandam(avam) muito do meu tempo livre. Além disso, eu tenho Orkut, Twitter, Facebook (abandonei), MySpace (abandonei) e o fórum do HIM. Ou seja, nunca um tempo que eu passo no meu computador é um tempo jogando Paciência. É assim porque eu fiz assim.

Só que a questão é: enquanto eu eu estou supostamente empenhada em fazer alguma coisa, geralmente as outras me bombardeiam ao mesmo tempo e cada uma das atividades acaba demorando muito mais do que o planejado. Ou seja, eu fico interrompendo duas mil vezes a atividade A para ver ou fazer alguma coisa relacionada à atividade B, C, D, ..., ou  Z.  Ainda em outras palavras, isso significa que enquanto eu estou fazendo a atividade A, meu cérebro continua pensando remotamente em todas as outras 25 atividades e, em determinados momentos, alguma delas acaba surgindo por cima da A. Uma confusão. Da última vez que eu me propus a colocar as atualizações do LibraFANS no ar, por exemplo, devo ter passado literalmente 10 horas na frente do PC, quando eu tenho quase certeza de que algumas poucas horas tivessem sido mais do que o suficiente, em situações normais.

Isso porque eu nem deixo o MSN ligado. É que, com raríssimas exceções, odeio pessoas me interrompendo. Claro, eu já dou conta do recado sozinha. Aliás, sinceramente, MSN é uma coisa from hell. Está aí mais uma coisa que você não vai me ver fazendo em aproximadamente 90% do meu tempo no computador: bate-papo. Sou meio finlandesa nesse sentido; simplesmente não nasci para conversa furada de MSN e filas de banco. Muito menos de salão de cabeleireiro.

Vê como eu começo a digredir? Pareço o Machado de Assis contando história. Quer dizer... Não, não pareço. Nunca chegaria nem aos pés dele. Mas a digressão é uma catacterística tão minha, quando dele. E também é a conversa com o leitor.

Mas onde eu havia parado? Sim, na atenção parcial permanente.

E antes de chegar ao ponto crucial deste texto, preciso desviar ainda mais uma vez, mas desta, intencionalmente.

Eu odeio o curso de Relações Internacionais. Essa sim é a grande frustração da minha vida nos últimos quatro anos. E o fato de ser Relações Internacionais - USP é ainda pior, porque a inutilidade toda da sua vida parece ser muito mais significativa. Significa que você estudou um ano no Anglo (que é o melhor cursinho), passou na maldita Fuvest (que tira o sono dos mortais como se fosse uma pessoa e não uma fundação), para um dos cursos mais concorridos da USP (o terceiro mais concorrido), passou em 10º lugar e simplesmente está no lugar errado. O que uma pessoa faz numa situação dessas? Resposta: aguenta os 4 anos. Certo? Quase. Aguentar é um eufemismo, neste contexto. Eu diria, quase entrar em colapso mais de uma vez em quatro anos. Ok, ao menos uma por semestre.

Pois bem, eu penso demais. Este é o tema principal do post. Minha cabeça simplesmente não pára um minuto e acho que isso também é um aspecto da atenção parcial permanente. Enquanto eu leio alguma coisa, mil outras coisas me aparecem diante dos olhos. Minto. Aparecem por detrás dos olhos, já que o que está diante é o texto. E aqui eu fecho o ciclo, pois foi exatamente deste pensamento que eu decidi iniciar este post. Eu penso demais.

Novamente, explico-me.

Estava eu esta manhã lendo um artigo sobre sociologia econômica chamado "Sociologia Econômica Hoje e Amanhã" de um sujeito, sobre o qual nunca ouvira falar, chamado Richard Swedberg. (Preciso interromper para saber a origem desse sobrenome! A-ha! Como eu supunha, é um nome sueco! Vê só o tamanho da digressão? Minha cabeça funciona assim. Ela me leva a parar o texto e procurar no Google a origem do nome 'Swedberg' e esse não foi um acontecimento isolado, pois já fiz isso com outros autores. Tendo a origem do nome, então decidi procurar na Wikipedia a origem do pesquisador. Claro, ele é sueco da Suécia, não apenas descendente de suecos nos EUA. Porque será que eu precisava tanto assim dessa informação? Quando sua cabeça funciona desse jeito, continuar uma leitura se torna uma tarefa grande demais. Exaustiva demais.)

