Jul 18, 2009 02:39
O som daquele beijo, baixo assim, bastou para deixar mudos todos os outros sons. Ficou único e perfeitamente audível. Um pouco estalado, sorvido de leve, com um toque de ansiedade breve.
Estavam fechados os olhos dos dois, como que a aguardar algum sinal externo de que aquele momento já tinha chegado ao fim, que alguém precisava ir embora, erguer-se, desamassar as roupas, reorganizar os pensamentos e dar o fora dali. Os milésimos de segundo que duraram o toque daqueles lábios agourentos, antecipadores de despedida, pareceram querer dilatar-se para engolir átomos e mudar alguma fórmula relativa e estenderem-se por todo um tempo maior, mesmo que pouco, um tempo suficiente, mesmo que nunca o fosse.
Ela foi quem se levantou. Desajeitada, derrubou parte do conteúdo de um copo de chope que repousava a frente dele, a poça úmida escorrendo pelo balcão sobre a calça dele, ela nervosa. Nada disso tinha mais importância. Ela desculpou-se, trocou uma ou duas meias palavras, ditas de uma forma rouca e desnorteada, e ele concordou com todas com meneios de cabeça, mesmo sem ter compreendido qualquer uma delas, a voz presa na garganta, embargada pelo álcool e lágrimas curtidos numa mistura cáustica que o fazia pigarrear. Ele podia sentir o cheiro dos cabelos dela dali, se ajeitavam de leve, enquanto ela passava os dedos entre eles, aflita, estranha. Ela caminhou a passos duros até a porta, tentando manter os olhos avermelhados em pontos fixos aleatórios, distantes da direção dele. Ele ergueu a mão para pedir outra cerveja, um sorriso pálido, costas retas, expressão austera. Ela ergueu o braço para chamar o homenzinho do taxi, que não parou, claro. Os olhos marejados e claros, continuavam fixos e duros. Ela mordeu o lábio com força até arrancar pele, até o sangue escorrer da ferida. Ele enfiou as unhas na madeira até senti-las a ponto de soltarem-se, embranquecendo-se com a falta de circulação. Encostou o punho fechado na cabeça, apertando-o contra a testa, olhar fixo no copo, uma marca vermelha e profunda de dedos , avermelhada e reluzente .
Na rua, Bartolomeu acendeu o cigarro dela, isqueiro em punho, a chama surgiu do nada como sua presença, sorrisão largo no rosto. O dele.
No bar, Dorotéia, paixonite dele da adolescência e garçonete mais boa, deu-lhe bola. Achou-o sensível, um home chorando e talz. Queria um desses, ela teria dito. Conseguira arrancar um sorriso.
Se encontraram exatos quinze minutos e cinqüenta e três segundos depois, no ponto de ônibus em frente a igrejinha onde ele a levava todo final de semana, onde ficavam juntos até que o ônibus dela chegasse para levá-la pra casa da avó. Isso foi antes do apartamento, de morarem juntos, e dos planos. Sentaram-se um ao lado do outro. Conversaram. Relembraram. Riram. Ela pediu um abraço. Ele deu.
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