A verdade é que não passei da página 6 do artigo, pois muitas coisas coisas me tiraram a atenção, inclusive a ideia de escrever este post. Pronto, já disse todas as motivações por trás da ideia de escrever: razões imediatas (Swedberg), razões remotas (pensar demais) e razões subjacentes (atenção parcial permanente), só que do geral (razões subjacentes) ao específico (razões imediatas). Há ainda uma ponta solta, que é Relações Internacionais - USP, mas cada coisa a seu tempo.

Aliás, percebo também certa tendência para a escrita prolixa. Simplesmente não sei contar uma história curta. Os posts vão perdendo o controle e se tornando cada vez mais longos. (Vê? Novamente uma ideia secundária tomou conta da ideia principal. Ávida por voz própria, esta ideia interrompeu novamente o curso das coisas para expor suas aflições de ideias que não descançam nunca.)

Inclusive, o Twitter foi feito exclusivamente para pessoas como eu, que têm micro ideias 24h por dia e que precisam de algum lugar para escrevê-las. Posto que são micro ideias, cabem em 140 caracteres, tal é a maravilha do Twitter. (Pode até ser que o Twitter tenha sucateado os estilo "blog", que já era uma forma de literatura sucateada, mas pelo menos ajuda meu poder de síntese no que tange às micro reflexões digressivas.)

Explico-me, já adiantando que é parte da atenção parcial permamente. Semestre passado, eu estava empenhada em um trabalho de Globalização e Fragmentação em Perspectiva Histórica. Meu tema, do qual eu mal me recordo (sim! "Violência Étnica"), era simplesmente muito amplo para ser verdade. (Apesar de que no fim dos transtornos, acho que consegui estruturar as coisas direito. Não, isso é mentira.) Eu andava muito estressada para ser verdade e com a cabeça vazia demais para ser verdade. Mas era tudo verdade. Mais difícil do que delimitar meu campo de pesquisa dentro de "violência étnica", depois inclusive de saber que catso seria "violência étnica", e mais difícil do que ler e escolher quais textos se prestariam para uma transcrição e tradução descarada, uma vez que reflexão estava fora de cogitação (o eco não foi estilístico; é defeito), era conseguir manter a cabeça focada no dever. E nesse momento o Twitter se tornou um vilão.

O esforço de me concentrar na leitura de fontes e na escrita de trabalho estava me consumindo de tal maneira, que a minha cabeça entrava e saia de sintonia a cada 10 minutos. Uma hora eu estava falando sobre as identidades coletivas e em outra estava refletindo sobre a inutilidade de encontrar sentido onde não existia para criar algum tipo de reflexão só minha. Metalinguagem. O problema de se escrever esse tipo de coisa é que a razão de escrever, o jeito de escrever e o porquê de escrever interrompem frequentemente o escrever em si. E, alas, como eu sofro com isso. Imaginem ter os minutos contados daqui até o final de sua vida e simplesmente não ser capaz de utilizar os minutos certos nas atividades certas?

Nisso o Twitter era amigo e inimigo. Amigo porque era uma maneira de expressar todas as micro ideias metalinguísticas sobre o escrever-trabalho-do-Peter (numa nota de rodapé, isso é um macro substantivo). Mas inimigo porque não me deixava fazer o que eu precisava. Eu simplesmente alternava entre Word e Firefox (constantemente no endereço do Twitter) a cada 10 minutos. Ou seja, produtividade zero em termos de trabalho. Mas eu simplesmente não conseguia parar de pensar outras coisas. Até criei o especial "pílulas de sabedoria", num momento em que Ill Niño não saía do meu player. Tudo isso durante o trabalho do Peter. Vale até a pena reproduzir:Pílula de sabedoria nº1: Somos sujeitos pós-modernos. Todos nós. (3:05 PM Jun 9th)
Pílula de sabedoria nº2: Café, Ill Niño e Twitter: os melhores amigos do trabalho do Peter. Ou inimigos. Pós-moderno é relativizar. (3:06 PM Jun 9th)
Pílula de sabedoria nº3: Twitter incrementa sua capacidade de síntese. (3:08 PM Jun 9th)
Pílula de sabedoria nº4: Sentimento nacional é se sentir mais próxima do Cristian Machado pq ele nasceu no Brasil mesmo q ele não soubesse disso até os 19 anos. (4:34 PM Jun 9th)
Pílula de Sabedoria nº5: Como diria Mankiw, os rendimentos marginais são SEMPRE decrescentes. Mesmo nos CDs do Ill Niño. (5:40 PM Jun 9th)
Pílula de sabedoria nº6: Bons alunos não fazem piquetes: estudam e serão os patrões dos agitadores. (6:21 PM Jun 9th)
Pilula de sabedoria nº7: Desconfio, logo penso. Penso, logo existo. E quando for ser desagradável gratuitamente, calo a boca. (11:52 PM Jun 9th)
Pílula de sabedoria nº8: Pós-moderno TAMBÉM é pensar e cantar em pelo menos duas línguas ao mesmo tempo. Por isso o Cris é o cara. (12:15 PM Jun 10th)

Não, a vida de alguém com esse nível de desatenção não é fácil. Eram reflexões sobre a música que eu estava ouvindo misturadas com coisas que eu estava lendo e escrevendo, misturadas com coisas que eu já sabia de antemão. Misturadas com a necessidade premente de terminar o goddamned trabalho. Tudo ao mesmo tempo!

Eu já comecei a atar a última ponta solta e vocês nem perceberam. Ou perceberam... De qualquer forma, RI é o que eu chamaria de food for thought, pelos menos para mim. Diversas vezes, em diversas situações, eu me percebo pensando em alguma coisa que não é o foco central da aula ou da leitura como o fatídico "por que você passou sua vida inteira estudando esse tipo de coisa, Sr. Autor?". Ou "a partir de onde você decidiu que iria passar sua vida inteira estudando a história do México/Palestina/Brasil Imperial, Sr. Professor?" Ou pior! Ciência Política! "Sob o efeito de quais drogas pesadas você estava quando descobriu que política é alguma coisa digna de se fazer graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, além de publicar artigos relacionados e dar aulas? Sinceramente, você gosta tanto assim dessas coisas?" São dilemas seríssimos na minha vida e isso não é sarcasmo. A metalinguagem das disciplinas me distrai demais durante as aulas. Os porquês dos porquês. Não o que é ensinado, mas o que está por trás da arte de ensinar. O interesse do professor em aprender.

Segunda-feira agora eu estava na supracitada aula de Sociologia Econômica. Até interessante a coitada da aula e muito competente a coitada da professora. Uma das coisas que eu aprendi, mas já esqueci parcialmente, é que não sei mais se a velha ou se a nova sociologia econômica tem dois eixos. Hum... Na verdade acho que era a a velha sociologia econômica segundo Marx... Sim, a sociologia econômica clássica segundo Marx. Ou whatever. Estuda-se sociologicamente, por um lado, os fenômenos econômicos, isto é, o lado prático: os mercados, as firmas, etc, etc. Por outro, ela estuda os fenômenos que determinam a interpretação dos economistas. Ou seja, estuda por que os economistas pensam desse jeito economicista no qual o indivíduo é puramente racional e onisciente. Por que diabos o cara pensa assim se no fundo ele também tem um background cultural e cognitivamente construído? Isto é, esta segunda corrente é uma metacorrente, digamos assim.

Aí eu penso: why on Earth, oh God almighty, existem indivíduos que em vez de estudarem a sociologia da economia que já é muito, decidem estudar a sociologia do economista? Do fundo do meu coração, um dia eu vou criar a sociologia do sociólogo. Vou estudar quais são os fatores sociais que levam as pessoas a estudarem os fenômenos sociais. Na verdade, eu acho que a sociologia econômica é bem interessante. Depois de semestres e semestres aprendendo que o indivíduo é racional e age segundo o interesse próprio para maximizar a sua utilidade, é legal saber que pessoas pensam o óbvio: fatores não racionais definem o indivídio muito mais do que os fatores racionais.

Agora, estudar porque o economista pensa desse jeito é um pouco demais para mim. Os economistas são acaso ratos a serem estudados numa gaiola? Por mais que você seja sociólogo convicto, os economistas não são ratos.

Sinceramente, a postura do sociólogo é a postura da classe de cientistas mais arrogantes presente no mundo acadêmico. Eu diria até mesmo anti-ética. Estudar o ser humano, o comportamento humano e as sociedades humanas só poderia ser feito com isenção por seres não humanos. Ou vai me dizer que o estrelinha do sociólogo não é gente também? Ele é tão arrogante, que olha para seu objeto de estudo como se fosse... objeto! Na verdade, o cientista social como um todo tem complexo de Deus. Com frequência ele esquece que o próprio pesquisador não é isento. Não é o homo economicus robótico ideal. Ele não é 100% racional e o melhor de tudo é que seu universo cognitivo não é dado. Ele é socialmente construído! O sociólogo é arrogantemente socialmente construído tal como o economista. Por que eles não enxergam isso?

Se a sociologia do economista já existe, eu acabo de fundar a sociologia do sociólogo.

random, social sciences

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